Tive a honra e a alegria de participar ativamente das últimas experiências jornalístico-empresariais que Ziraldo achou por bem inventar, para o bem de tantos: a revista Bundas, o jornal Opasquim21 e a reforma gráfica e editorial do Caderno B do Jornal do Brasil. Em todas elas estive à frente das redações, sob o seu comando.
Todas foram sucessos editoriais gigantescos e fracassos financeiros retumbantes.
Graças a essas experiências – que me trouxeram amizades, jogo de cintura e cabelos brancos – pude viver a dor e a delícia de conviver com o dia a dia de sua casa, seu estúdio e a correria estimulante de redações comandadas por um diretor que era um vulcão humano. E nada poderia trazer mais estímulo profissional a uma pessoa de criação do que ver Ziraldo criando. De aprender com sua inventividade, generosidade, desprendimento.
A dor é porque se trata de um trator em movimento, que não permitia quem estava ao seu lado sequer parar para respirar; a delícia porque dessa refrega brotavam, quase sempre, turbilhões de aprendizados. Um dia, vendo Ziraldo riscar um projeto de páginas para a revista, enquanto finalizava uma charge, revisava um texto e montava mais um livro infantil, perguntei:
– Cara, como é que você consegue produzir tanto?
E ele, despejando despretensiosamente o ensinamento que guardei, adotei e hoje uso como um mantra:
– Porque faço, ao invés de ficar pensando em fazer. O tempo que se perde sonhando é o mesmo que se ganha realizando.
Por isso fez tanto. E tão bem!
Nascido em Caratinga (MG), em 1932, Ziraldo começou a publicar seus primeiros desenhos no comecinho da década de 1950, em Belo Horizonte, no jornal A Folha de Minas. Em 1955 se integrou à equipe do jornal O Binômio, dirigido pelo bravo José Maria Rabelo, e logo foi chamado para trabalhar no Rio de Janeiro, em O Cruzeiro, onde desenhou, diagramou, escreveu e editou. Teve carreira meteórica em O Cruzeiro, onde começou como assistente de arte e logo, logo se tornava editor de arte. Por possuir também um temperamento envolvente, foi convidado pela direção da revista a assumir o posto de relações públicas, convite imediatamente aceito pelo mineiro que jamais recusou trabalho.
Nessa época nasceu, entre outras criações do talento de Ziraldo, o personagem Saci Pererê (a princípio, apenas um cartum publicado nas páginas da revista). A aceitação do negrinho de uma perna só foi tão grande, que o seu criador resolveu acrescentar toda uma turma de “amiguinhos” para sustentar o Pererê e transformar o personagem em revista em quadrinhos. A turma do Pererê, que foi às bancas de revistas, em seu primeiro número, no dia 1º de abril de 1964, no dia e hora em que se instalava a ditadura militar no país, foi bancada pela própria empresa que editava O Cruzeiro e teve vida curta.
A partir daí, o múltiplo Ziraldo dedicou-se á publicidade, às charges diárias que marcaram época na página de Opinião do Jornal do Brasil, a páginas especiais na imprensa, como o Cartum JS (criado por ele no Jornal dos Sports) e à atuação política nas páginas do recém-nascido Pasquim, no final da década de 1960. Além da A turma do Pererê, criou personagens emblemáticos do humor brasileiro, como Jermias o Bom, Mineirinho, o Come Quieto, Supermãe e tantos outros.
O nome de Ziraldo está, há algum tempo, fortemente ligado à literatura infantil – atividade na qual já brilha com mais de 100 títulos lançados. O primeiro sucesso foi com a obra Flicts, uma alegoria poética e supercolorida sobre as cores e suas possibilidades, e o mais permanente é o best-seller O menino maluquinho, que já vendeu mais de 2 milhões de exemplares e foi traduzido para uma meia dúzia de idiomas.
Admirado por algumas gerações de artistas e de curtidores do humor, Ziraldo é considerado um mestre por vários cartunistas. Publicou em revistas estrangeiras e escreveu para teatro, cinema e televisão. Sempre com garra, originalidade e um talento espantoso. Foi grande, brilhante, enorme em tudo o que fez.