CORRUPÇÃO,
A MÚSICA DA ATUALIDADE
O noticiário, nem sempre
empolgante, nunca deixa de estar prenhe de novidades que
mostram a realidade destes pagos. Às vezes se revestem
de humor, do humor inglês, que antigamente diziam
despertar riso, aquele que apenas transparece no canto
da boca, ou o de provocar gargalhadas de platéias
de Oscarito, astro das chanchadas nacionais. O humor,
portanto, desperta manifestações de ordem
diversa. Há o riso, forma discreta de aceitação
ou de crítica; o sorriso, muito usado, em tempos
idos, na antiga e superada fase inicial do namoro, e a
gargalhada aberta, escancarada, ruidosa, debochada, às
vezes irreprimível, ótima, há quem
diga, para oxigenar o sangue, melhorar a circulação
e estimular o bom funcionamento do fígado como
certos remédios que servem para todos os males,
até para mulher parida, que voltaram, com força,
às luzes da publicidade, explorando doces esperanças
que nunca faltaram ao povo. Há, também,
o riso de alegria, de decepção, de desconfiança
e o sardônico, que certos literatos provocam ao
apresentar produção destinadas a correr
terras e alcançar imortalidade.
É possível que a auspiciosa notícia,
divulgada no começo da semana, pelos jornais, de
que a Corregedoria do Tribunal de Justiça mostra-se
disposta a investigar caso de corrupção
em cartório (no singular) tenha provocado gargalhadas,
risos ou sorrisos, a depender do ânimo e do estado
de espírito de cada um, porque o combate à
corrupção, feito sempre através de
medidas rigorosas, segundo a consagrada linguagem oficial,
não passa de piada que sempre provoca jocosidade
porque a corrupção transformou-se em respeitável
catecismo nacional e hábito mais a merecer ditirambos
do que CPIs, censura e o rigor de inquéritos. A
primavera, que anda a varrer e convulsionar o Oriente
Médio, ainda está longe do paraíso
dos mentirosos e trapaceiros que é o nosso amado
Brasil, sempre à espera de providências salvadoras
que somente o povo legitimamente pode adotar quando estivar
vacinado contra os messias de esquina.
Vai daí que as notícias da política
perderam interesse, principalmente se oriundas do baixo
clero, dos que fingem comandar e resolver. Felizmente
há outras, como a anuncia os novos lançamentos
da “Fundação Senhor dos Passos”,
entidade que sem alarde e sem foguetório se vem
empenhando no trabalho de preservar a história,
as melhores tradições e a cultura de Feira
de Santana.
A“Senhor dos Passos” anunciou a realização,
nesta cidade, do “Primeiro Festival de Filarmônicas”,
que certamente fará reviver a esplendorosa fase
das bandas de música desta terra, em época
que vai ficando distante, quando Feira de Santana não
tinha os recursos de que hoje dispõe.
A nota provocou manifestações populares.
Houve até quem atribuísse o desaparecimento
das nossas filarmônicas ao descaso e falta de amparo
do poder público, o que não é verdade.
Uma filarmônica, que mereça tal nome, não
pode ser formada de menos de trinta músicos, sob
pena de ser havida por zabumba ou terno de barbeiros.
A Prefeitura sempre ajudou, dando emprego a músicos
oriundos principalmente do Recôncavo, acolitando
esforços não pequenos de empresários
e fazendeiros. A “Folha do Norte”, por exemplo,
sempre contou, entre seus gráficos, de três
a quatro músicos da “25 de Março”.
As dificuldades e despesas criadas pelo progresso na admissão
e manutenção de funcionários e empregados
puseram a pá de cal sobre as bandas, com a colaboração
do disco, do hi-fie dos modernos aparelhos de som, que
conduzem a inevitáveis comparações.
Uma filarmônica, hoje, demandaria, nesta cidade,
despesas e responsabilidades de empresa de médio
porte. As escolas de música, antes mantidas pelas
bandas, é que deveriam sobreviver e se multiplicar,
por iniciativa do poder público, porque significam
educação e, no mínimo, possibilidade
de honesto e respeitável meio de vida.
A música da corrupção é que
não pode tomar todos os ouvidos.
GASTÃO
E FORMIGA
Gastão Guimarães,
cujo 57º. aniversário de falecimento passou,
no dia 24 do corrente, era mais do que destacado e respeitado
médico, intelectual e professor de literatura da
língua portuguesa. Entrosado com a sociedade em
que vivia, Gastão Guimarães tornou-se parte
do povo, partícipe de iniciativas cívicas
e culturais, ligado ao esporte e aficionado da equitação,
do remo e do futebol a que deu sua colaboração
durante muitos anos.
Afastado, pela idade, das disputas esportivas, Gastão
Guimarães passou a árbitro de partidas de
futebol. Deve ter começado no Estádio Leolindo
Ramos, situado na Avenida do Senhor dos Passos e chegou
a arbitrar jogos no Estádio Irmãos Andrade,
que ocupava a área onde hoje existe a Praça
Dr. Jackson do Amaury.
A arbitragem, naqueles tempos, era diferente da que hoje
conhecemos. O juiz podia permanecer sentado, à
beira do campo, à mesa da cronometragem, apitando
de longe. Na mesa ficavam o cronometrista, a súmula
do jogo, o representante da entidade patrocinadora e outras
autoridades. O cronometrista determinava o inicio e o
fim do primeiro meio-tempo e do segundo meio-tempo, de
acordo com a lição do jornalista Antônio
Garcia, que afirmava que o tempo de jogo é um só,
embora dividido ao meio.
A arbitragem de Gastão Guimarães, com a
ajuda dos fiscais de linha, sempre era garantia de ordem
na competição e de respeito dos atletas
e do público.
Gastão Guimarães, sisudo, cultor das letras,
estudioso incansável, amante da natureza, em tempos
de calor não dispensava animada prosa sob a marquise
do Cine-Sant’Ana, algumas vezes sob árvores
da praça João Pedreira ou, ao cair da tarde,
em banco da Praça do Padre Ovídio, geralmente
em companhia, entre outros, do também médico,
o poliglota Honorato Bonfim, para se deliciar com o por
do sol, que naquele tempo ainda podia ser visto nesta
cidade.
A fama de poeta e de intelectual atraía a atenção
de todos aqueles ligados ao cultivo das letras que por
aqui passavam. Certo dia Clóvis Amorim apresentou-lhe,
no consultório, o afamado poeta nordestino Eurícledes
Formiga. Conversa vai, conversa vem, Formiga insistiu
em conhecer produção poética de Gastão,
que relutante concordou em lhe mostrar poema que acabara
de concluir. Formiga passou rapidamente os olhos no papel,
dobrou-o e recitou todo o poema, como se fosse velho conhecido
seu, para grande espanto e vexame de Gastão, que
somente se acalmou quando Formiga recitou o poema de baixo
para cima, sem perder uma só palavra. Formiga era
um gênio. Tinha memória fotográfica.
Deu, depois, espetáculo de sua incrível
habilidade no Colégio Santanópolis, para
estupefação e assombro dos presentes.
A
REPETIÇÃO NA HISTÓRIA
O cangaço deu trabalho à polícia
por largo período. Começou no século
XIX e só terminou em 1940, com a morte de Corisco,
companheiro de Lampião, quando já havia
perdido força e quase não mais assustava.
Banditismo promovido por saqueadores e assassinos, que
desafiava a lei e as autoridades, o cangaço chegou
a ser apontado, na época em que despertava entusiasmo,
no Brasil, a interpretação dos fatos sociais
conforme o marxismo-leninismo, como resultado do latifúndio,
do coronelismo, da exploração da mão
de obra, do fanatismo religioso, da falta de educação
e da completa ausênciade governo, salvo para prender,
processar e meter na cadeia. Diziam, também, com
base em Nina Rodrigues, que o banditismo sertanejo resultava
de atavismos étnicos, estigmas degenerativos da
mestiçagem brasileira, que levam ao delito. Um
dos quefalavam das influências biológicas,
Lourenço Filho, autor de livro sobre Joazeiro e
o Padre Cícero, apontava, entretanto, como remédios
para o cangaço, liberdade política, justiça
e educação. Falasse sobre o banditismo de
hoje, certamente haveria de incluir a assistência
à saúde como essencial, também, à
paz e à harmonia da sociedade.
A verdade é que o total abandono em que viviam
nordestinos, a omissão dos governos, a dificuldade
de comunicação e o fanatismo religioso,
unidos, deram lugar a fenômenos assustadores, mas
cheios de heroísmos, insânia e demonstrações
de grandeza humana, de que são exemplos maiores
Lampião e seu bando, Antônio Silvino, o arraial
de Canudos, o Cariri do Padre Cícero com o incrível
Floro Bartolomeu e a campanha contra o governo do Ceará.
Feira de Santana passou sustos com Lampião. Mais
de uma vez, em época de comunicações
precárias, a cidade alarmou-se com boatos de possível
ataque do cangaceiro, que se deslocava com incrível
rapidez e facilidade na caatinga. A amplitude de suas
ações, que levou o chefe do PCB, Luiz Carlos
Prestes, em documento publicado depois da queda da União
Soviética, a comunicar a Moscou, que a revolução
proletária havia começado no Brasil, dificultava,
em certas ocasiões, a localização
do bando. Mas, dos tempos do cangaço, apenas tivemos
aqui fugitivos de Lampião, como certo pretor, que
deixou cargo e cidade e resolveu mudar-se para Feira,
temendo pela segurança da família, e o Cel-PM,
Artur Santos, que aqui foi político atuante e vereador
à Câmara. Praça em volante, durante
combate com o bando de Lampião recebeu tiro que
lhe varou o peito. Não morreu, conforme contava,
porque a bala de fuzil atravessou-lhe o corpo sem atingir
órgão ou vaso de importância, além
de cauterizar o ferimento.
Há quem tente incluir Lucas da Feira no rol dos
cangaceiros nordestinos. Poucas semelhanças existem,
entretanto. Lucas formou pequeno bando que assaltava de
emboscada nas estradas próximas, praticando, além
de outros, crimes sexuais. Lampião tinha veleidades
e táticas de chefe militar, mantendo disciplina
e rigidez moral na sua tropa. Chegou a atacar vilarejos
e cidades de cujo comércio e destacamentos policiais
recolhia armas e munições. Fez questão
de receber, do Padre Cícero, diploma de capitão
em trocade prometido combate à Coluna Prestes.
O cangaço, além de deixar vasto material
de estudo e exemplo para os governantes cheios apenas
de prosápia, foi motivo de vasta produção
de literatura de cordel. Uma dessas obras, atribuídas
ao cego Sinfrônio, de Jabutí, Ceará,
divulgada por Leonardo Mota, narra a disputa entre o cangaceiro
Vilela e alferes, delegado de polícia. O seguinte
trecho dá a ideia do que era um cangaceiro: “Seu
alfere delegado,/ largue de tanto zum-zum/ que home que
mata cem/pode interá cento e um./ Eu hoje ainda
não comi,/ seu alfere,/ Com você quebro o
jejum!”
Extinto o cangaço, o crime generalizou-se, atingindo
sertão e cidade de forma implacável embora
sem lances de valentia e sem versos. Outras mudanças
houve. O rifle de repetição foi substituído
pela pistola semi-automática. O cavalo, pela motocicleta.
PACTOS
E ALIANÇAS
O primeiro pacto deste mundo teria
ocorrido entre Deus e o casal que deu início à
vida humana na Terra. Ditatorial, porque estabelecia proibições,
mas chamado de aliança. Esse contrato,de conteúdo
um tanto ou quanto leonino, repetiu-se, segundo as Escrituras,
com Abraão, estabelecendo cláusula que provoca
arrepios, a da circuncisão obrigatória,
por certo decorrente mais da sabedoria do patriarca do
que de exigência divina, porque dirigida à
saúde pública, que apresenta poucas ligações
com a salvação da alma. Outros pactos, segundo
as Escrituras, teria havido, de somenos importância,
mas que teriam sido responsáveis pelo uso generalizado
do contrato, nas suas diversas modalidades e feições,
hoje presente na vida em sociedade como imprescindível
instrumento dos negócios, política e formação
da família.
Símbolo do contrato, nas relações
de família, é o anel que tem o nome de aliança,
usado no noivado e casamento, mas cuja origem ninguém
sabe ao certo. Teria aparecido na misteriosa Índia,
de onde passou para a Grécia. Existia a crença,
entre os romanos, de que no quarto dedo da mão
esquerda passava a veia do amor, ligada, diretamente,
ao coração, o que teria levado a Igreja
a adotar, nas uniões conjugais, o uso do anel.
