Armand morava no andar de cima da casa dos Britos. Era um macho solitário, desde que sua companheira o deixara. Ela cansou da tristeza e desânimo que invadia Armand a cada caso terminado. Ele gostava de fêmeas novas, ainda cheirando a leite, eram finas e engomadinhas, mas algumas tão vazias! Penso que morava só, por mera escolha, pois não lhe faltava opção. Mas quem em sã consciência opta pela solidão, visto que ela é triste e sem razão? Mas há quem se adapte a ela, por gostar do silêncio, da natureza, da leitura e do pensamento.
Armand gostava de livros, até guardava duas preciosas listas dentro deles. Uma lista com nomes de todas as fêmeas que possuíra, após tornarem-se presas suas; a outra lista, com todas as fêmeas da família Campestre. Em destaque, os nomes das fêmeas que estrategicamente iria conquistar e atrair para o seu jogo de amor com dias marcados para acabar. Armand gostava de culinária, de vinhos e de queijos. Um apreciador e especialista em queijos frescos ou maturados. Sabia classificá-los quanto ao conteúdo de matéria gorda e quanto ao conteúdo de umidade. Fora essas atividades, o que preenchia a vida dele era a constante observação que fazia aos vizinhos de baixo. Ah! Com seu olfato apuradíssimo, saía à janela para ver a dona do perfume de flores: uma fragrância suave como o cheiro de um buquê de diferentes espécies de rosas, com notas frutais e amadeiradas. Um aroma que combinava com aquela mulher.
Certa manhã, a senhora Brito cozinhava e o cheiro delicioso de feijoada refogada em bacon, cebola e alho, mais carnes diversas, invadiu a casa de Armand, que ficou na espreita cheirando e contemplando a mulher, que nem lhe viu até ouvir os ruídos provocados por ele ao caminhar no andar de cima, de um lado para outro feito um tonto. Aquele ruído deixou a senhora Brito chateada e a fez exclamar: Quanto barulho a esta hora do dia! Este Armand só deve estar faminto e inquieto com o cheiro da minha comida! Ah, Armand, se eu te pego! Iria sentir o peso da minha colher de pau!
Armand não se sentia completamente só, depois que escolhera morar no andar de cima, pois tinha aquela família para lhe fazer companhia. Ficava a ouvir as conversas em torno da mesa a cada refeição que faziam. As piadas contadas pelo senhor Brito e seu filho maior o faziam sorrir e alegravam seus dias. Mas seu sorriso se foi desde que a senhora Brito desconfiou de que o vizinho de cima havia visitado sua casa. A família se reuniu e o filho maior deu uma boa sugestão para se livrarem de Armand, que com sua audição altamente qualificada ouviu todo o planejamento e ficou preocupado:
- Tenho que fugir, disse Armand, mas não queria, já estou acostumado a esta vida, esta família praticamente se tornou a minha. Se ao menos eu soubesse para onde fugir... Para onde devo ir? Não sei, só sei que é assim, ando confuso ultimamente, desde que Bela me deixou, ando triste e deprimido, não sei qual caminho seguir. Nem vejo luz no fim do túnel! Só ouço as vibrações do som.
Em poucos minutos Armand foi tomado pelo desespero, que o fez correr para a casa mais distante. A fim de diminuir sua tristeza, comeu o primeiro doce rosa que encontrou à sua frente. Voltou para sua casa ao anoitecer. Ao chegar, foi recebido por um grande e peludo invasor que o fez correr em disparada fuga, mas antes que o enorme gato o alcançasse, o doce rosa que ele havia comido fez efeito. Assim, o vizinho de cima, um rato-marrom, apelidado de Armand pela família Brito, caiu prostrado no jardim da casa.