A crônica é um gênero textual híbrido, situado entre o jornalismo e a literatura. Geralmente veiculada nos jornais e refletindo sobre temas do cotidiano, ela tende a ser um gênero efêmero. Mas o tratamento dado ao tema pode fazer com que a crônica transponha a barreira do tempo e ingresse no universo literário, onde o que é narrado torna-se perene pelo trabalho da expressão, pela “artesania” da palavra, como diria Manoel de Barros. Nesse caso, o cronista assume o papel de poeta do cotidiano. É assim que posso me referir com propriedade a Sandra Campos, cronista que vem publicando neste site e que em dezembro lançou “O homem avulso”, seu livro de estreia. Os textos ali reunidos, em sua maioria crônicas, nascem da sensível observação do dia a dia, da vida comum que nos cerca, de uma notícia ouvida no telejornal, de uma conversa no corredor do supermercado ou na sala de espera do odontologista. Na pseudo-banalidade do cotidiano a cronista encontra o decalque de insuspeitáveis reflexões ao mesmo tempo leve e profundas sobre o amor, a infância, a passagem do tempo, a criação de filhos, a desigualdade social, o comportamento de homens e mulheres no século XXI.
Às vezes o texto acusa a veia pulsante da memória e a autora vai buscar nas lembranças da infância o tema da sua crônica. Ela então indaga, comenta e interpreta o próprio passado, traduzindo para o leitor a densidade de sua experiência, com realismo e lucidez, sem perder contudo o senso poético.
Ao entrar nos bosques da ficção, a escritora mostrou habilidade e imaginação, como revelam os contos que participam dessa coletânea. Um vizinho misterioso ou um gato pelo curto brasileiro servem de protagonistas em narrativas cujos bichos metaforizam dramas humanos, artifício que nos fazem lembrar contos de Ítalo Calvino ou Miguel Torga.
A intertextualidade é um ponto saliente dessas narrativas, que revela tanto o percurso de leituras da cronista quanto suas influências. O leitor encontrará cotejos com o jovem Werter, de Goethe, com a metamorfose de Kafka, com personagens de Alencar e Garcia Marques, com o pensamento de Machado e Saramago entre outros, sem falar nas remissões ao nosso repertório musical, que se encaixam e emprestam brilho à narrativa.
Em “O homem avulso” Sandra Campos passeia com leveza entre as palavras ao passo que tece seu texto, tendo como principais instrumentos a sensibilidade e o senso de observação. Convido o leitor a acompanhar a escritora nesse passeio, para fruir momentos de agradável leitura.