Estavam no Supermercado e faziam as compras do mês. Duas mulheres, Maria e Emília, duas vidas distintas por contextos sociais antagônicos, mas que se cruzam pelas vias do destino, na seção em que ficava o café, numa tarde de quinta-feira.
Maria, a mais velha, uma senhora baixa de cabelos curtos, ar sofrido e sério chegou próximo a Emília e perguntou o preço do filtro de papel de coar café. Emília, que aparentava ter uns cinquenta e dois anos, cabelos clássicos e arrumados, pele de pêssego que exalava o frescor da manhã, disse-lhe o preço e continuaram um pequeno diálogo:
- Será que é bom o café coado nisso? Perguntou Maria.
- Sim! É gostoso, Emília respondeu.
-Eu usava o coador de pano, que lava e coloca na geladeira, mas tô cansada, disse Maria.
Emília a ouvia atentamente, estava interessada em ajudá-la. Nesse momento Maria percebeu que podia falar e continuou:
- Será que esse dá pra usar três vezes, se lavar? Disseram que no outro Supermercado tem um que pode usar três vezes.
Ora! Nesse momento, Emília fez uma viagem em seu mundo, suas teorias sociais, e como sempre não deu nenhuma risada de canto de boca nem lhe recriminou! Estava sensível à vida de Maria e sabia que ela não precisava presenciar esse gesto de alma menor, ela só queria ajuda. A vida certamente já teria sido para Maria sarcástica demais, excludente demais, irônica demais, injusta demais, impaciente demais! Naquele momento Maria precisava de uma pessoa capaz de perceber e sentir, mesmo em um pequeno instante, o mundo de uma pessoa pobre e analfabeta vivendo numa sociedade letrada.
De fato a alfabetização ainda é sinônimo de conhecimento, de progresso, mas não se deve esquecer o que atentou Paulo Freire: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”, portanto, tanto a alfabetização, como processo de aquisição do código alfabético e ortográfico, quanto o letramento, como processo de relação das pessoas com a cultura escrita, embora diferentes, são indissociáveis e simultâneos e devem formar um ser curioso, inacabado, um ser em transformação, que não sacrifica sua identidade cultural, um ser humano.
Quantas Marias encontraremos em nosso caminho para nos fazer pensar e agir com responsabilidade e consciência? Para nos fazer refletir como anda nossa leitura do mundo, nossa percepção crítica, interpretação e “re-escrita” do lido? Como anda o nosso coador de café? Retém o desnecessário e deixa passar só o essencial? Que seu café tenha sabor, o melhor sabor, o sabor de um bom café! Bom dia, queridos leitores.