Em passado mais distante teria sido usado para indicar
a compra da noiva.
O anel dos bispos indica o casamento entre os prelados
e a Igreja.
Em termos gerais aliança, no casamento ou noivado,
evidencia a determinação de união
e fidelidade sem fim. A escolha da forma para expressar
esse simbolismo resultou, quem sabe, da idéia de
infinito que o anel representa.
Anel, na lenda, costuma aparecer com poderes mágicos.
Giges tinha anel que lhe conferia o dom de invisibilidade
em virtude do qual tornou-se rei da Lídia. Há
referências ao fabuloso anel de Giges em Heródoto,
Platão, Théophile Gautier e outros autores.
Na tragédia de Frederic Hebbel o anel da invisibilidade
dá a Giges a mulher do rei Candule e o próprio
trono. Dizem que a tragédia serviu de inspiração
a H.G. Wells no romance “O Homem Invisível”.
Ainda há o caso do anel de Polícrates, que
aparece em várias histórias, narrado por
Heródoto. Tirano sanguinário de Samos, Polícrates,
tantas maldades praticou, que um amigo, o rei do Egito,
temendo desgraças, aconselhou-o a se livrar de
objeto valioso para quebrar a corrente do mal que o cercava.
Polícrates atirou valioso anel ao mar. Dias depois
recebeu de presente peixe em cujo bucho estava o anel.
Morreu, pouco depois, crucificado.
Em certa época os imperadores mandavam que doutores
e professores usassem anel que os distinguisse dos demais.
De simples aros de metal os anéis evoluíram
para ostentar pedras preciosas e inscrições.
Já estiveram em uso anéis com sinetes de
autoridades ou de titulares da nobreza.
Quando se fez a via asfaltada que circundava a cidade,deram-lhe
nome de “anel de contorno”. Circunscrevia
a cidade e se destinava – era o que se dizia –
a desviar, do centro, o pesado tráfego de caminhões
que se destinavam a outras paragens. A cidade, entretanto,
cresceu e engoliu o “anel”, que hoje tem nome
de avenida, criando mais problemas do que soluções,
vítima, entretanto, de tantas e quantas promessas
de duplicação e outros melhoramentos na
boca de políticos irresponsáveis.
Ultimamente, entretanto, foi alvo de incrível demonstração
de amor. Documento de magna importância foi assinado,
na área federal, para a apuração
de delitos contra os cofres públicos. A assinatura,
relevante, foi suprimida, retirada, revogada.
O que justificou a assinatura, disse o subscritor, foi
o seu amor a Feira de Santana, que assim respondia a quantos
prometeram a reforma do “Anel de Contorno”
e desertaram as promessas.
A tal assinatura, entretanto, foi rapidamente retirada.
Por amor a quem é o que todos gostariam de saber.
À
BUSCA DO TURISMO
A realização do I
Fórum Regional de Turismo, iniciativa da Associação
Comercial em busca de meios para desenvolver a importante
indústria em Feira de Santana, ganhou as atenções
da mídia, a presença do Secretário
Nacional, Colbert Martins Filho, e a do Secretário
Municipal da debatida e pouco entendida área.
O Secretário Municipal, justiça se lhe faça,saiu
na frente na tarefa de promover o turismo em Feira, buscando
e rebuscando, em todos os cantos da sede e dos distritos,
que vem meticulosamente escarafunchando e esgaravatando,
com lentes de detetive, paciência e método,
sinais, pistas e indícios de atrações
turísticas, que deverão figurar em futuro
e promissor Guia Turístico, que poderá trazer,
a esta cidade, pessoas até do Uzbesquistão
e de Ngorongoro, para admirar nossas atrações
e aqui deixar parte de seu patrimônio. O secretário
declarou, em entrevista radiofônica, que já
encontrou algumas dessas atrações no Distrito
de N.S. dos Humildes, havendo a esperança do descobrimento
de muitas mais em outras e insólitas paragens.
Chegou a citar o Distrito de São José das
Itapororocas, onde existe morro promissor e possibilidades
ainda não exploradas porque completamente desconhecidas.
Criou expectativas louváveis sob todos os aspectos.
Quem sabe, por aí afora, nas brenhas municipais,
não se escondem milenares construções,inscrições
em rongorongo, ritos de candomblé e movimentos
de capoeira ainda não estudados? As iniciativas
do Secretário no decorrer do I Fórum infelizmente
esmaeceram e perderam força quando ficou dito,
e não somente ali, como alhures, o que pode ser
resumido da seguinte forma: o turismo de Feira não
estaria aqui, mas na heroica cidade da Cachoeira, onde
há monumentos seculares, com destaque para os religiosos,
que vale a pena visitar. Lamentamos tenha ficado no esquecimento
a cidade de Pedrão, de onde saíram os “Encourados”
para fazer concorrência ao heroísmo de Maria
Quitéria na terrível Guerra de Independência
de que resultaram muitas mortes em célebre poema
de Castro Alves.
A pretendida apropriação das riquezas turísticas
de outras paragens poderia, entretanto, correr o riscode
sofrer acusações de imperialismo cultural,
o também chamado culturicídio ou etnocídio,
combatido em todos os tempos e que neste país assumiu
destaque na luta contra a influência norte-americana.
O turismo, nas suas variadas formas e vertentes, ninguém
duvida,amplia horizontes, educa, aproxima povos, movimenta
riqueza, mas, principalmente, lança luz sobre determinados
assuntos sobre os quais pesam dúvidas ou ignorância.
Deputados à Assembleia Legislativa da Bahia, recentemente
reunidos em Comissão Extraordinária, dirigiram-se
a Pernambuco na tentativa de buscar subsídios para
a pendenga que se estabeleceu em torno da pretendida privatização
dos cartórios extrajudiciais, que neste Estado
estão a levar a extremos a paciência do povo.
Na capital pernambucana devem ter visitado a Ponte Buarque
de Macedo, a que levava à Casa do Agra, mas, depois
de muito suar, descobriram o que ninguém sabia,
nem aqui, nem acolá: os cartórios da velha
Bahia são os piores do país.
Mas, enquanto deputados viajam (já estiveram em
outras capitais com o mesmo objetivo, em trabalho que
causaria inveja a Marcel Proust) em busca do cartório
perdido, o povo é prejudicado, humilhado em filas
que se formam nas madrugadas à porta do Forum Des.
Filinto Bastos, quando há expectativa de trabalho
naquela casa, às vezes em busca de simples reconhecimento
de firma.
Segundo Tertuliano, ao cortar a orelha de Malco, empregado
do sumo sacerdote, São Pedro feriu a paciência
de Cristo, o que é discutível. São
Pedro era humano como a população desta
cidade. À proporção que paciência
falta ao povo, cresce-lhe o desejo de cortar orelhas.
A
NOVIDADE DA PROCISSÃO
A recém-criada e amplamente
festejada região metropolitana a cuja cabeça
este Município foi guindado com euforias quase
carnavalescas e enormes esperanças de obras e progressos
que podem dar, ao povo, vida mansa e confortável,
muito superior à dos presidiários da Noruega,
começou a produzir, ao que tudo indica, frutos
opimos (como já foi costume dizer), com surpreendente
novidade acrescentada à solene e tradicional procissão
que marcou o encerramento das festividades dedicadas à
Padroeira, N. S. Sant’Ana, a avó do Salvador.
A novidade não ficou a cargo do policiamento, jamais
visto em semelhantes manifestações religiosas,
a que faltaram, entretanto, cercas metálicas e
equipamentos de detecção de metais, o que
pode ser remediado em futuros eventos. A posição
de total insegurança vivida, atualmente, pelo povo
desta cidade, justifica as medidas de prevenção
adotadas, que deram resultado, no particular, já
que não se registraram incidentes, embora inócuas
no contexto geral da segurança no cotidiano da
população.
Aprocissão, em si própria, pouco mudou,
na verdade, no decorrer dos anos. Enorme multidão
de fieis contritos, respeitosos; políticos loucos
por dar a impressão de bons sujeitos, tementes
a Deus; andores caprichosamente arranjados, em número
crescente, e muita demonstração de fé.
Mudou, talvez, a indumentária de alguns. Há
muito tempo desapareceu o costume da roupa e do sapato
novo para as Festas de Sant’Ana. Um político,
vereador em diversas legislaturas à Câmara
local, ajudou a quebrar o costume carregando andor, durante
muitos anos, com o mesmo paletó de cores berrantes,
de longe reconhecido e apontado como parte integrante
do cortejo e dele inseparável.
Poucos, mais ligados à tradição e
aos antigos costumes, poderão ter sentido a falta
das bandas de música, que todas, garbosas e afinadas,
enquanto existiram nunca deixaram em engalanar a Procissão,
o que de vez em quando provocava tumultos, rixas e correrias
a que nem sempre estiveram ausentes sustos, bofetadas,
pipocar de armas de fogo e amassados de instrumentos musicais,
tudo decorrente da intensa rivalidade existente entre
as filarmônicas, que sempre lutavam por lugar de
maior destaque na Procissão e, após o encerramento,
na triunfal saída da Praça de Matriz. Nada
havia de lúdico em tais acontecimentos, que acirravam
partidarismos e provocavam comentários, às
vezes jocosos, que tomavam conta da cidade durante algum
tempo.
A novidade deste ano deveu-se à barulhenta presença
de invento relativamente novo, um helicóptero,
instrumento utilíssimo em tarefas de paz e de socorro,
mas, inegavelmente, lembrado com mais força como
eficaz arma de destruição e de guerra, mimo
do governo do Estado, que além de criar novo tipo
de aeronave, o helicóptero de procissão,
prestigiou o evento, resultado, segundo muitos, da posição
de Feira como Município sede da nova região
metropolitana.
Não há dúvida de que o helicóptero
é invenção de Leonardo da Vince,
rei dos inventores, pelo menos até o enriquecimento
da China, que lhe tomou coroa e cetro, mas somente apareceu
como máquina de certa utilidade no começo
do século XX e se desenvolveu, como produto industrial
viável, nos anos quarenta, assumindo vital importância
nos conflitos que têm ensanguentado o mundo, para
o que construtores souberam usar, com sucesso, a terceira
lei de Newton, a da ação e reação.
O cientista, entretanto, não é culpado da
prática de delitos contra a humanidade. Seja como
for, o helicóptero, sofisticada mostra do que deve
resultar a região metropolitana, simples cortesia,
cuidado com a segurança ou tentativa de renovar
o culto, mecanizando-o, preocupa na medida em que pode
ser a mais importante e ruidosa realização
do Estado em Feira de Santana.
MUDANÇAS
A imobilidade, às vezes respeitosa,
diante de autoridades, luto e símbolos nacionais,
como tudo neste mundo, teve uma origem. Pesquisas sobre
o assunto revelaram que o hábito nasceu de certo
sacerdote romano, o Flamen Dialis, votado a Júpiter,
diante do qual toda atividade cessava. Precedia-o, nas
ruas, arauto anunciando a sua presença e tudo parava
respeitosamente: trabalho, trânsito, conversas,
brincadeiras. Era dogma inventado por Numa Pompílio,
rei de Roma, criador das primeiras organizações
de trabalhadores, que desenvolveu o sentido sagrado do
Direito. Mereceu biografia de Plutarco em “Vidas
Paralelas”.
Essa espécie de respeitosa imobilidade, de cunho
religioso, possivelmente (quem sabe?) tenha se propagado
à crença, durante muito tempo inabalável,
da paralisia da Terra, cuja negação custou,
a Galileu, processo, pena perpétua de prisão
domiciliar, a vergonha de se retratar e, provavelmente,
morte prematura, tudo para se livrar da fogueira a que
eram destinados os hereges.
O movimento é permanente no universo, que vive
perpetua e constantemente a se modificar e a se mover
ninguém sabe, exatamente, para que e muito menos
para aonde.
A Terra move-se, regularmente, por fora e por dentro,
como todo ser vivo. Modifica-se. A vida no Cosmos ou no
corpo humano sofre constante metamorfose, permanente mudança
que o povo, com aguda intuição, desde cedo
percebeu e usou para tentar forçar o banimento
de quem considerava indesejável. Em certas regiões
brasileiras existiam as “mudanças”,
farranchos, bandos de mascarados fazendo soar instrumentos
musicais, cantando e dançando, carregando toda
sorte de inutilidades e trastes, que eram atirados à
porta de algum vivente, com certeza pouco querido da comunidade,
o que não deixava de representar grave afronta.
