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Sandra Campos
    Sandra Campos nasceu em Feira de Santana-BA e formou-se em Pedagogia pela UEFS. Na universidade começou a escrever crônicas que eram lidas em algumas aulas. Voltou a escrever em 2013, por prazer pessoal. Em 2014 passou a publicar seus textos no jornal A Tribuna, de Rondonópolis-MT, cidade onde mora atualmente e desde 2015 é colunista do Viva Feira. A primeira crônica publicada em agosto de 2014, “O homem avulso”, já revelava as linhas de força de seu estilo: a escrita leve e espontânea, o lirismo e a intertextualidade, o olhar sutil e ao mesmo tempo agudo dos lances da vida. A crônica “Leve sua filha à feira”, escrita em janeiro de 2014, retrata a feira livre da Estação Nova, que ela costumava frequentar aos domingos com duas amigas de infância. Essa crônica leva o leitor a pensar na beleza e nas lições que não raro se ocultam sob a pseudobanalidade do cotidiano. A crônica que a autora considera a mais carregada de sentimentos e emoções, e também a mais comentada no site do jornal, é “A carta”, uma homenagem a sua mãe Celina. A cronista lançará em breve seu livro de estreia, “O homem avulso: crônicas e contos”, Editora Penalux. Aguardem.  (Texto: Marcelo Brito da Silva)



CRÔNICAS E OUTROS TEXTOS

Eu o vi


Publicado em: 30/03/2016 - 12:03:01


Eu o vi quando chegou à rodoviária, era noite e eu aguardava o embarque. Era início de 2013. Eu estava em Palmas e esperava o ônibus com destino a Salvador. Ele chegou com pouca bagagem e o seu casaco colorido chamou a minha atenção. Um homem moreno, alto, magro, ar sofrido e sério, com aparência de uns 45 anos.

O ônibus partiu. Durante as paradas, nos pontos de apoio, ele ficava sempre afastado. Numa medonha lentidão fumava e pensava na vida. Eu o observei. Não foi pelos cegos meandros do acaso, nem pelos ilegíveis fólios do destino, foi por planejamento divino. A viagem seguiu, o dia amanheceu e ele continuava afastado.

Eu o vi e me lembro dele. Tinha dor e sofrimento marcados em seu olhar, em suas mãos calejadas e ásperas. Não pediu nada, estava carregado de silêncio e dignidade. Após a parada para o café da manhã, no ônibus comentei sobre ele com um casal que estava sentado na fileira ao meu lado e, num breve diálogo com ele, descobrimos que estava morando nas ruas de Palmas, desempregado e só. Estava alijado da condição de cidadão, sem família, emprego, residência, estava invisível aos olhos da sociedade, visto que o Estado foi incapaz de garantir políticas públicas eficientes que oferecessem condições mínimas de sobrevivência. Estava sob o estigma do fracasso, da impotência, da menos-valia.

Um casal o ajudou a retornar à sua terra natal comprando uma passagem, e ele só levava em seu bolso cinco reais para o ônibus coletivo que iria pegar em Salvador. Por isso não havia comido nada durante a viagem.

Fiquei comovida ao ouvir o seu relato, cheia de compaixão e lágrimas. Dei a ele todo o lanche que eu carregava e algum dinheiro. O casal o ajudou também e outros passageiros que estavam próximos e se sensibilizaram. Os olhos dele brilharam, ele timidamente agradeceu e sorriu. Eu o vi. Vi sua condição social que o excluía. Vi sua solidão e dor. Vi seu isolamento, sua fome, seu desamparo. Vi até a invisibilidade que aquela sua condição causava e vendo-o aprendi a olhar mais para o próximo. Eu o vi e ele se chamava Fabiano.

 



Fonte: Sandra Campos/A Tribuna MT







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