No último dia do ano, Carlão aproveitou a família reunida para fazer algumas promessas a respeito de providências que tomaria na primeira hora do dia seguinte, tão logo acordasse para viver o ano novo.
Começaria interrompendo bruscamente vícios, veleidades ou manias que, sabia muito bem e há muitas viradas, prestavam enorme desserviço à saúde – beber, fumar, comer biscoitos, comprar livros de autoajuda, torcer pelo Botafogo, essas coisas.
A família ouvia as promessas todos os anos, Carlão não cumpria nenhuma delas. Mas este ano – outra frase que se repetia – tudo seria diferente.
À medida que o vinho fazia efeito, Carlão se empolgava:
– Vou fazer caminhadas longas, prestar serviço voluntário, cuidar de animais abandonados, procurar médicos, encarar o exame de próstata.
Durante os licores – que a princípio seria só um, para acompanhar o café – resolveu radicalizar:
– Vou arrumar um emprego!
Todos os olhares, a um só tempo, grudaram no Carlão. Acompanhados de bocas abertas.
– É o quê?!
– Vou arrumar um emprego. Pagar minhas próprias despesas. Afinal de contas, está na hora, não?
Passava da hora, há muito. Mas ninguém tinha coragem de dizer.
A mãe entrou no quarto, para acender uma vela a Nossa Senhora das Graças Alcançadas.
O pai o encarou:
– Emprego de quê, meu filho? Você não sabe fazer nada.
Carlão reagiu, ofendidíssimo:
– Pô, pai. Magoou.
Catava o abridor de vinhos, já com outra garrafa na mão, quando foi abordado por um parente:
– Passa da meia noite, Carlão. Já estamos em pleno novo ano, o ano em que você prometeu não mais beber.
E o Carlão, procurando o maço de cigarros:
– Terei que adiar as promessas, primo. Sinto que ainda não há clima.