O hábito assumiu aspectos gravíssimos, nos
sertões baianos, inclusive nesta cidade, onde os
objetos deixados à porta da vítima implicavam
em ofensas de ordem moral, ora por obra da política,
que já abusou de tais excessos, ora por simples
e criminoso intuito de ofender. Médico, homem culto
e respeitável, pai de baiano célebre, passou
vexame quando derramaram, na calada da noite, à
frente de sua morada, carroças de chifres bovinos.
A política às vezes tem inadmissíveis
crueldades.
As “mudanças” podem ter dado origem
ao bloco carnavalesco de Salvador, “A Mudança
do Garcia”, que durante anos vem atirando desaforos
e críticas às autoridades.
Movimento, portanto, é a regra. A imobilidade é
que faz a exceção. Da mudança dos
ventos, durante séculos, dependeu a navegação.
Muda o homem, com o passar dos anos e, com ele, o mundo.
Antigos diziam que mudanças transformam cordeiro
em leão e inocente em Herodes.
O poder costuma produzir mudanças radicais. Agamenon,
bondoso e querido cidadão, transformado em general
dos Gregos, tornou-se um tirano. Cícero, talvez
por isso, temia mudanças na República Romana,
as novidades que poderiam dar rumos perigosos ao governo
e aos interesses do povo.
As muitas mudanças ocorridas e prometidas na política
do Município, recentemente, como se muda de camisa,
não deixam de assustar a todos os que se acostumaram
com o rumo de seriedade e trabalho que tem impulsionado
o progresso desta terra.
Se o universo é de eternas mudanças, algumas
obedecendo a leis, que o homem decifrou, outras debitadas
ao acaso, não poucas podem ter resultados catastróficos.
É preciso não esquecer velho ditado português,
embora alguns considerem ditados como velharias imprestáveis:
“muda-te e mudar-se-á tua fortuna”.
Em que direção é o que ninguém
pode saber
A
NOVA FACE DE FEIRA
A morte de senhora, vítima
de assaltantes, no centro da cidade, poderia ser a tal
gota d’água capaz de mover as autoridades
a tentar, pelo menos, moderar a ação da
criminalidade que se transforma em real perigo para o
progresso desta cidade na medida em que se mostra capaz
de aterrorizar toda a população, afastando
a possibilidade de negócios e de empreendimentos,
os mais importantes sustentáculos do crescimento
de Feira de Santana.
Fato lamentável é que nossas ruas não
oferecem segurança e tranquilidade ao cidadão.
Já existem o trânsito, confuso, concentrado
em pontos de crônicos estrangulamentos, claros convites
a discórdias e brigas; vias que nenhum pedestre
se arrisca a atravessar, sob pena de morte ou graves lesões
corporais, o número alarmante de assassinatos e
o constante e perpétuo perigo do assalto, na maioria
das vezes à mão armada. A cidade, agora,
entra no ciclo das mortes por balas perdidas, sua nova
face, até agora apanágio das capitais de
grande porte. Bandidos, ao fugir atirando de local de
assalto, na quarta-feira última, mataram infeliz
comerciária e conseguiram desaparecer, sem deixar
vestígios, restando à polícia, segundo
as notícias, a esperança de identificá-los
ao lançar mão de gravações
de câmaras instaladas em casas comerciais das proximidades
do local do crime. O comércio tenta defender-se,
vigiando as ruas, enquanto o Estado, responsável
pela segurança pública, deixa claro o seu
recado a quem vive e trabalha nesta terra: cada um por
si e Deus por todos. Há indisfarçável
desprezo pela situação do nosso povo, enquanto
cresce, diariamente, o número das vítimas
da violência, geralmente atiradas à conta
de traficantes, seres invisíveis, inalcançáveis,
inacessíveis, misteriosos, fora de controle dos
chamados braços da lei. E os crimes se vão
sucedendo, vertiginosamente, sempre ampliando o rol dos
insolúveis.
Não há dia em que não se anunciem
miraculosas operações que vão e voltam,
aparecem e desaparecem, com os eventuais encômios,
capazes de conter a criminalidade e resolver, pelo menos
em parte, o grave drama vivido pelo povo. Tudo balela,
conversa fiada em que se estão especializando os
responsáveis pela segurança pública
diante da própria impotência.
Vários sistemas de combate ao crime têm sido
sugeridos ou postos em prática no mundo, alguns
com resultados parcialmente positivos, mesmo porque o
crime jamais desaparecerá da Terra enquanto existir
a raça humana. Mas, os excessos, de alguma forma
têm que ser contidos, controlados e punidos. Há
quem entenda que o delinquente é indivíduo
que não aceita o Estado, portanto não se
pode beneficiar das garantias processuais e das prerrogativas
de cidadão. Deve ser submetido a penas severas,
desproporcionais à gravidade dos delitos. É
o chamado Direito Penal do Inimigo, surgido em 1985, na
Alemanha, defendido por muita gente do povo e até
por juristas.
Não queremos chegar a tanto, nem podemos louvar
a repressão violenta legal ou ilegalmente conduzida.
Há solução mais simples, paliativa,
como todas as outras, que está ao alcance do Estado
da Bahia, sem fugir à lei, a de colocar policiais
nas ruas, dia e noite, com veículos, combustível,
sistema de comunicação e demais equipamentos
compatíveis com moderno e eficiente policiamento,
sem esquecer o salário compensador de quem exerce
ofício de alto risco.
A dificuldade está em implantar policiamento caro
somente para perseguir e prender “mulas” de
traficantes, ladrões de celulares, batedores de
carteiras e quejandos, enquanto grandes delinquentes têm
mais do que abrigo no país, por obra de um presidente,
que transformou a República em “pensão
familiar à beira mar” para bandidos, afrontando
a comunidade internacional, dando força e incentivo
à classe dos delinquentes poderosos que vivem dentro
ou fora de governo.
A
FÉ NO NOTICIÁRIO
Há
notícias que passam na mídia como gato por
cima de brasas. Aparecem por descuido e tomam chá
de sumiço. As que abordam fatos negativos ligados,
embora remotamente, a crença religiosa, em nosso
meio causam pavor aos responsáveis pelo noticiário
porque a importância da religião assume proporções
gigantescas embora crie interessante contradição,
que se fortalece desmesuradamente, a de que quanto mais
crescem a fé na divindade e devoção
ao culto, diminui, míngua e se apouca a obediência
aos mandamentos. É como se Deus, na sua infinita
providência, tudo resolvesse em favor do indivíduo:
saúde, amores, dinheiro, lazeres, felicidade e
largo crediário no comércio e ao mesmo tempo
tudo permitisse sem nenhuma possibilidade de restrição
ou castigo. A crença religiosa aproxima-se do que
se pratica na política: muitas culpas e nenhuma
punição.
Durante muito tempo o Diabo, para o qual os dicionários
registram cerca de quarenta denominações
e o folclore quase uma centena, encarregado de cobrar
as contas dos pecados, o chefe dos Infernos e perverso
carcereiro-mor dos condenados por faltas graves, fez muita
gente tremer de pavor. Quase ninguém, entretanto,
fala hoje em gradação de pecados e dos castigos
correspondentes, que incluíam irrecorríveis
e eternos tormentos. Desapareceu até o Purgatório,
espécie de regime semiaberto para o cumprimento
de pena de pecados de menor poder ofensivo, mas que não
deixava de assustar adultos e crianças.
Satanás desmoralizou-se. Sua figura mais comum,
que assumiu formas quase humanas na concepção
de desenhistas, com sua cara comprida, chifres, cabeleira
em ponta sobre enrugada testa, cavanhaque, capa, nariz
aquilino, rabo terminado em seta, pés de bode,
aspecto rubicundo e ameaçador, embora às
vezesa pareça como morcego, porco, mosca e bode,
não mais assusta. Ganhou os palcos, o picadeiro
de circo, lugar na comédia, nos contos infantis,
nos desafios nordestinos e na música popular como
no samba de Moreira da Silva, que fala do “cheirinho
de alcatrão” do diabão, o Chico Tintureiro,
o Zé Carneiro, ao fugir diante do sinal da cruz.
Resultado: ninguém mais lhe sente o fedor de enxofre.
Perdeu, totalmente, o prestígio. Deixou de ser
apavorante. Tornou-se ridículo.
O Diabo, há quem diga, é criação
das lendas judaico-cristãs, única saída
para explicar a existência do mal na Terra. No Brasil
é português. Quem estudou o assunto, como
Luiz da Câmara Cascudo, diz que não o encontrou
entre os indígenas e os escravos, que apenas ajudaram
os colonizadores brancos a difundir a imagem e os malefícios
do Diabo, o que de certa forma é corroborado por
Konrad Preuss, que viveu durante algum tempo entre índios
da Colômbia. Os índios, segundo Preuss, atribuíam
o mal a eventos da natureza, como as tempestades, que
procuravam afugentar por meio de danças e outras
manifestações.
Os antigos gregos enfrentaram o grande problema da existência
do mal com a eventual iracúndia, cólera
ou safadeza de algumas divindades. A Terra teria saído
do caos original ao receber o sopro divino, que lhe deu
alma, não a individual, a que se separa do corpo
do defunto para fazer visagens, mas alma com o sentido
de ordem e harmonia, que deveria gerir e orientar todo
o Planeta. Representava o bem. O mal ficou por conta da
Terra, seus deuses e habitantes.
O que realmente aconteceu com o matutino “Bando
Anunciador” das festas da Padroeira do último
domingo, cuja notícia passou com a rapidez de raio,
apenas componentes do farrancho podem narrar. Dizer que
apenas houve desavença entre participantes do “Bando”
e pessoas de Igreja Protestante, entretanto, é
querer abusar de eufemismo. Não foi, entretanto,
encontro a merecer louvores. Já existe violência
suficiente nas ruas e Feira não se pode transformar
em outra Faixa de Gaza.
OS
PERCALÇOS DO NAMORO
Em tempos primitivos a união
matrimonial geralmente resultava de dois fatores principais,
que seriam a atração sexual e a divisão
de trabalho. Evidente que a preocupação
com o pão de cada dia evoluiu, no seio de certos
extratos sociais, para a defesa, conservação
e até a possível conquista ou aumento de
patrimônio e consequente poder social e político.
Ultimamente passou a se distanciar das expectativas de
permanência e descendência, apesar da sempre
presente possibilidade de dissolução, de
fato ou de direito, embora com o risco de discórdias
e enrascadas nem sempre incruentas.
O casamento, herdado dos romanos, segundo a célebre
definição do Digesto, a união do
homem e da mulher, por toda a vida, conforme o direito
divino e humano, que figurou na lei brasileira até
recentemente, do dia para a noite transformou-se e impôs
verdadeira revolução no conceito de família,
que se multiplicou e se complicou com a constitucional
aceitação da chamada união estável
e outros tipos de bodas, dando, como resultado, que não
há mais direito de família, mas direito
de famílias, tal a multiplicidade de formas abarcadas
pela lei para o que já foi a célula-mater
da sociedade.
O resultado dessa transformação, que de
fato acolheu situações pré-existentes,
secularmente relegadas à marginalização
e mantidas nas sombras da hipocrisia, não modifica
a semântica de certas palavras votadas aos escaninhos
quase proibidos da linguagem como barregã, amásia,
caso, concubina e manceba,mas valoriza a condição
social de certas pessoas, que já vinha ocorrendo,
faz tempo, por força da televisão ao chamar
de casamento a união, nem sempre legal, de artistas
do vídeo.
O namoro é que sofreu a mais profunda modificação
de sentido e assumiu jamais imaginada importância
jurídica e patrimonial. Antes, nos relacionamentos
amorosos, tirante o casamento, apenas o noivado continha
a ameaça de repercussão capaz de bulir no
bolso. Rompido sem causa podia resultar em indenizações,
inclusive a de lesão moral. E ainda pode. O noivado,
entretanto, perdeu importância e significado diante
da rápida ascensão do namoro, que adquiriu
diversos sentidos, entre os quais o de noivado, coabitação,
“ficância” (com exclusividade ou sem
ela) e casamento.
Em outros tempo o namoro, tórrido drama com pinceladas
de comédia, começava com olhares e gestos.
Evoluía para rápidos, esquivos, inocentes
e emocionantes encontros em festas, igrejas, esquinas,
segredos temperados de ciúmes e dúvidas
atrozes, que assoberbavam os amargurados dias do sujeito,forçado
a recorrer a bilhetinhos e “comadres” para
aliviar paixões sempre avassaladoras. A emoção
era intensa quando o pretendente, admitido ao portão
da casa da amada, via-se obrigado a redobrados cuidados
com a indumentária, o lustro dos sapatos e a brilhantina
do cabelo. Convidado, lá um dia, ao sofá
da sala de visitas, sofria vertigens. A nova situação
exigia cuidados, delicadezas e rapapés. O futuro
sogro nunca aparecia. Somente a futura sogra, com sorrisos,
fatia de bolo e copo de refrigerante. Conversa amena,
cerimoniosa, desejos contidos. A pesada solenidade do
momento somente era quebrada quando a futura sogra, para
mostrar as prendas da filha, mandava-a ao piano para tocar
sabe-se lá o que, tormento suportado por quem andava
doido por outro tipo de música. Muitos casamentos
nasceram desta forma com algumas variações
sobre o tema.
