A bala, essa que estala, chega sempre de surpresa (mesmo quando encomendada e anunciada) no quarto, no corredor ou na sala. A bala em traje de gala não desarruma o cenário. A bala despida se aloja às escondidas, na contramão. No peito, na cabeça ou mesmo no coração. Não adianta implorar, correr, chorar.
A bala não tem irmão.
A bala pode ser indecente. Mas tem nome, é transparente. Pode ser vista no escuro. Quebra galhos, pula muro, não teme queda de braço. É assim, desde os tempos do cangaço. Conhece a linguagem em Libras, o gosto dos gestos, a leitura em braile. Desfolha a bandeira.
E segue o baile.
A bala não respeita calendário. Nem o aqui nem o agora. Chega assim, fora de hora, interrompendo o destino. Do homem, da mulher ou do menino, amigos, fãs, seguidores. Todos no circo de horrores que o aplauso não aplaca. A fala não cala, tá lá na placa: “A República da Bala”.
E a ilustração no cartaz.
A bala, essa cretina, malvada desde menina, nunca teve compaixão. Vem do céu, brota do chão, até das águas emerge. A bala e cinza? É preta? É bege? Qual o tamanho da dor?
Não tem medida nem cor.
A bala, essa que fala, já diz quem é e a que veio, sem rodeios, sem receio. Emprenha e pare na hora um feto cheirando a enxofre. Faz chorar um povo inteiro, depois se esconde nas trevas dos calabouços. Olha para trás, assopra o cano da cloaca de onde partiu e sorri para nós, esticando o pescoço.
A bala saiu dos nossos bolsos.