Eu o vi quando chegou à rodoviária, era noite e eu aguardava o embarque. Era início de 2013. Eu estava em Palmas e esperava o ônibus com destino a Salvador. Ele chegou com pouca bagagem e o seu casaco colorido chamou a minha atenção. Um homem moreno, alto, magro, ar sofrido e sério, com aparência de uns 45 anos.
O ônibus partiu. Durante as paradas, nos pontos de apoio, ele ficava sempre afastado. Numa medonha lentidão fumava e pensava na vida. Eu o observei. Não foi pelos cegos meandros do acaso, nem pelos ilegíveis fólios do destino, foi por planejamento divino. A viagem seguiu, o dia amanheceu e ele continuava afastado.
Eu o vi e me lembro dele. Tinha dor e sofrimento marcados em seu olhar, em suas mãos calejadas e ásperas. Não pediu nada, estava carregado de silêncio e dignidade. Após a parada para o café da manhã, no ônibus comentei sobre ele com um casal que estava sentado na fileira ao meu lado e, num breve diálogo com ele, descobrimos que estava morando nas ruas de Palmas, desempregado e só. Estava alijado da condição de cidadão, sem família, emprego, residência, estava invisível aos olhos da sociedade, visto que o Estado foi incapaz de garantir políticas públicas eficientes que oferecessem condições mínimas de sobrevivência. Estava sob o estigma do fracasso, da impotência, da menos-valia.
Um casal o ajudou a retornar à sua terra natal comprando uma passagem, e ele só levava em seu bolso cinco reais para o ônibus coletivo que iria pegar em Salvador. Por isso não havia comido nada durante a viagem.
Fiquei comovida ao ouvir o seu relato, cheia de compaixão e lágrimas. Dei a ele todo o lanche que eu carregava e algum dinheiro. O casal o ajudou também e outros passageiros que estavam próximos e se sensibilizaram. Os olhos dele brilharam, ele timidamente agradeceu e sorriu. Eu o vi. Vi sua condição social que o excluía. Vi sua solidão e dor. Vi seu isolamento, sua fome, seu desamparo. Vi até a invisibilidade que aquela sua condição causava e vendo-o aprendi a olhar mais para o próximo. Eu o vi e ele se chamava Fabiano.