Assim era, geralmente, o namoro, que rapidamente, assumiu
proporções capazes de desabar sobre o patrimônio
de vivos e mortos, porque se confunde com a união
estável, que se formaliza ainda que os envolvidos
não vivam sob a mesmo teto. Namorar deixou de ser
salada de maneirismos e salamaleques, sustos e emoções.
Pode criar responsabilidades e ônus financeiros
de que apenas previdente e bom contrato pode livrar.
FEIRA
PODERÁ IR PELOS ÁRES
Não estamos a imaginar um
onze de setembro nesta cidade onde pouco há para
atrair a atenção de terroristas alucinados
pela religião, nem estamos a prever grande desastre
causado pela dinamite, notável invenção
de Alfred Nobel, o mesmo que dá nome as famosas
e ricas premiações aos que se destacam em
diversos ramos da atividade humana, inclusive o da luta
pela paz, vastamente usada na Bahia, por ladrões,
para arrebentar cofres bancários e caixas eletrônicos
com grande eficiência e respeito às tradições.
Novidades, apenas as caixas. Tampouco há o temor
de que algumas das novas lideranças políticas,
pela desenvoltura com que se movem e falam, estariam a
prenunciar hecatombes municipais.
Longe de tudo isto, graças ao bom Deus, não
cuidamos de desgraças, desastres e calamidades
públicas, mas, simplesmente, de voar, ganhar os
ares, dominá-los pelo bem do povo e maior glória
da pátria, o que nada mais será do que seguir
inclinação, tendência natural do povo
brasileiro, a partir do padre Bartolomeu Lourenço
de Gusmão, que andou a fazer experiências
com objetos voadores, balões (todos pegaram fogo),
pelo que recebeu o apelido de “padre voador”.
O mais famoso balão do padre, “A Passarola”,
tornou-se conhecido de todo o mundo.
O inventor, hoje, seria preso, processado em virtude de
lei que proíbe os balões, e transformado
em notícia do Sr. Aldo de Matos. Nasceu em Santos,
em 1685. Duramente perseguido, apontado como sócio
de indústria de Satanás, embora tenha exibido
seus inventos aos reis de Portugal, foi denunciado ao
Tribunal do Santo Ofício, acusado de conluio com
o demônio e adesão ao Maometismo, crença,
segundo alguns, de que não esteve muito distante.
Fugiu para a Espanha. Morreu em Toledo, pobre e abandonado.
Mereceu, entretanto, soneto de Olavo Bilac: “Em
Toledo. Lá fora a vida tumultua/ E canta. A multidão
em festa se atropela.../ E o pobre, que o suor da agonia
enregela,/ Cuida o seu nome ouvir na aclamação
da rua.”
Foi o primeiro brasileiro, talvez o primeiro indivíduo,
em todo o mundo, a tentar conquistar os ares, no que foi
seguido por outro brasileiro, Santos Dumont, que divide
a fama com os irmãos Wright, enquanto o padre Bartolomeu
de Gusmão tem suas tentativas ofuscadas pelos experimentos
dos irmãos Montgolfier.
Pouco importa quem inventou as geringonças voadoras.
Esta cidade sempre manifestou vontade de ir pelos ares.
Deve-se a Assis Chateaubriand, diretor dos “Diários
Associados”, a criação do Aero Clube
de Feira de Santana, ao qual doou três aviões.
O primeiro presidente do Aero Clube foi o Dr. Áureo
Filho, fundador do Colégio Santanópolis,
pelo que a simpática entidade ganhou, do povo,
a denominação de “Áureo Clube”.
O Aero Clube teve existência frutuosa e cheia de
interessantes episódios que passaram, ampliados
e melhorados, para o anedotário popular. Tinha,
como instrutor, um oficial de Aeronáutica, e chegou
a brevetar pelo menos uma turma de orgulhosos pilotos
civis entre os quais Antonio Alves Barreto, Carlos Marques,
Antonio Santos (Antonio de Bartolomeu), José Torres
Ferreira (Zé Petitinga) e Joaquim Oliveira (Juca
de Aurinho).
Essa tendência de Feira de Santana, a de ir pelos
ares, transformou-se, ultimamente, em urgente, imperiosa
necessidade, para o que providências estão
sendo adotadas no campo de aviação local,
que segundo a imprensa, está sofrendo obras com
a restauração da pista e de outros equipamentos
que lhe vão permitir o pouso e a decolagem de aeronaves.
O que ninguém sabe é se as obras estão
obedecendo às normas técnicas em vigor,
principalmente as da pista, que poderá se transformar
em novíssimo matadouro municipal.
As obras são inadiáveis. Em breve, todos
sabem, Feira e toda a região sertaneja estarão
isolados com a paulatina obstrução e destruição
da BR-324, acelerada com a privatização.
A única saída para a cidade será
a de ir pelos ares. Se vai merecer soneto é o que
ninguém sabe.
REPUBLICAÇÃO
A PROPÓSITO DA ÉPOCA:
SÃO
JOÃO, HÁBITOS E COSTUMES
Os
costumes mudam, transformam-se, como hábitos e
usos, no decorrer do tempo e ao influxo dos acontecimentos
que atingem a sociedade. Embora se diga que hábito
prende-se à atividade individual de cada um, sem
juízo de valor, como o hábito, que abrange
uma comunidade, o costume, ao contrário de hábito
o uso, tem que ter um certo conteúdo moral, decorrente
da religião, da política ou da tradição.
Há, no costume, processo de imitação
coletiva, forma específica de ordem existencial
de grupo, sob a influência, principalmente, de dois
fatores essenciais: as formas estabelecidas e a opinião
pública, que ora se manifesta como forças
conservadoras, ora como inovações ou tentativas
inovadoras ditadas pelas transformações
sociais.
As festas de junho, nordestinas, que abarcam todo o interior
da Bahia, podem ser apontadas como costumes, que já
gozam de enorme prestígio entre o nosso povo, destacando-se
os tributados a São João, que assumiram
cunho nitidamente popular com suas fogueiras e foguetórios,
mas sem perder a influência religiosa.
As fogueiras, os fogos de artifício, as quadrilhas
caracterizaram a festa durante séculos, tiveram
tal importância que criariam, em certa época,
ciclos de músicas juninas, como acontecia no carnaval,
cantando as lendas que o povo desenvolveu em torno do
santo casamenteiro, Santo Antônio, de São
Pedro, que tem a guarda das chaves do céu e de
São João, que dorme, durante a noite de
sua festa, por determinação de Nossa Senhora,
porque, se acordado ficasse, diante da beleza das comemorações,
poderia fraquejar, perder o juízo e entrar na folia.
Hoje, provavelmente, cairia no forró.
O São João já foi festa doméstica.
Cada família tinha fogueira, mesa de canjica, milho
assado, amendoim e bolos de puba, de aipim e de milho.
Licores de todo gênero, mas, principalmente, de
jenipapo, fogos conforme as posses e os entusiasmos de
cada um. Pessoas se reuniam para comer, beber, pular fogueira
e namorar. Não foram poucos os casamentos que surgiram
de festas de São João.
As fogueiras, nesta cidade, tomavam as ruas, cheias de
denso fumaceiro da queima de madeira e dos fogos. De tal
sorte se desenvolveram que a Prefeitura certa ocasião
determinou que se protegesse o calçamento usando
camada de areia no local das fogueiras, determinação
a que ninguém obedeceu.
O automóvel expulsou as fogueiras para sítios,
fazendas e chácaras. As chácaras já
foram moda e já deram status nesta cidade. Praticamente
desapareceram depois de provocar a quebra de muita gente.
Sumiram, também, as manifestações
domésticas. Ninguém vai abrir as portas
da casa, para festas, sem a certeza de sofrer dissabores,
assaltos e, provavelmente, morte violenta.
Os céus, cheios de balões, inspiradores
de inúmeros poetas e sonhadores, como os fogos
de artifício, foram incluídos no rol das
coisas perigosas e eliminados. Os foguetórios ainda
existem, mas somente no futebol e na política.
O São João conserva modelo antigo, em parte,
em fazendas e sítios afastados. Não apenas
mudou. Foi extinto no meio urbano, resistindo, apenas,
como festas oficiais, forrobolizadas, em raros locais,
sob o influxo dos novos tempos e das bandas, em que o
uso do licor, como das demais bebidas alcoólicas,
quase assume as virtudes da santidade.
GUARDAS,
NOVIDADES E BATALHAS
Quem
depara, nos jornais, ultimamente, fotos da Guarda Municipal,
pode imaginar que está vendo tropas destinadas
à guerra no Afeganistão.
Constata-se, pelas fotos, a enorme evolução
que vem ocorrendo na Guarda e a importância que
a corporação passa a assumir entre os instrumentos
legais na batalha que a sociedade trava contra criminalidade
cada vez mais tonante e trovejante às barbas do
que chamamos de lei, mas seguindo fortes exemplos, que
vêm de cima, em que a política, cansada de
acariciar criminosos brasileiros, abre as portas do país
para aconchego e homizio de bandidos internacionais.
Ganhamos, é inquestionável, com a modernização
da Guarda, que enfrenta graves limitações
de ordem constitucional e legal, como útil e necessário
auxiliar na defesa do patrimônio, instituições
e serviços do Município, que não
podem ficar à mercê dos predadores que infestam
todos os setores da vida feirense, com especial destaque
para as escolas, alvos de desordeiros e traficantes ultimamente
crescidos em número e audácia, apavorando
estudantes e professores.
Com a Guarda, necessário esclarecer, o Município
exerce o seu poder de polícia, que não pode
ir além da “faculdade, que possui o Município,
para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades
e direitos individuais visando quer à satisfação
da coletividade, quer a do próprio Município”.
É poder de polícia administrativo, conforme
definição do Código Tributário
Nacional, e não pode ser confundido com o poder
judiciário de polícia, destinado a enfrentar
a criminalidade, prerrogativa e função do
Estado, a que o poder público municipal pode dar
ajuda e suporte, ampliando o contingente anticrime para
zelar pelo respeito à lei.
Infelizmente, como acentua o prof. Antonio Henrique Suxberg,
baseado em Joaquim Herrera Flores, há um abismo
entre as prescrições normativas postas em
garantia aos direitos humanos e a realidade que insiste
em negá-los, fato que sempre ocorreu, mas se vem
acentuando, ultimamente, a ponto de fazer do cidadão
verdadeiro refém dos delinqüentes.
A Guarda Municipal começou como Guarda Noturna
do Comércio, entidade mantida pelo Município
e grupo de negociantes quando houve, nesta cidade, alguns
arrombamentos de estabelecimentos comerciais.
Recentemente a Guarda cresceu de importância. Dispõe
até de automóveis, três, para serviços
que abarcam todo o território do Município,
enquanto a Câmara, que trabalha dentro de prédio
relativamente pequeno e anexo pegado, desfruta de cinco,
injustiça que deve ser reparada sem tardança.
O noticiário da Guarda, dando conta de suas reivindicações
e lutas, entretanto, desapareceu, cedendo lugar às
novidades do circo político, sempre ativo em suas
promoções e grandes novidades. Esquecido
ficou, também, o velho Campo de Aviação,
apelidado de aeroporto, que despertou curiosidade, discussões
e expectativas entre o povo. A atração principal,
agora, é a da Região Administrativa, projeto
de respeitável ancianidade, criação
de Colbert Martins Filho. O projeto reaparece, capado,
como gigantesca obra do governo, mas cuja autoria é
ferozmente disputada por vários deputados estaduais,
que dele falam com ufanismo semelhante ao de Colombo ao
dar a notícia da descoberta da América aos
reis católicos de Espanha. O fabuloso projeto ainda
não chegou à Assembléia Legislativa.
Por ora está, apenas, no Centro Cultural Amélio
Amorim, para ser preliminarmente discutido e servir de
bandeira na batalha eleitoral, já deflagrada nesta
cidade, embora o Centro seja o lugar ideal para enterrar
idéias e intenções. O povo sabe:
o que não se fez até hoje não será
feito por força de região administrativa.
