Armand, o rato-marrom, nasceu em Paris. Cresceu entre restaurantes e teatros famosos. Foi acostumado à boa comida, boa música e boa leitura. Morava no Champ de Mars, bem próximo à Torre Eiffel, em uma das maiores áreas verdes de Paris. Morava com sua companheira Bella, até ela o deixar. Ficou tão abatido e desiludido com a separação que desistiu de Paris e de suas noites românticas aquecidas a vinho. Escolheu uma cidade menor, na França, para morar, bem perto do Oceano Atlântico. Nantes, um porto na foz do rio Loire, foi a cidade escolhida por Armand, por ter maior qualidade de vida.
Ao chegar a Nantes foi atraído pelo cheiro da comida deliciosa que vinha da casa dos Britos, uma família de brasileiros que morava em Nantes há dez anos. Não teve dúvidas e se instalou no andar de cima, ou melhor, sobre o forro de madeira, o sótão daquela casa. Já adaptado a Nantes, costumava sair todas as noites para comer em bons restaurantes, frequentado por ratos prósperos, depois saía para namorar.
Após romper o caso com Bê, sua última namorada fixa que morava em Nantes e que recebeu este apelido de Armand, sentimentos de tristeza, melancolia e culpa o invadiam constantemente. Foi com esses sentimentos que acordou numa quinta-feira, além de indisposição e quietude, nem o cheiro da comida da Senhora Brito o fazia circular pelo andar de cima. Armand pensou alto sobre a vida:
- Sou um rato de sorte, mas ainda não encontrei o amor verdadeiro. Amor é como a esperança: procura, procura e não se cansa. Nem sei se ele existe. Só sei que controlo quem entra, quem sai, fica ou vai. Embora concorde que o melhor amigo do rato é a solidão, confesso que ando enfadado dela ultimamente e de olhar sozinho a lua, sedativo de todo infeliz. Algo melhor precisa acontecer comigo, pois já estou envelhecendo e cada dia mais cansado de tanta infelicidade e dor.
Naquela noite, Armand dormiu tristonho e só. Ao acordar de sonhos intranquilos encontrou-se metamorfoseado num homem alto e charmoso. Ao perceber seu corpo de homem assustou-se. Levantou-se devagar, mas mal se mantinha em pé. Sua casa havia se transformado numa autêntica casa humana. Levou horas tentando entender o que havia acontecido e mais horas para se adaptar à nova situação que ele até gostou. Ligou a TV para distrair-se, viu o comercial da Ópera “As Bodas de Fígaro”, uma ópera cômica em quatro atos de W. A. Mozart com libreto de Lorenzo Da Ponte. Armand se interessou principalmente porque esta ópera discutiria o amor e suas várias faces. O espetáculo teria a regência do Maestro André dos Santos, um brasileiro talentoso que morou em Nantes e retornou ao Brasil para compôr a equipe do Theatro São Pedro em São Paulo.
Ah, meu Deus! Armand agora é um homem. Sua primeira experiência cultural será assistir a uma Ópera! Que maravilha!
Sobre a mesa pousava quase despercebido um bilhete com as seguintes palavras:
Olá Armand,
Bem vindo ao mundo humano, não se assuste, terá que conviver em meio a contradições, na dualidade que é a vida, pois a ambiguidade é inerente à condição humana. Uma luta constante entre forças construtivas e destrutivas, representadas por meio do bem e mal, do certo e errado, da felicidade e tristeza, da coragem e covardia, da construção e ruptura, do amor e ódio... Todas integram o binário a que chamamos Vida. Agora que você tem consciência humana prepare-se para as próximas decisões que irá tomar. Saiba que você será responsável por todas as escolhas que fizer nesta vida. Você foi transformado em homem e terá a oportunidade de conhecer o Amor e mais, trinta dias para aprender a amar, ao final, se conseguir, continuará sendo um homem de verdade.