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Sandra Campos
    Sandra Campos nasceu em Feira de Santana-BA e formou-se em Pedagogia pela UEFS. Na universidade começou a escrever crônicas que eram lidas em algumas aulas. Voltou a escrever em 2013, por prazer pessoal. Em 2014 passou a publicar seus textos no jornal A Tribuna, de Rondonópolis-MT, cidade onde mora atualmente e desde 2015 é colunista do Viva Feira. A primeira crônica publicada em agosto de 2014, “O homem avulso”, já revelava as linhas de força de seu estilo: a escrita leve e espontânea, o lirismo e a intertextualidade, o olhar sutil e ao mesmo tempo agudo dos lances da vida. A crônica “Leve sua filha à feira”, escrita em janeiro de 2014, retrata a feira livre da Estação Nova, que ela costumava frequentar aos domingos com duas amigas de infância. Essa crônica leva o leitor a pensar na beleza e nas lições que não raro se ocultam sob a pseudobanalidade do cotidiano. A crônica que a autora considera a mais carregada de sentimentos e emoções, e também a mais comentada no site do jornal, é “A carta”, uma homenagem a sua mãe Celina. A cronista lançará em breve seu livro de estreia, “O homem avulso: crônicas e contos”, Editora Penalux. Aguardem.  (Texto: Marcelo Brito da Silva)



CRÔNICAS E OUTROS TEXTOS

O coador de café


Publicado em: 02/08/2016 - 12:08:06


Estavam no Supermercado e faziam as compras do mês. Duas mulheres, Maria e Emília, duas vidas distintas por contextos sociais antagônicos, mas que se cruzam pelas vias do destino, na seção em que ficava o café, numa tarde de quinta-feira.

Maria, a mais velha, uma senhora baixa de cabelos curtos, ar sofrido e sério chegou próximo a Emília e perguntou o preço do filtro de papel de coar café. Emília, que aparentava ter uns cinquenta e dois anos, cabelos clássicos e arrumados, pele de pêssego que exalava o frescor da manhã, disse-lhe o preço e continuaram um pequeno diálogo:

- Será que é bom o café coado nisso? Perguntou Maria.

- Sim! É gostoso, Emília respondeu.

-Eu usava o coador de pano, que lava e coloca na geladeira, mas tô cansada, disse Maria.

Emília a ouvia atentamente, estava interessada em ajudá-la. Nesse momento Maria percebeu que podia falar e continuou:

- Será que esse dá pra usar três vezes, se lavar? Disseram que no outro Supermercado tem um que pode usar três vezes.

Ora! Nesse momento, Emília fez uma viagem em seu mundo, suas teorias sociais, e como sempre não deu nenhuma risada de canto de boca nem lhe recriminou! Estava sensível à vida de Maria e sabia que ela não precisava presenciar esse gesto de alma menor, ela só queria ajuda. A vida certamente já teria sido para Maria sarcástica demais, excludente demais, irônica demais, injusta demais, impaciente demais! Naquele momento Maria precisava de uma pessoa capaz de perceber e sentir, mesmo em um pequeno instante, o mundo de uma pessoa pobre e analfabeta vivendo numa sociedade letrada.

De fato a alfabetização ainda é sinônimo de conhecimento, de progresso, mas não se deve esquecer o que atentou Paulo Freire: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”, portanto, tanto a alfabetização, como processo de aquisição do código alfabético e ortográfico, quanto o letramento, como processo de relação das pessoas com a cultura escrita, embora diferentes, são indissociáveis e simultâneos e devem formar um ser curioso, inacabado, um ser em transformação, que não sacrifica sua identidade cultural, um ser humano.

Quantas Marias encontraremos em nosso caminho para nos fazer pensar e agir com responsabilidade e consciência? Para nos fazer refletir como anda nossa leitura do mundo, nossa percepção crítica, interpretação e “re-escrita” do lido? Como anda o nosso coador de café? Retém o desnecessário e deixa passar só o essencial? Que seu café tenha sabor, o melhor sabor, o sabor de um bom café! Bom dia, queridos leitores.



Fonte: Sandra Campos/ A Tribuna MT







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