ELEIÇÕES
E MANDATOS
O
atual sistema eleitoral brasileiro, que estabeleceu a
realização de eleições de
dois em dois anos, longe de fortalecer a democracia e
servir para educar povo e políticos para o pleno
exercício do regime, está a mostrar a armadilha
que inconscientemente, talvez, o constituinte de 88 tenha
preparado para o futuro do país.
Normalmente elegemos representantes não para dar
emprego ou boa vida a determinados indivíduos,
mas para que cuidem, cada um por seu turno, do cumprimento
de tarefas e trabalhos, nem sempre fáceis, de mandatários
do povo.
O mandato popular, aquele outorgado através do
voto, não se distingue muito do que é regulado
na lei civil no que diz respeito às obrigações
dos mandatários, em que a representação
é parte essencial ao ato. Ao ser eleito o político
passa a representar a população que o elegeu.
Fala e age em nome do povo cuja vontade busca realizar.
Assim como no mandato civil, a nomeação
do mandatário político se faz, teoricamente,
por escolha dos melhores, examinados requisitos pessoais
em que devem estar incluídos os da competência,
honradez, capacidade de trabalho e fidelidade a princípios
que representem o pensamento da maioria dos mandantes.
Se na lei civil muitas vezes o mandato é unilateral
quando estabelece obrigações apenas para
uma das partes, o mandato político sempre é
bilateral e oneroso, porque além de outorgar, ao
mandatário, poderes para o exercício de
encargos e obrigações, o mandante assume
o pesado ônus de lhe pagar salários e polpudos
achegos, às vezes escandalosamente exagerados como
os das verbas de gabinete, cartões corporativos,
telefones, correios, ressarcimento de despesas, auxílio
moradia, gasolina, automóveis, apartamentos, passagens
de avião e, em certos casos, comida, bebida, criadagem
e roupa lavada e engomada. Uma festa, abuso que o povo
vem tolerando com certa dose de paciência. É
como dizia velho filósofo da rua Sales Barbosa:
Sai na “orina”.
Ao eleger representante, o povo, que sempre paga as despesas
do pleito, apenas faz transferência de poderes e
encargos, implícitos pela própria natureza
do mandato ou claramente expressos nas famígeras
promessas de campanha, as antigamente famosas plataformas
de que não mais se fala.
Quando eleitos, entretanto, os político sem grande
parte costumam incorrer em excesso, raramente falam a
verdade ao prestar contas de seus atos e usam o mandato
como se outorgado em causa própria, abandonando
suas obrigações para fazer apenas os jogos
da política a que se dedicam inteiramente como
se lutassem, permanentemente, para sobreviver a naufrágio.
É verdade que na vitoriosa e imperial repúblicabrasileira
o Executivo tudo controla, a partir dos cofres públicos,
que o transformam em superpoder, amado, querido e desejado
a ponto de conduzir à crença de que a simples
proximidade é a única via possível
de sucesso na vida política.
Decorre, daí, que em semelhante sistema a oposição,
necessária ao correto funcionamento da democracia,
aos poucos vai desaparecendo, fazendo surgir uma ditadura
de partido, em cujo seio, na impossibilidade de aquinhoar
a todos, com o passar do tempo aparecem inevitáveis
descontentamentos e dissidências, que um dia irão
arruinar toda a estrutura de governo geralmente corroída
e minada pela roubalheira e pelos desmandos. A derrubada
pode ser traumática. Já aconteceu no Brasil.
Eleições de dois em dois anos e a supervalorização
do Executivo conduzem os políticos menos cautos
a abandonar as obrigações para viver em
eterna campanha, muitas vezes sem medir consequência
e sem cuidar das responsabilidades do mandato que receberam
do povo.
Aí mora o perigo.
UM
PROJETO LOUVÁVEL
A política nem sempre é
fonte de decepções, frustração
e desenganos. Tem os seus momentos de grandeza,superação
e esperanças, que podem levar à acaciana
certeza de que nem tudo está perdido. A notícia
é alentadora. Está no blog do Jair Onofre
e vem provocando euforia. Não trata da metafísica
recuperação do aeroporto, muito menos do
aero-trem, destinado a ingressar no anedotário
político como o eterno e caro metrô da capital
do Estado, ou de hospitais que funcionam pela metade.
Não fala de greve na educação, dos
ridículos salários dos professores, da insegurança
pública, da carga tributária, que onera,
impiedosamente, o bolso do assalariado, da fortuna do
Palocci e das privatizações realizadas ou
prometidas, veementemente combatidas em passado recente,
mas entraram na moda como solução para as
terríveis encrencas em que governos resolveram
se meter para salvar o povo, como a da desnecessária
demolição do Estádio da Fonte Nova
e prometido erguimento de moderníssima arena, que
pelo andar da carruagem e mistérios envolvidos
poderá abrigar alguma Copa do Mundo dos anos três
mil.
Não! A notícia do blog cuida de assunto
de comovente conteúdo social, capaz de fazer chorar
monge de pedra e de provocar ciúmes de vereadores,
desses que à falta de coisa melhor andam a transformar
sessões em comédias de baixo nível,
embora encontrem quem lhes deseje cortar férias
e ampliar tempo para sessões verdadeiramente ordinárias.
O blog destaca projeto de lei, apresentado à Assembléia
Legislativa por deputado feirense, que torna obrigatória
a colocação de placas com informações
anagliptográficas, isto é, usando o método
do sr. Braille em todos os sítios e equipamentos
de uso público, ruas e praças, veículos
do transporte coletivo e prédios como nosocômios,
postos de saúde e congêneres, para orientar
pessoas portadoras de certo tipo de deficiência.
O meritório projeto, entretanto, não determina
o tamanho dos tais “warnings”, nem o local
em que devem ser afixados em prédios, portas, portões,
mesas, estacionamentos, postes, orelhões, ônibus,
bancos de jardins e motos do transporte coletivo, o que
pode ser facilmente corrigido por meio de emenda, igualmente
simplória, em que se faça verdadeira justiça
social contemplando outras categorias de deficientes.
Ninguém é perfeito. Nem aos deuses antigos
a perfeição era permitida. A humanidade
existe, desde a origem, cheia de defeitos e carências
geradoras de pecados porque não é possível
admitir Inferno vazio, que se tornaria inútil e
perderia importância e força de marketing.
Cada vivente, portanto, carrega deficiências em
virtude das quais pode sofrer discriminação,
duramente combatida e jamais vencida. Nem todos os deficientes
visuais conhecem o sistema Braille, como nem todos os
brasileiros têm intimidade com as vogais e consoantes,
não importa o grau de instrução se
de primeiro, segundo ou terceiro grau.
A feia palavra – analfabeto – está
desaparecendo dos escritos públicos e da mídia.
Os analfabetos, entretanto, apesar de ignorados, existem
em quantidade maior do que se possa imaginar, o que nos
remete a Juracy Camargo e seu “Deus lhe Pague”,
em outros tempos cartilha dos reformadores do mundo, em
que um dos figurantes pergunta a outro se sabe ler. Diante
da resposta cheia de empáfia: “Sou bacharel
em direito”, simplesmente insiste: “Não.
Estou perguntando se sabe ler”.
O projeto é louvável, mas incompleto. Beneficia
apenas uma reduzida categoria dos deficientes. Há
outros, que tendo dois bons olhos, em situação,
portanto, superior à de Camões, que era
caolho, são incapazes de enxergar. Merecem ser
contemplados, também, com algum tipo de plaqueta
orientadora.
A
REDEMOCRATIZAÇÃO DE 1945
O
Estado Novo, resultado do golpe de 10 de novembro de 1937,implicou,
neste Município, caótica sucessão
de prefeitos entre aquele ano e o de1948. Nada menos de
onze prefeitos estiveram no comando do governo municipal
no curto período: Theódulo Bastos de Carvalho,
Heráclito Carvalho, José Berbert Tavares,
Fróes da Mota, por duas vezes Augusto Graça
(secretário municipal), Alibert do Amaral Baptista
(juiz de direito), Acioly Vieira de Andrade, Carlos Valadares,
João Barbosa de Carvalho, Edelvito Campello d’Araújo
e Francisco Barbosa Caribé. A rápida sucessão
de governantes, alguns completamente estranhosà
fauna local, só terminou com a posse de Aguinaldo
Soares Boaventura, eleito, cuja investidura ocorreu em
maio de 1948.
Nenhum dos prefeitos da ditadura, devido à exiguidade
de tempo e à intranquilidade que se estabeleceu
na época, em que falar em partido, liberdade, voto
e eleição poderia resultar em cadeia, teve
condições de realizar alguma coisa. O que
aqui se fez (Currais Modelo- atual Museu de Arte Contemporânea
- a Fazenda Mocó e a Usina de Algodão) foi
por diligência da interventoria estadual. Alguns
prefeitos tornaram-se vítimas de críticas
mordazes. De Berbert, dizia-se que aqui estava em gozo
de férias a promover farras até dentro da
Prefeitura. A Francisco Caribé, comerciante de
tecidos, dono da loja “A Violeta”, não
poupou a musa satírica: “Não passe
o sapateiro dos sapatos,/ nem o Chico das sedas a retalho,/
para que não se torne D. Paspalho/ em outra ocupação,
outro trabalho”. Nem Carlos Valadares escapou da
peçonhenta verve: “Pacato atrás do
pataco,/ viveu a vida até que,/ atiraram-no no
saco,/ de gatos que é o PSD”. Havia gozação
e crítica, forma de protesto, talvez, contra a
repressão. Hoje, a liberdade é tão
ampla que representante do povo recentemente declarou,
em pronunciamento na Câmara, segundo a imprensa,
que “vereador não invade espaço público”,
isto a respeito de acusações de que o edil
teria invadido a UTI do Hospital da Mulher. UTI de hospital
público, portanto, seria igual a qualquer pensão
do mangue.
Afastada a ditadura, lançou-se mão ao trabalho
da restauração democrática. Em Feira
os principais partidos eram o PSD a UDN e o PTB,mas sobreviveram
métodos e costumes políticos da República
Velha, principalmente o do uso da polícia como
arma partidária e deilimitadas formas de fraude
eleitoral.
Carlos Valadares, cujo centenário de nascimento
acaba de ser lembrado lembrado com sessão especial
da Câmara Municipal e palestra da escritora Lélia
Fernandes, foi uma das principais figuras do PSD. Era
comedido, de poucas palavras, voz abafada e aspecto de
alheamento, que lhe valeu a fama de surdo. Advogado meticuloso,
respeitado, culto, sempre muito bem ancorado em doutrina,
linguagem escorreita e jurisprudência atualizada,
o que não era fácil em época de precários
meios de comunicação, manteve-se incólume,
sobrevivendo à tormenta das lutas partidárias
sem se envolver nos lodaçais a que a política
ás vezes conduz.
Elaborava a lápis suas petições e
arrazoados em longas laudas, que funcionário da
Câmara datilografava com destaques em vermelho,
na época distinta novidade. O funcionário,
delegado de polícia e fiscal do PSD,no Forum, que
funcionava no andar superior da Prefeitura, em certa apuração
eleitoral sacou revólver para atirar em membro
da Esquerda Democrática da UDN, o que provocou
correria e troca, na mesa apuradora, de alguns maços
de cédulas. Difícil foi encontrar o juiz.
Estava debaixo da mesa de onde saiu, zangado, determinando
rigorosa revista em todos os que desejassem participar
da apuração, para o que requisitou tropas
do II-18-RI. Deu azar. O primeiro a aparecer foi o chefe
do PSD, que recentemente havia assumido cadeira, na Câmara
Federal, na condição de suplente. O juiz
teve que engolir desaforos, no Tabelionato do 1º.
Ofício, em frente à Igreja do Senhor dos
Passos, para aonde, intimado, teve que apressadamente
se deslocar.
CAMELÔS
E OUTRAS LAMBANÇAS
A notícia da saída dos camelôs do
passeio da Igreja do Senhor dos Passos, que empolgou os
meios de comunicação da cidade, só
perdeu força com a chegada de acontecimento mais
sensacional, o da conquista do campeonato bahiano de futebol
pela Associação Desportiva Bahia, que ressuscitou
com força e desbancou um dos falsos grandes da
Capital sob aplausos gerais da imprensa e da comunidade.
Aplausos merecidos. Outros, que estão “crescendo
como rabo de cavalo”, como dizia, antigamente, conhecida
professora a estudantes cujo rendimento escolar desabava
para a molecagem, demonstram extrema incapacidade de reação,
parecendo destinados, em futuro próximo, à
extinção, dizem, por conta do império
da politicagem, a exemplo de certas organizações
sociais, que de fábricas de vereadores passaram,
rapidamente, à condição de massa
falida.
