menu
-Agenda Cultural
-Restaurantes
-Teatros
-Museus
-Comentários
-Fale conosco
-Política de Privacidade
-Utilidade Pública
-Links Feirense
-Artes Cênicas
-Artes Visuais
-Artesanato
-Bandas
-Literatura
-Músicos
ENTRETENIMENTO
-Cinema
-Arquivo de Eventos
-Festival Vozes da Terra
-Festival Gospel 2010
-Natal na Praça 2010
-Micareta 2011
-Últimos Eventos
-Radio Viva Feira
-TV Viva Feira
-Videos Viva Feira
COLUNISTAS
-Alberto Peixoto
-Emanoel Freitas
-Luís Pimentel
-Raymundo Luiz Lopes
-Sandro Penelú
 
 
 
AS REVOLUÇÕES DE SEU ARQUIMEDES

Da série: Pelo mundo afora…
Publicado em: 10/07/2020 - 18:07:28
Fonte: Emanoel Freitas


    Era década de 70, viver no Rio de Janeiro, apesar do momento conturbado da história que o Brasil passava, era extremamente prazeroso. Foi uma época de tomada de consciência,  estávamos lutando para recuperar a democracia e a liberdade perdida e, de certa forma éramos como naus a deriva buscando um porto qualquer, uma vez que até a informação era censurada pelos órgão oficiais, as notícias mais confiáveis tínhamos através da imprensa alternativa e as mais comprometedoras eram passadas verbalmente, razão pela qual valorizávamos por demais encontros e bate-papos informais, onde quer que fossem.
    Encontrar Seu Arquimedes era sempre muito divertido e instrutivo, ele vivia nas mesmas imediações que eu, ali nas proximidades da Rua Machado de Assis, Rua Almirante Tamandaré, por ali, no Flamengo. Não sei exatamente em que prédio ou em que Rua ele morava, nos encontrávamos na Padaria ou bar localizado no térreo do prédio onde eu residia ou simplesmente andando pela praia do Flamengo. Nas cidades grandes isso é muito comum, é possível fazer amigos por encontrá-los sistematicamente no ponto do ônibus na ida para o trabalho ou para faculdade, outros quando estamos voltando para casa, no balcão do cafezinho do boteco ou padaria próximo de onde moramos e que costumamos frequentar, os vezeiros do futebol na praia, e de mais uma infinidade de situações, sem saber realmente  quem são, e qual a verdade de cada um deles. Algumas poucas destas amizades sedimentam com o tempo, outras desaparecem “sem que, nem pra que1”.
    Seu Arquimedes era um aposentado da Petrobras, com muitas histórias de conspirações políticas para contar e, apesar da época difícil que a ditadura militar impunha, se declarava sem fazer segredo, ser um comunista convicto, e mantinha vivo, quando expressava seu ódio pelo regime militar, dentre outras argumentações a de uma conspiração, no mínimo engraçada, na qual afirmava, com convicção, que havia um movimento homossexual para tomar o controle do mundo inteiro e que era fortíssima no Brasil. Fora este devaneio, que apesar de engraçado não havia nenhuma evidência de realidade, suas demais opiniões não demonstrava sinais de insanidade e, os dados históricos e fáticos que citava conferiam com a realidade, de modo que não poderíamos descartá-lo como completamente louco, apenas como paranoico e homofóbico, expressão que não era usada à época, até porque a sociedade tinha muito de homofóbica naquele momento histórico.
    Sempre havia uma lição qualquer nas opiniões de Seu Arquimedes, para cada situação uma ponderação, da maioria podíamos até gargalhar, mas não poderíamos nunca, de modo algum, rir da “teoria da conspiração2” de que o mundo estava sendo ocupado por homossexuais, que alias nosso amigo achava por bem de denominá-los de “veados”, de forma contundente e acintosa. Quanto maior o cargo, maior a difamação do indivíduo, pois o adjetivo também ia para o aumentativo, "(…)ah esse aí é um veadão(…)", afirmava Seu Arquimedes em relação a alguns membros da ditadura e do governo de então, e ainda tinha "(…)é um veadão dos mais perigosos(…)", para o caso de cargos de grande importância. Ai de quem ousasse discordar, certamente faria um inimigo, e poderia até ganhar a fama de estava do lado dos conspiradores ou de ser no mínimo um simpatizante. Ninguém se arriscava. O máximo que chegávamos era na indagação: “Será Seu Arquimedes, o homem tem mulher e filhos?”; ao que ele respondia sem vacilar: "É pra disfarçar, eles são perigosíssimos, querem tomar conta do mundo e de tudo farão para enganar os bobos".
    Envelhecer e aposentar-se faz dos mais inteligentes contadores de histórias (e estórias), e este era o traço mais interessante da personalidade de Seu Arquimedes. A sensação que nós tínhamos nos encontros com ele era de que ele havia vivido tanto quanto Matusalém, pois sempre tinha alguma (hi)estória para contar, a cerca da maioria das nossas experiências. Normalmente acompanhadas de alguma lição, que em regra eram extremamente plausíveis e geralmente continha alguma graça. Apesar da sisudez que lhe era comum ao referir-se a  conspiração homossexual que tomaria conta do mundo, suas demais lições eram carregadas do bom humor típico dos cariocas.
    Um outro amigo nosso, de nome Ubirajara, que no Rio vira "Bira", destes que encontramos comumente na hora do cafezinho, costumava lamentar e reclamar sobre tudo. Até quando seu Vasco ganhava, pra ele tinha jogado mal. Nada era satisfatório. Um verdadeiro pessimista, que tinha o hábito de normalmente se queixar de suas relações amorosas. Vivia a lamentar-se e ofender a ex-mulher e mãe de seus dois filhos, em função das brigas sobre pensão alimentícia. Não poupava ofensas a pobre mulher, que embora nós não a conhecêssemos, mantínhamos uma certa desconfiança de suas afirmações, em virtude de só surgirem, quando das discussões sobre a pensão. Invariavelmente Seu Arquimedes afirmava pra Bira: “Nunca fale mal da mãe dos seus filhos, pois se você ficar afirmando que ela era descarada, você era corno e, a bem da verdade, de mulher descarada tem um bocado de gente que gosta, ao passo que corno fica desmoralizado a vida inteira. Tem sempre alguém pra dizer que o cara é incompetente, por isso mesmo, é melhor você elogiar sempre a mãe de seus filhos, e nunca se esqueça de afirmar que ela sempre foi uma santa e da maior confiança. Se perguntarem porque você se separou, diga que o adultero foi você. Te garanto que a fama de machão é muito melhor que a de corno prá gente carregar o resta da vida, meu filho.”
    Sábio Seu Arquimedes!

NOTAS:
1 – Sem que, nem pra que: expressão muito usada em diversas regiões do Brasil, que da uma certa ênfase para dizer que aconteceu alguma ou algum fato ou alguma coisa sem motivo algum.

2 – Teoria da conspiração (também chamada de conspiracionismo) é qualquer teoria que explica um evento histórico ou atual como sendo resultado de um plano secreto levado a efeito geralmente por conspiradores maquiavélicos e poderosos,[1] tais como uma “sociedade secreta” ou “governo sombra”



Apoio Cultural:



Viva Feira
© 2024 - Todos os direitos reservados - www.vivafeira.com.br