Essa história me foi contada por um amigo, sabendo que eu a transformaria numa crônica. Esse amigo era um grande contador de boas histórias e um especialista no trato e no cultivo da amizade. Virgílio Rocha era diretor do jornal Copacabana, da Zona Sul do Rio de Janeiro, amigo do bairro e de uma quantidade enorme de gente por lá, e partiu precipitadamente dia desses, pouquinho antes de chegar a primavera; mas acredito que as flores, as mais bonitas, foram com ele.
A historia é assim:
A velhinha morava em Copacabana, em companhia apenas de um velho cachorro de estimação, com quem dividia os passeios matinais no calçadão, o almoço nos restaurantes da orla e o sofá na hora da novela.
Um dia o cãozinho bateu as botas e a velha resolveu que deveria homenageá-lo com um funeral decente, cova de terra em lugar tranquilo, o que se deseja para qualquer ente querido. Ligou para uma amiga que tinha sítio pras bandas de Vargem Grande e combinou de levar o corpo do velho amigo para ser enterrado no pomar, entre mangueiras e jabuticabas.
Pegou uma caixa de televisão vazia, forrou com panos de saco e travesseiros, e acomodou o cachorro morto ali. Fechou a caixa bem fechada e tomou um táxi em direção ao sítio onde o bicho encontraria sua última morada. Só que deu o azar de parar o carro de um taxista cretino e mal intencionado.
O canalha bateu o olho na caixa de papelão, imaginou estar transportando um aparelho de TV novinho, conferiu a idade da passageira e se armou de más intenções. Depois de atravessar as movimentadas ruas da Barra e do Recreio, deu o bote:
– Salta aí, vovó, pega um ônibus de volta e vai à luta. Vou ficar com essa televisão.
A velhinha ainda tentou argumentar, mas o safado nem deu chance:
– Pula fora, anciã! Não percebeu ainda que isto é um assalto?!
A velha senhora desceu do táxi, chorando, dando a graças a Deus por não ter acontecido nada pior, e voltou para casa. O otário que se achava esperto foi para casa conferir o ganho. E deve estar até hoje arrancando os cabelos diante do corpo do animal sem vida.
A vida às vezes (poucas) é justa. Malandro demais às vezes se atrapalha.