Os camelôs da Igreja finalmente saíram do
passeio para destinos que livremente escolheram mas que
já despertam insatisfações. Toda
mudança de hábitos implica em adaptações
nem sempre cômodas e aceitáveis. Quando atingem
o estômago podem resultar em instabilidade, psicoses
e revolta. Não foi a primeira vez e não
será, certamente, a última em que os chamados,
eufemisticamente, de ambulantes, deixaram o passeio da
Igreja.
Uma rápida olhada sobre Feira de Santana mostra
cidade ocupada e dominada pelos camelôs. São
ruas e praças, becos e vielas tomadas por comerciantes
informais, que aos poucos invadem os espaços vendendo
toda sorte de mercadorias, atravancando tudo e criando
extremas dificuldades ao trânsito de veículos
e de pessoas. Tal espécie de comércio, que
muitos confundem com subemprego, válvula de escape
da miséria, deve resultar em lucro, porque cresce,
constantemente, apesar do combate que lhe é movido
por sucessivos governos municipais e permanece, impávido,
a desafiar a administração pública,
embora dela receba, de vez em quando, substancial ajuda
como aconteceu com o calçadão da antiga
Rua do Meio e parte da Praça Dr. Remédios
Monteiro e a criação do atualmente superlotado,
famoso e procurado Feiraguai, a única atração
turística da cidade, a receber, diariamente, pessoas
de toda parte do país e a mostrar, aos dirigentes,
o único caminho possível para o desenvolvimento
do turismo, nesta cidade, que não será o
sexual, nem o das drogas, como ocorre em outras partes,
mas o dos negócios ao qual, é impossível
evitar, serão necessárias pitadas de tempero
dos demais.
Acontece que as comunidades são como os indivíduos.
Têm vocação, rumo e tendências
geralmente imutáveis, mas cujo desenvolvimento
pode fomentar o fortalecimento de todas as formas de manifestação
do gênio humano, inclusive das artes, principalmente
agora em que tudo é havido por arte. Até
certo tipo de música bahiana. Feira tem o nome
de comércio, nasceu do comércio e vive dele.
Perseguí-lo é praticar suicídio.
Vereador sugeriu, na Câmara, a criação
do shopping do camelô. A Prefeitura desapropriaria
o Feira Tênis Clube, onde construiria prédio
de quatro ou cinco andares para abrigar os camelôs.
Não cuidou, entretanto, de determinar área
de estacionamento, o maior problema do Feiraguai, e não
pensou nas características da cidade. Se a Prefeitura
pudesse alojar cinco mil ambulantes em prédio confortável
e seguro, em menos de um mês haveria pelo menos
dez mil camelôs, com suas barracas e petrechos,
a ocupar as vias públicas, inclusive o passeio
da Igreja do Senhor dos Passos.
O comércio informal das ruas de Feira, que anda
a causar embaraços e criar problemas mas convive,
estranha e fraternalmente, com o comércio legalmente
estabelecido, tem raízes mais profundas do que
se possa imaginar.
OS
HERÓIS MODERNOS
Heróis
ou demônios, na antiguidade, eram seres, também
chamados de anjos, que ocupavam o lugar intermediário
entre deuses e homens, entre Céu e Terra. Autores
antigos chamavam de heróis os anjos da guarda,
pessoas que depois de mortas transformavam-se em gênios
ou demônios sob a jurisdição da deusa
Juno ou Hira, nome que está, conforme alguns, na
origem da palavra anjo. Com o advento da era cristã,
heróis passaram a ser os guerreiros, principalmente
os príncipes vencedores, e varões de grandes
virtudes.
Platão afirmou que os heróis resultavam
do amor entre deuses ou deusas com humanos, pelo que os
heróis não participariam nem da divindade,
nem da humanidade, formando a classe especial dos semideuses.
Santo Isidoro proclamava que heróis não
passavam de homens de grande merecimento, sublimados no
ar, que às vezes frequentavam o Céu.
A palavra herói assumiu, entretanto, nas transformações
do mundo, outros significados. Heróisforam os grandes
nomes da eloquência, pessoas que moviam povos com
o poder da palavra. Ultimamente herói vem servindo
para designar quem se destaca no futebol. Jornal de Salvador
deu o título de herói a jogador, que no
último domingo fez gol, em impedimento, contra
o Bahia de Feira.
A antiga Associação Desportiva Bahia, agora
ostentando o nome de Bahia de Feira, revive, no fim do
atual campeonato baiano, seus grandes e gloriosos feitos,
apesar da nova denominação que lhe pespegaram,
tão inadequada quanto a do Fluminense de Feira,
que, entretanto, pode ser defendida porque o Fluminense
F.C., do Rio de Janeiro, era, na época da criação
do grêmio feirense, modelo de clube, no Brasil,
por sua organização, disciplina e trajetória
salpicada de conquistas.
O apêndice, o acréscimo, que resolveram dar
ao Bahia feirense, que pelo visto pretende voar alto,
ir longe, impõe-lhe fronteiras e limites insuperáveis
quanto à conquista de torcedores, adeptos e patrocínios
fora deste Município. Condena-o a permanecer, perpetuamente,
apenas de Feira, deixando de lado o que poderia crescer,
no futuro,na conquista de fama e torcida capazes de empolgar
o Estado da Bahia a até de lhe ultrapassar as fronteiras.
Com o nome atual nunca deixará de ser time limitado
pelo Sobradinho e o Tomba, embora, no próximo domingo,
seus dirigentes e jogadores possam transformar-se em heróis
de fama transitória.
Da safra atual de heróis existe um, quase anônimo,
Alfred Becker, que merece as atenções da
pátria, o jurista gaúcho que há tempos
vem preparando o maior livro do mundo, que levará
o título de “Carnaval Tributário”,
com o qual deverá ingressar, vitoriosamente, no
“Guinness Book”, porque o seu livro será
gigantesco, reunindo o que especialistas chamam de monstruosidade,
a legislação tributária da União
Federal, vinte e seis estados, um distrito federal e mil,
quinhentos e setenta e um municípios. O livro deverá
pesar cerca de seis toneladas, terá quase cinco
mil páginas, cada uma medindo mais de dois metros
de altura por metro e meio de largura. Consta que o autor
teve que importar máquinas da China, porque não
encontrou, no Brasil, gráficas capazes de imprimir
a obra, que esbarra em sério óbice para
a sua conclusão: a produção diária,
nos três níveis de poder, de normas constitucionais,
leis, regulamentos, avisos, decretos, portarias e instruções
normativas no setor de tributação que deixa
a obra sempre incompleta, além de exaurir e exasperar
o contribuinte, que no Brasil gasta mais de três
mil horas por ano para cuidar de tributos, inviabilizando
empresas e negócios e a muitos empurra para a saída,
pouco recomendável, da sonegação
e de outras formas de ilicitude, a solução
do salve-se quem puder.
Verdadeiros heróis modernos, neste país,
portanto, são os empresários, que ainda
sobrevivem criando, mantendo empregos e pagando tributos,
e os contabilistas todo dia a labutar com o cipoal e a
movediça areia da legislação tributária
brasileira.
OS
FOLIÕES
O
padre Antonio Vieira, no sermão do Ss. Sacramento,
disse que “nos dias de Carnaval deixam os homens
a Deus pelo riso”. O Carnaval, antes de se transformar
no que é, hoje, nesta cidade, cortejo de shows
ambulantes e ruidosos, cada vez mais caros e cheios de
boçalidades havidas por artísticas, já
foi a festa do riso, da descontração, em
que o povo esquecia as agruras da vida para festejar o
Rei Momo e rir dos poderosos, do governo, zombar da ordem
e dos políticos. O folião, certa vez definido
como “aquele que dança ao som de tambor,
pandeiro, etc., fazendo folias que movem a gente a risos”,deu
lugar ao surgimento do verbo foliar, que caiu em desuso,
e tem o significado de fazer folias.
Feiraconheceu notáveis foliões, alguns aguardados
pelo povo, nas ruas ou nos salões, com a mesma
ansiedade com que são esperadas, hoje, as estrelas
que costumam arrastar multidões do alto olímpico
dos trios-elétricos.
E não era somente no Entrudo, no Carnaval ou na
Micareta. Os foliões estiveram presentes em todas
as festas populares de outros tempos, como as lavagens,
levagens dalenha e bandos das festas da Padroeira, extintos
por fraqueza do governo municipal e intransigência
religiosa.
Não teriam, hoje, os foliões, com a dinâmica
elétrica imposta às festas carnavalescas,
condições de sobrevivência. Mas que
fizeram a alegria do povo e provocaram risos e euforia,
durante muitos anos, lá isto é verdade,
quando as coisas eram mais amenas e havia brincadeiras
sem o temor de violências e dapresença policial
cada vez mais forte e mais assustadora.
Jeremias Barbeiro foi um verdadeiro folião. Portador
de peluda e robusta compleição,vestia-se
de mulher, nos mínimos detalhes, que fazia questão
de mostrar a todo mundo, provocando escândalo e
galhofada. Quando apareceua marcha carnavalesca da “Mula
Manca”, arranjou mula, com defeito em uma das patas,
carregada com dois feixes de lenha, que oferecia a todos,
o que lhe valeu pesada surra ao perguntar a senhoras sentadas
na frente de residência, na Rua Direita: “qué
lenha hoje iaiá?” Recebeu, como resposta,
vasto festival de murros e pontapés.
Os foliões nem sempre eram tipos que apareciam
nas ruas, como Euclides Mascarenhas, sempre com novidades,Zecão,
que carregava, debaixo da saia, nas lavagens, facão
de 30 polegadas, o Tenente Corró, com pistola 45
na cueca e Armando Madureira, escrivão de polícia,
charuto no canto da boca, roupa do tipo “o defunto
era menor”,comandando bloco de sujo com violõese
bater de panelas e latas de toda natureza, a visitar casas
de amigos com muita alegria e canadas do que antigamente
era chamada de “santamarense”. Havia os dos
salões, participantes dos bailes. O principal era
o da “25 de Março”, mas brilhavam,
também, outros concorridos bailes como o das “Melindrosas”,
na Rua do ABC.
Certa ocasião, plena Micareta, a “Sociedade
Vitória”, em gesto de boa vizinhança
e cordialidade, convidou sua maior rival, a “25
de Março”, a participar de baile carnavalesco.
A “25” preparou comitiva comandada por Oscar
Erudilho (orador), da qualfaziam parte Florisvaldo Albuquerque
(Flori do Banco da Bahia), Alberto Paim (Betinho de “A
Notável”), João Domingues Gonçalves
(Doute), e vários outros para a visita destinada
a selar a paz entre as duas entidades. Instalados, com
todas as honras, comidas e bebidas à vontade, rolava
o baile quando Oscar Erudilho,o grande animador das festas
da “25”, entrou na dança gritando:
animação! animação! Eufórico,
no meio da sala, tomou tamanha prise de “Rhodouro
Metálico”, querodopiou, descontrolado, derrubando
quem estava na frente e foi parar, estatelado, no colo
da Rainha da Micareta, que presidia a festa exibindo faixa,
coroa e cetro, provocando correria e estupefação.
Serenados os ânimos, Maneca Ferreira, diretor da
“Vitória”, sem esconder a cólera,intimou
os representantes da “25” a se retirar porque
estavam tentando bagunçar o baile.
A
VOLTA DO QUE SE FOI
Manhã
da Sexta-Feira da Paixão. Tempo nublado, choroso.
Se fossemos ingressar em algum tipo de chatice poética
poderíamos dizer que a natureza carpia, etc. Preferimos
lembrar o que é verdadeiro. A espera dos carurus
e vatapás é reconfortante,perturbada, apenas,
pela saudade do acaçá, geleia de milho branco,
água e sal, marmorizada, vendida de porta em porta
em palha de banana, que fazia inesquecível e estimulante
contraste entre os paladares que herdamosda cozinha africana.O
acaçá desapareceu, tragado pela sociedade
industrial que estamos criando e um dia nos poderá
mandar, a tudo e a todos, para acomodações
que ninguém sabe se o Diabo terá tempo de
preparar e de que Fukoshima, no Japão, é
pequena mostra.
O acaçá saiu da lembrança e da mesa
do povo como muitas outras coisas que não voltam
mais. Ouvimos, de conhecido noticiarista de rádio,
lamentações em torno da Procissão
dos Fogaréus. Reclamava, ele, do encolhimento da
Procissão e enaltecia o tempo em que o seu percurso
era mais longo, saindo da Igreja do Cruzeiro paravencer
ladeiras e buracos da Rua Juvêncio Erudilho até
alcançar, a duras penas, a Barroquinha e, depois,
a Praça da Catedral. Não era Procissão.
