Aquele foi o melhor plano de Armand, o rato-marrom, para escapar do grande e peludo gato: se fingiu de morto no jardim da casa dos Britos. Ah! Armand, você enganou até a senhora Brito! Merecia um Oscar por brilhante encenação. Assim que o gato se foi, Armand levantou-se rapidamente e fugiu. Não estava nada bem, depois de ter comido o doce rosa, mas sabia onde procurar socorro.
Foi para a casa de sua namorada fixa. Bê era o seu nome. Ele costumava encontrá-la as terças e quintas, para saírem e namorar um pouco no lugar de sempre. Os outros dias da semana serviam-lhe para curtir a noite e as ratas da cidade. Bê era uma rata bonita, com um corpo escultural mantido por meio de malhações diárias, numa busca frenética e ilusória pela perfeição, algo prioritário para ela. Investia no corpão e na aparência tanto quanto uma rata intelectual dá estímulos à sua mente, com uma diferença: na velhice a beleza viçosa a abandonará, ao passo que as qualidades intelectuais serão companhia inseparável repleta de benefícios.
Embora a rata fosse bonita, não passava de um amorzinho, pois Armand sentia por ela mais paz do que amor. Bê não exigia nada, conforme o combinado, e aceitava tudo sem questionar. Para isso recebia um bom depósito mensal por gratidão aos seus valiosos serviços de amorzinho. Armand costumava dizer: “uma rata que tem preço é muito fácil de agradar”.
Armand era um hedonista insaciável. Sofria de um certo “Dom-juanismo”. Possuía um caráter fleumático e uma imaginação ardente, no entanto, as fêmeas que ia conquistando pelo caminho estavam longe de satisfazer-lhe as fantasias ocidentais em sua existência calma de ordinário. Armand se achava feio, magro e pessimista, além de algumas ratas o qualificarem de presunçoso e difícil de lidar. Contudo Armand era um rato de sorte, poderoso e próspero, o que constituía característica ideal para atrair boa parte das ratas.
Assim que Armand chegou à casa de Bê conseguiu desfazer todo o enjoo provocado pelo doce rosa e ela lhe serviu um chá de frutas silvestres, que o fez sentir-se bem ao ponto de dormir como um anjo... Um anjo caído. Foi então que sua desgraça sobreveio: dormiu tão profundamente que sonhou com suas ratas, ao passo que ia citando em alto e bom som seus nomes e as características que mais apreciava em cada uma. Bê ouvia tudo e sua fúria foi aumentando a cada rata citada. Quando citou Verônica, ratona bonita, boazuda, Bê não se conteve: o acordou aos gritos e jogou-lhe um balde de água fria.
- O que há, ficou louca?! Exclamou Armand.
- Louca estava até agora em lhe fazer companhia por três anos, já chega! Cansei de você e de suas armações, aliás, só estava com você até hoje pelas viagens e conforto que me proporcionava e, claro, pelo dinheiro na caixinha, disse Bê, ao expulsá-lo de sua casa.
- Ora! As ratas são imprevisíveis, vai entender! Não fiz nada! Mas agora, eu é que não quero mais você! Tenho lá os meus princípios e virtudes e eles nunca se curvarão as imposições do amor, eles se subordinarão sempre a outros interesses, disse Armand, que ao sair da casa bateu a porta num adeus sem volta.
Pobre Armand! Preso à adicção sexual mantém múltiplas parceiras e a fixação na obtenção de uma parceira inatingível. Vive buscando o sentido para a vida. Ainda há esperança, a esperança absurda. Quem sabe o milagre do “Amor”? Então encontrará o prazer legítimo e o movimento preciso. Quando o tempo for propício achará o significado da vida, que tira o foco de si mesmo, pois aponta para o outro.