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Sandra Campos
    Sandra Campos nasceu em Feira de Santana-BA e formou-se em Pedagogia pela UEFS. Na universidade começou a escrever crônicas que eram lidas em algumas aulas. Voltou a escrever em 2013, por prazer pessoal. Em 2014 passou a publicar seus textos no jornal A Tribuna, de Rondonópolis-MT, cidade onde mora atualmente e desde 2015 é colunista do Viva Feira. A primeira crônica publicada em agosto de 2014, “O homem avulso”, já revelava as linhas de força de seu estilo: a escrita leve e espontânea, o lirismo e a intertextualidade, o olhar sutil e ao mesmo tempo agudo dos lances da vida. A crônica “Leve sua filha à feira”, escrita em janeiro de 2014, retrata a feira livre da Estação Nova, que ela costumava frequentar aos domingos com duas amigas de infância. Essa crônica leva o leitor a pensar na beleza e nas lições que não raro se ocultam sob a pseudobanalidade do cotidiano. A crônica que a autora considera a mais carregada de sentimentos e emoções, e também a mais comentada no site do jornal, é “A carta”, uma homenagem a sua mãe Celina. A cronista lançará em breve seu livro de estreia, “O homem avulso: crônicas e contos”, Editora Penalux. Aguardem.  (Texto: Marcelo Brito da Silva)



CRÔNICAS E OUTROS TEXTOS

Incompletude


Publicado em: 24/02/2016 - 16:02:36


Esses dias, ouvi alguém dizer: sou incompleto. Eu achei uma atitude madura de coragem e autoconhecimento que poucas pessoas têm e assumem publicamente. O desejo de mostrar-se forte, vitorioso, belo, próspero é tamanho que às vezes tende a camuflar a incompletude, qualidade do que é ou está incompleto. Uma característica humana, presente em todos e oposta a autotelia, do grego autotéleia, que significa perfeição, completude. Afinal, você já parou para pensar: eu sou completo? Esta é uma pergunta sensata que podemos fazer a nós mesmos e ao mesmo tempo simples, pois já sabemos a resposta. Nem precisa de terapia para chegar a ela, basta o bom senso que nos faz responder com outra pergunta ainda mais inquietante: quem neste mundo é ou se sente completo? O que nos falta que nos faz perceber a incompletude presente em todo ser humano? Cristão ou não cristão, rico ou pobre, empregado ou desempregado, bonito ou feio, forte ou fraco?

Ninguém escapa dessa consciência, nem o rei Davi, um homem rico e poderoso. Certo dia ele avistou da sacada do palácio uma bela mulher em seus aposentos tomando banho. Ele a desejou, mas ela era casada. Como rei, ele poderia ter em seu harém a mulher solteira que quisesse, mas ele queria Bate-Seba. Todas as outras não bastavam, tinha que ser Bate-Seba e ela, depois do arrependimento de Davi, se tornou a mãe de Salomão, o rei mais sábio de todos os tempos. Até o homem segundo o coração de Deus, Davi, se sentia incompleto, vivia deprimido e fugindo de seus inimigos. O apóstolo Paulo vivia um drama existencial na dualidade que é a vida: “Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto. Ora, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa.” Atitudes que mostram que não somos completos, visto que não somos perfeitos, pois a perfeição e completude a Deus pertencem, a nós não!

 O que lhe falta nessa vida? Espiritualidade? Amor, bondade, generosidade, mansidão, domínio próprio? Uma família? Amigos sinceros? O emprego dos sonhos? Uma casa própria bem decorada? Carro automático? Momentos de lazer numa Shadow ou num Iate? Uma casa na praia ou no campo? Falta-lhe a aposentadoria tão desejada? Morar em outro país? Um namorado compromissado que a ame? Um parceiro para a vida ou seria falta de uma paixão que arranque seus suspiros e o mova nessa vida hermética, sistêmica? Será que lhe falta fazer o que realmente gosta e sentir-se realizado? Ou o que lhe falta é uma graduação ou mestrado, doutorado, pós-doutorado? Falta-lhe a garantia de direitos de todo cidadão? Um casamento? Filhos? Um pai ou mãe para seu filho? Ou lhe falta harmonia no lar? Amor e respeito, paciência e tolerância? Seria fé em Jesus Cristo? A fé falha, fé pequena, fé falta, embora o autor da fé não falhe. Falta-lhe saúde? Sensibilidade, altruísmo, dignidade, resiliência? Falta-lhe controle das finanças? Respeito à diversidade cultural? A lista de faltas pode ser infinita.

 Galileu Galilei, um gênio italiano que abandonou a medicina para ser autodidata em física, matemática, astronomia e filosofia, um personagem principal na revolução científica, incompleto. Faltou a Galileu a alegria de ver o reconhecimento e a ampliação da descoberta. Ele defendeu o heliocentrismo de Copérnico, que afirmava que a terra girava em torno do sol e estava certíssimo, mas sem êxito lutou, morreu sem saber a importância dos movimentos de rotação e translação. Manoel de Barros, poeta mato-grossense, afirmou que a maior riqueza do homem é a sua incompletude. “Nesse ponto sou abastado... Perdoai. Mas eu preciso ser Outros”. E eu dou-lhe razão. E você?                       



Fonte: Sandra Campos/ A Tribuna MT







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