Era maratona para a qual poucos estariam fisicamente preparados,
mas significou, para quem não conhecia os hábitos
locais, tentativa de sobrevivência de acontecimento
histórico/religioso que em outras paragens assume,
a cada ano, novo destaque e importância maior no
terreno do turismo.
A primitiva Procissão dos Fogaréus, nesta
cidade, saia da Praça da Matriz, passava pela Travessa
de Sant’Ana, ingressava na Rua Marechal Deodoro,
por onde penetrava na Praça João Pedreira
e Avenida do Senhor dos Passos, em cuja Igreja fazia a
primeira parada. Retomava a marcha pela Avenida, entrava
no Beco do França e parava na Igreja de N.S. dos
Remédios, onde, mais uma vez, todos ajoelhados
entoavam o “Senhor Deus, pequei Senhor”, pedindo
a misericórdia divina “pelas dores de nossa
Mãe, Maria Santíssima”. Dalía
Procissão chegava à Rua Conselheiro Franco,
parando e repetindo a cerimônia na Capela de São
Vicente, construída pelo Pe. Ovídio de São
Boaventura em terreno pegado ao prédio do Asilo
de N.S. de Lourdes, hoje centro empresarial Mandacarú,
prosseguindo até a Matriz onde se dissolvia. A
procissão revestia-se de grande solenidade.Era
quase obrigatória para os homens. Às mulheres
proibia-se a presença. Afinal de contasrepresentava
a prisão de Jesus Cristo, da qual mulheres não
participaram. Na Procissão limitavam-se a espiar
das esquinas, janelas e passeios, correndo, desesperadamente,
de um ponto de observação a outro, aquela
multidão de marmanjos, na semiobscuridade das ruas
de então, carregando tochas, a entoar o “ora
pro nobis” em marcha apressada. Há notícias
de que em tempos remotos as mulheres eram afastadas da
Procissão pelos cordões das batinas de frades
vermelhões da raça e do vinho.
São coisasapenas para recordar, sem possibilidade
de retorno. A história se repete, dizia Marx, somente
como tragédia ou farsa. Ao cumprir o cerimonial
matutino de ler jornaisdeparamos mistura de tragédia
e farsa nas notícias de que bandos armados percorrem
a Bahia atacando cidades, fazendo reféns e assaltando
bancos,impunemente, o que nos faz lembrar tempos de Lampião
e outros cangaceiros, que aterrorizavam os sertões
nordestinos matando e roubando. A sensação
é a de que vivemos dias de tragédia e farsa.
Tragédia para o povo e farsa do governo, reforçada
quandoo noticiário denuncia a falência do
sistema viário, as carências nas áreas
e educação, saúde e segurança
pública, a ameaça da inflação,
o aumento da carga tributária e a ausência
de obras e serviços essenciais para garantir, pelo
menos, o nível de progresso que o povo conquistou.
O
CANDIDATO AVULSO
Durante
a discussão da propalada reforma eleitoral, que
o Congresso está preparando com temperos diversos,
surgiu, no Senado, por iniciativa do senador Itamar Franco,
a genial ideia do candidato sem partido, avulso, que faz
lembrar os blocos do eu sozinho de antigos carnavais.
A iniciativa de logo contou com o apoio de outro senador,
aquele que pelo aspecto geral e empáfia particular
faz lembrar a figura do “deputado baiano”,
o gaúcho Paulo Paim, que sem perda de tempo pediu
à Mesa desarquivamento dePEC de sua autoria já
sepultada no instituto nacional do esquecimento. A PEC
pretendia alterar a Constituição para permitir
candidaturas a cargos eletivos sem o vínculo partidário,
afirmando Paim que em grande parte do mundo tal prática
é adotada com êxito e grandeza maior do sistema
democrático.
Ninguém sabe se a medida, destinada a acabar de
vez com o periclitante sistema partidário brasileiro,
vai ser aprovada. A iniciativa, entretanto, não
é nova. Os constituintes da malograda Carta de
1934, nascida em julho daquele ano e engolida em 10 de
novembro de 1937 pela outorga da “Polaca”,
criaram os deputados das profissões, que deveriam
ser eleitos, segundo o art. 23, na proporção
de um quinto da representação popular e
sufrágio indireto das associações
profissionais, as quais, com os grupos afins respectivos,
eram divididas em quatro categorias: as da lavoura e pecuária;
indústria; comércio e transportes, e profissões
liberais e funcionalismo público.
O tal deputado das profissões assumiu, entre o
povo, o nome de deputado classista e serviu para muitas
brincadeiras e gozações.Nesta cidade apareceu
pelo menos um pré-candidato a deputado classista.
Eleições, entretanto, é que não
houve durante os quinze anos da ditadura Vargas. Quando
houve, como a municipal, de 1936, perderam os efeitos
com o golpe de 1937.
A introdução do candidato avulso no sistema
eleitoral, não havendo notícia sobre se
abrangerá todos os cargos eletivos ou somente os
destinados às duras tarefas legislativas, à
primeira vista pretende precipitar a decomposição
final da organização partidária brasileira,
que hoje facilita claras e perigosas tendências
para o partido único, principalmente entre os políticos
das novas gerações e os que não querem
perder o bonde do poder, todos desejando, às pressas,
ou entrar para o partido do governo, que ciumentamente
não dá espaços, ou fazendo manobras
de aproximação através de partidos
satélites, buscando ingresso pela porta dos fundos.
Poucos, na verdade, são os que se conformam em
ficar longe dos empregos, vantagens, facilidades ecofres
públicos federais, o que nos conduz a anormal fortalecimento
do governo, ao que tudo indica longamente planejado e
amadurecido, mas nos está arrastando a uma ditadura
disfarçada de legalidade.
A corrente única, a do governo, que vem sendo paulatinamente
montada, já é fato inquestionável.Seus
idealizadores julgam poder superar os insucessos de tal
sistema em outras ocasiões e em outras plagas.
O excesso de poder, entretanto, conduz, inexoravelmente,
ao que a propaganda nem sempre pode esconder de forma
permanente: aos abusos ditatoriais, à roubalheira
desenfreada, à demagogia, aos planejamentos mirabolantes,
fora da realidade, e às soluções
de força. A história não mente.
Há quem diga, entretanto, que as candidaturas avulsas
somente serão aceitas, pelo povo, se for aprovado,
ao mesmo tempo, o financiamento público de campanha,
a bolsa política, que deverá atrair, para
o registro de candidaturas, mais de metade dos brasileirose
o governo chegará perto de cem por cento de aprovação
popular.
A
ARMA DE FOGO E A DEFESA
A
tragédia da escola do Realengo, no Rio de Janeiro,
que assustou toda a sociedade brasileira mostrando que
o país cada vez mais engolfa-se em violência
que nada respeita, dando panos para as mangas ao noticiário
policial, provocou, devido ao ambiente de comoção
que tomou o povo brasileiro, o surgimento de salvadores
da pátria para sugerir medidas profiláticas
e tentar tirar proveito doestado emocional que atinge
todo o povo brasileiro.
Não surpreendeu, portanto, notícia da cruzada
cívicade José Sarney contra as armas de
fogo, com a possibilidade de nova consulta popular sobre
a proibição da venda de tais armas, entrando
no coro das vozes que neste país, de perpétua
seriedade, clamam pelo desarmamento, alimentando, nesse
respeitável sentido, campanhas e movimentos, alguns
de caráter permanente, com a mesma e humanitáriaintenção,
a de acabar com a violência.
Desses aplaudidos movimentos resultam dois tipos fundamentais
de campanhas contraas armas de fogo: as eventuais, como
a do senador Sarney, que se aproveitam de situações
de crise para auferir proveito político, e as permanentes,
as que usam símbolos religiosos e palavras de apelo
popular para conquistar e manter empregos sem tarefas
ou fazer a defesa do bolso.
Está tudo certo. Ninguém é contra,
mas tais movimentos incutem, no povo, falsas noções
a respeito da violênciareinante no Brasil. A arma
de fogo não é causa da violência.
A arma é objeto inanimado. O perigo está
no ser humano que usa armas para matar. O homem é
a verdadeira arma. Mas ninguém agena adoção
de medidas para submeter a tratamento os indivíduosportadores
de risco.
O grande entrave reside no fato de que asociedade,para
isolartodas as pessoas potencialmente perigosas, teria
que recolher a hospícios cerca de dois terços
dos habitantes o que é impossível porque
há doidos de toda espécie, inclusive a dos
mansos, aptos, entretanto,sem motivo aparente,a promover
chacina a qualquer momento.
Ultimamente surgiram estudos pondo à mostra parte
da extensão da violênciaque reside no íntimo
do ser humano. O fenômeno do bullying, agravadopela
forma cibernética,provocando humilhações,
danos físicos, morais a até mortes,nos faz
lembrar os perigosos trotes universitários, provas
de que a violência desde cedose manifesta. Para
combatê-la seria necessário reformular a
família, a escola, habilitando pais e professores
para a tarefa de detectar possíveiselementos capazes
de ações anti-sociais, embora certos portadores
de desvio mental aprendam a disfarçar tendências
criminosas com tal habilidade que tais tendências
podem ou não se manifestar,no decorrer do tempo,
e o louco muitas vezes atravessa toda a vida com aura
de respeitabilidade, carregando manias e esquisitices
por todos plenamente toleradas.
Hoje há enormes entraves para alegal aquisição
e porte de arma de fogo. Para a aquisição
ilegalexistem, entretanto, todas as facilidades. Os bandidos
estão armados até os dentes. Asapreensões
policiais não mentem. Mas,é preciso lembrar,
antes da arma de fogo já havia guerras e homicídios
em profusão. No Brasil, ultimamente, cresce o número
de mortes por arma branca. Até o velho machado,
poderosa arma de combate em passado distante, voltou a
figurar no noticiário policial.
O país deveria combater as organizações
criminosas e o contrabando de armas. Já seriam
providências eficientes contra a violência.
Campanha de desarmamento é picaretagem.
BOMBAS
E TRAQUES
O
ar quase imperceptivelmente tornava-se pesado, quase irrespirável.
Tudo prenunciava tempestade violenta com raios, trovões,
desabamentos e mortais enxurradas. A luta política
precipitava-se, anormalmente, fora de hora, com o aparecimento
de ataques, em que a difamação, a calúnia
e outros crimes contra a honra passaram a ocupar lugar
de destaque na mídia eletrônica, com reflexos
sobre toda a comunidade. A atmosfera dava a impressão
de que podia ser cortada a faca, tal a sua densidade,
enquanto o povão, quase sempre entusiasmado diante
de aleivosias e boatos, dava curso às novidades,
que diariamente apareciam, prenunciando o queseria nevitáveldiante
das pesadas nuvens que toldavam os horizontes, a tormenta
que desabaria sobre Feira de Santana.
Tudo estava pronto e preparado. Cenários, personagens,
máscaras, roupagem, direção, script,
efeitos especiais, ponto, plateia ansiosa e iluminação.A
publicidade, longa e eficientementemanipulada com a divulgação
de pequenas partes da peça e promessas de sensacional
espetáculo completo dentro de breves dias prendeu
atenções e gerou enormes, quase doentias
expectativas. Nem os mestres de publicidade da Broadway
seriam capazes de tal façanha.
Se a campanha de denúncias começou na Câmara
de Vereadores, fomentou maisinteresse ao ter o seu heroico
e triunfaldesfecho transferido para hotel desta cidade,
o que foi vastamente noticiado como mandam as boas regras
publicitárias. A fuga da Câmara, além
de gerar mais frisson e curiosidade, talvez tenha sido
motivada pela lembrança, não muito distante,
de valente vereador, que tentou fazer carreira política
usando a tribuna da edilidadepara denuncias quase sempre
caluniosas e vazias, em virtude do que perdeu credibilidade
e deve estar, hoje, a tentar sobreviver nos terceiros
porõesde cafundós não se sabe de
que governode esquerda.
Palco pronto, imprensa presente, ávida de notícias
escabrosas, povo atento, esperando os documentos largamente
prometidos e as provas de fatos criminosos profusamente
prometidas. Em resumo, a cidade parou para tomar conhecimento
de escândalos jamais registrados nos anais da pátria,
bomba de dimensões colossais, de efeitos mais destruidores
do que os do tsunami do Japão. Presente, o autor
das denúncias, tristemente seguido de atores secundários,
acólitos da comédia, não detonou
a bomba prometida. Simplesmente soltou pífio e
espremido traque, daqueles que nem ao menos são
ouvidos, esquecido de que neste mundo, em queSatanás
manda, muitos são vítimas de difamação
e nem todos podem agir como o cantador Joaquim Francisco
de Santana, famoso no nordeste por haver vencido o Diabo
em desafioocorrido em Pernambuco, na cidade de Camutanga.
