-Ufa! Depois de ler o bilhete, Armand respirou fundo.
Estava diante de um grande desafio, visto que há muitos anos deixara de acreditar no amor. Amar passou a não ser prioridade para ele, pois seus princípios e valores estavam atrelados a outros interesses que valiam mais para este rato-marrom que agora estava metamorfoseado em homem.
- Ainda há alguma esperança. Algo bom poderá acontecer, desde que eu esteja atento às oportunidades, pensou Armand.
Armand tomou banho, vestiu uma camisa vermelha de gola polo e calça jeans, bem ao seu estilo simples de ser, perfumou-se e saiu cedo para ocupar um bom lugar no Teatro. Estava atento. Foi então que uma linda mulher se aproximou e sentou-se ao seu lado. No mesmo instante ele sentiu o seu perfume de flores do campo, seu cheiro de mulher. Contemplou o corpo esbelto que delineava curvas num belo vestido. Os olhos de Armand brilharam, a alegria se instalou, a tristeza se afastou diante daquela mulher. Puxou assunto e iniciaram a primeira conversa.
Pétala era o seu nome. Era educada, inteligente e adorável. Eles assistiram à Ópera juntos, conversaram e ele a chamou para jantar ao final. Ela não aceitou, mas ele anotou o número do seu celular para ligar no dia seguinte. Pétala desejava encontrar um amor verdadeiro e duradouro, que não é somente sentimento, mas sobretudo vontade, amor-decisão. Estava à procura de alguém para compartilhar a vida, momentos de alegria e tristeza, planos e sonhos. Aquele homem havia lhe agradado à primeira vista.
A imagem de Pétala do primeiro encontro e sua voz calma e firme ocupavam o pensamento de Armand. Ligou para ela, conversaram por uma hora. À noite, como combinado, saíram para jantar. Armand a levou a um restaurante especial, com uma vista belíssima da cidade. Uma árvore saía de dentro dele e sua copa cobria parte do primeiro andar com vista para o céu estrelado entre as folhagens. À luz de velas e sob a luz do luar, escolheram uma mesa reservada. O brilho dos olhos de Armand reluzia ao vê-la andar, ao som do farfalhar da seda do seu vestido à altura do joelho, com decote destacado no busto.
- Ah! Ela é linda! Como quero tocá-la, beijá-la e sentir os seus aromas, pensou Armand.
Acompanhados de um bom vinho desfrutaram uma comida deliciosa, uma combinação de paixão e coragem, regada à manteiga, que é o segredo da culinária francesa e dividiram um pudim de leite, seu doce preferido. Aquele segundo encontro foi o início de um romance entre Armand e Pétala. Outros encontros, jantares, conversas, beijos, carícias e até confidências importantes aconteceram nos dias que se seguiram. No entanto, nem a beleza, amabilidade e disposição para amar de Pétala foram suficientes para mover o coração de Armand. Algo muito maior e superior precisava acontecer de dentro para fora, que dependia apenas dele. Armand esbarrou no último obstáculo: o medo de amar, medo de dar certo, um mecanismo autodestrutivo que corresponde ao medo da própria felicidade. Se aprendesse a não sabotar as coisas boas quando elas estão chegando, poderia atingir seu objetivo.
Após o frisson das três semanas de companhia e “amor”, ele voltou-se novamente para seu mundo sombrio e solitário. Ah, Deus, pobre Armand! Chegou ao fundo do poço por não conseguir enxergar a luz que vinha do alto. Depois de trinta dias, Armand visitou sozinho o Castelo sobre o Rio Loire, em Nantes, para observar a bela vista, o pôr do sol, para pensar na vida, nos próximos amores inatingíveis. Ali, ele lembrou-se da música de Robbie Williams, Feel, e começou a cantar:
“Before I fall in love I’m preparing to leave her. I scare myself to death, that’s why I keep on running. Before I’ve arrived, I can see myself coming.” Em português: “Antes de me apaixonar, já me preparo para deixá-la. Eu morro de medo. É por isso que vivo fugindo. Antes de ter chegado, eu me vejo voltando.”
Ao cair da noite, Armand foi metamorfoseado novamente. Ao perceber-se rato, saltou do alto do Castelo num pulo que dizia um adeus extremo.
Sandra Campos é cronista, contista e moradora em Rondonópolis. Este conto fantástico é a parte final da trilogia sobre Armand, o rato-marrom.