O traque, que não deveria ter som, nem cheiro,
revelou sua própria natureza quando o principal
acusador declarou que não tinha provas do que estava
divulgando, apesar da teatral papelada que apresentou,
tanto assim que pretendia encaminhar o calhamaço
a órgãos públicos competentes para
a devida apuração.
O estrago, entretanto, em boa parte, estava feito. Se
o propósito era o de atingir reputações,
abalar credibilidades efornecer argumentos a quem de nenhum
dispõe para o combate e a crítica, a meta
foi atingida, embora com o risco do feitiço virar
contra o feiticeiro.
Há documentos e condutas que levantam suspeitas
de irregularidades e prática de crimes? Por que
não levá-los, imediatamente,aos órgãos
destinados á apuração de possíveis
ilícitos? O escândalo que se criou com a
dramatização de fatos hipotéticos
para atingir honra e dignidadede pessoas respeitáveis
é que não podemos aplaudir.
MODERNA
BABILÔNIA
Babilônia
denomina coisas diversas. De morro do Rio de Janeiro a
traficante famoso e música popular,casa de pasto
e revista, o nome espalhou-se pelo mundo não sem
motivos fortes. A Babilônia era, na antiguidade,
cidade poderosa, a capital da Suméria, que ocupava
território hoje do domínio do Iraque, palco
de violências que assustam o mundo.
O povo da Babilônia, avançado em relação
a seus vizinhos técnica e culturalmente,cresceu
na arquitetura,agricultura e no direito, com o famoso
Código de Hamurabi. Suas descobertas na astronomia
são famosas eaplicadas até hoje. Dizem que
seus astrônomos dividiram o dia em vinte e quatro
horas e a hora em sessenta minutos. A Babilônia
deixou colossais construções que ainda hoje
são motivos de admiração.
Seu governante mais famoso por certo foi Hamurabi, em
cujogoverno editou-se famoso Código, que baseado
no princípio do “olho por olho e dente por
dente”, em muitos de seu aspectos poderia ser aplicado
no mundo moderno, ao determinar que tivesse cortadas as
mãos o médico que matasse o paciente em
intervenção cirúrgica; que, se matasse
escravo, teria que substitui-lo por outro e condenava
à morte construtor, se a obra desabasse e liquidasse
o dono. Fundou o que foi chamado de primeiro império
babilônico.
A Babilônia,por seu progresso e avanços,
tornou-se famosa principalmente pela difusão da
Bíblia no mundo moderno. Dizem que depois de Jerusalém
a Babilônia é a cidade mais citada no Livro
Sagado.
Babilônia, com sua ciência, palácios,
riqueza e progresso, mas, principalmente, por sua religião,
cultos e deusesconsiderados exóticos, despertou
ódios, rivalidades e emulação de
povos da região, principalmente dos judeus. Foi
apontada como a “mãe das meretrizes e das
abominações da terra”, como a define
o Apocalipse. Mas ganhou fama por havergerado a primeira
rebelião contra Deus e sua imagem com a Torre de
Babel. Imortalizados, também, ficaram o seus jardins
suspensos, reconstituídos por artistas diversos
e cineastas de Hollywood, havidos por maravilhas do mundo
antigo.A famosa Torre de Babel foi construída pelos
descendentes de Noé, que pretendiam alcançar
o céu e foram castigados por Deus, que os espalhou
por todas as partes da terra, lançando-os na confusão.
O povo judeu, submetido a inauditos sofrimentos desde
o começo dos tempos, inclusive escravidão
na Babilônia, em parte é culpado de suas
próprias desgraças por não aceitar,
no mundo, religiões diferentes da sua, como se
Deus pudesse ter dono, prática que passou para
o primitivo cristianismo. Da acusação de
haver matado Jesus Cristo, que era judeu, lhe resultaram
perseguições e sofrimentos que ainda não
encontraram fim.
A Torre de Babel, há quem diga no trabalho de interpretar
a lenda, teria sido tentativa de unir a raça humana,
mas resultou no que Deus havia planejado: raças,
povos, crenças, desejos, línguas e sonhos
diferentes.
Feira de Santana, na atualidade, é uma nova Babilônia.
Grande, forte, progressista, avançada, tem sua
Torre da Babel na política partidária depois
da dispersão e confusão determinadas pelas
iras divinas. Membros da oposição procedem
como seapoiassem o governo e elementos do governo fazem
as vezes de oposição, provocando espanto
e perplexidade aumentados pela confusa linguagem de políticos
que enveredam, ao mesmo tempo, por caminhos diferentes
e contraditórios. Dir-se-á que são
cristãos novos, empolgados com o próprio
êxito,que tentam enganar as inquisições,
que andam na boca do povo, buscado assumir controles e
posições que ninguém nunca alcançou,
usando lideranças que não conquistaram e
vaidades inconsequentes.
Tamanha confusão pode resultar em descrédito
e desastre para Feira de Santana.
PARTIDOS
E QUADRILHAS
No
começo os grupos politicamente divergentes tinham
o nome de facção. A mudança para
partido, segundo Giovani Sartori, “foi lenta e tortuosa
tanto no domínio das ideias como no dos fatos”.
Nas discussões que a mudança provocou, iniciadas
no século XVIII,a participação de
Voltaire foi importante ao reconhecer que a palavra facção
era sempre repulsiva, o que não acontecia com partido.
Facção, desde os romanos, provocava repulsa,
assumindo o sentido de movimento sedicioso e danoso. A
facção de Cesar, por exemplo, segundo alguns,
teriaprovocado a ruina da República.
A palavra facção assumiu o sentido de grupo
destinado a ações perigosas, perturbadoras,
até chegar, nos dias de hoje, a designar organizações
criminosas e figurar, constantemente, no noticiário
policial. Fala-se, modernamente, da existência de
quadrilhas ou facções, sempre no sentido
ou degrupos criminosos, ou de revolucionários envolvidos
em atividades ilegais. O termo partido,originário
de partir, usado para designar associação
política, é relativamente novo. Facção
é contemporâneo de seita, cujo significado
ficou restrito a grupo religioso, geralmente herético,
obscuro e havido por perigoso, capaz de conduzir seus
membros ao inferno pelos caminhos mais curtos. Partido
assumiu destaque, na política, porque nunca recebeu
sentido depreciativo, expulsando, da terminologia política,
as palavras facção e seita, embora, durante
algum tempo, tenha corrido o riscode assumir acepção
de sectarismoreligioso.
Ninguém, atualmente, chamaria partido político
de facção ou seita. Na evolução
da política, no sistema democrático, os
partidos adquiriram fundamental importância, embora
tenham sido apontados, algumas vezes, como perigosos para
governos e paraa democracia, como fomentadores de discórdias
e agitações.Os partidos chegaram a ser proibidos,
na França, pelo Código Penal de 1810.
No Brasil a primeira constituição a tratar
de partidos políticos foi a de 1946,que reconheceu
essas organizações como essenciais à
democracia, embora perigosas para as instituições
quando livres de limitações e controle.
Dentro da atual selva partidária brasileira anuncia-se
a criação de nova agremiação
partidária, que recentemente teve as providências
iniciais lançadas em Salvador, com enorme repercussão
no noticiário desta cidade. Seu mentor principal,
o prefeito da capital paulista, Gilberto Kassab, deseja
ser candidato a governador de São Paulo e tenta
criar partido para satisfazer ambições que
não se coadunam com o seu prestígio naquele
Estado. Preferiu, para os passos iniciais, a Bahia, onde
recebeu importantes adesões, não pela figura
do Kassab, nem pelo seu novo partido de velhas ambições,
mas pela manifestaintenção de apoio ao governo
Wagner, o que significa adesão ao poder, sonho
dourado de muitos.
A desculpa comum dos aderentes, para a mudança,
é a de que nos partidosa que estão filiados
não são ouvidos. Não são consultados.
Os dirigentes não lhes dão a atenção
que merecem. Por isso buscam o que representa osupremo
desejo de alguns,que se consideram líderes, o de
comandar, determinar, ordenar e exigir obediência
a solícitos, submissos, pacientes emíseros
mortais dentro e fora dos muros partidários.
Não sabemos da composição do novo
partido em outros rincões. Na Bahiao povo mostra-se
curiosos para saber como se consolida partido formado
apenas de caciques, certo de que no comando não
haverá lugar para todas as ganâncias. Muito
menos no governo, que deve ter suas preferências
e escolhas.
O
FECHA BECO
Adão,
o primeiro, recebeu nome diretamente da divindade, providência
de certo modo desnecessária diante das circunstâncias,
mas, instado por Deus, criou nomes para todos os demais
seres vivos. À mulher, que apareceu depois, porque
tirada de costela do varão foi dado o nome de virago,
que Adão, certamente temendo as consequências,
mudou providencialmente para Eva. É que virago
desde o começo assumiu o sentido de mulher varonil,
animosa, valente, capaz de arruaças, criatura de
pelos nas ventas do tipo que quebra botequimaté
sem motivo. Bluteau confessa ter encontrado a palavra
em Ovídio e no “Dicionário Castelhano/Francês”de
CefarOudin, com o sentido de “mulher que faz obra
de homem”. Na língua pátria, apenas
no “Poema da Destruição de Espanha”,
de André da Silva Mascarenhas: “Paracontar
o obscuro labirinto/ Dos castigos, que vão no imundo
lago,/ No homicida, todo em sangue tinto/ no ladrão,
no adultero, e virago”.
Com o passar do tempo o nome civil tornou-se necessidade,
para distinguir as pessoas, e exigência legal na
defesa dos negócios e interesses jurídicos,
embora autores afirmem que povos selvagens, na África,
não usavamnome próprio individual. Gregos
e romanos normalmente tinham três nomes, com algumas
variações, como acontece ainda hoje. Um
individual, a que se seguiam os apelidos hereditários,
ou decorrentes do casamento, o que não impediaa
liberdade na composição do nome, com as
limitações do bom senso e da lei.
O nome que identifica a pessoa física é
geralmente composto de prenome (o nome de batismo), sobrenome,
alcunha ou apelido de família. É um dos
direitos da personalidade conforme o Código Civil.
Apelido, que originariamente significa nomear, dar nome,
“foiinventado para evitar confusão dos nomes,
como distintivo individual de cada pessoa”. Diziam
as “Ordenações”, sobre o apelido,
que “ninguém pode tomar o que lhe não
pertence” e era conferido aos autores de grandes
feitos. Bluteau cita alguns dos apelidos encontrados em
escrituras antigas: Barriga, Neto e Feo. Assumiu, modernamente,
feição faceta, para apontar, entre outras
coisas, defeito físico ou eiva de ordem moral.
Luiz da Câmara Cascudo em seu “Dicionário”,
sobre apelido diz que é costume antigo, dar, circunstancialmente,
nome a alguém por seu lugar de origem, por sua
profissão, qualidades e defeitos. Surge por brincadeira
e às vezes “pega” para o resto da vida.
Afirma o folclorista, apoiado em Laura Della Mônica,
que nem os santos escapam, apontando Santo Antonio (casamenteiro),São
Pedro (chaveiro) e São João (fogueteiro).
Apelidos às vezes provocam zangas e dramáticas
reaçõesmas são fontes intermináveis
de anedotas como a do juiz de direito, prevenido contra
povo de sua nova comarca, que botava apelido em todos
mundo. Ao desembarcar, o carregador, que lhe levava a
bagagem, explicou a alguém que a mala era do “mão
de gengibre” ali atrás. E apontou o juiz,
que tinha uma das mãos defeituosa.
Tivemos, aqui, o “Fecha Beco”. Desempenado,
conversador, dizia-se comunista e alfaiate. Sua profissão,
entretanto, era a do jogo. “Fecha Beco” foi
uma das mais distintas figuras do snooker de Fábio
Kalile (Fábio Gordo), na parte térrea da
“Pensão Universal’, na Rua Direita,
enfrentando famosos profissionais do taco como o lendário
“Carne Seca” (campeão do nordeste),
que aparecia nesta cidade acompanhado de agentes e empresários
encarregados das apostas, atraindo vasto número
de espectadores. Não se sabe da origem do apelido
de “Fecha Beco”. Dele notícia não
há de arruaças importantes.
Mas, como os fatos se repetem, ressurgiu, na Câmara
Municipal, projeto para fechar o beco denominado de Rua
Intendente Ruy e transforma-lo em estacionamento para
vereadores.
A Rua Intendente Rui, no conturbado centro de Feira, é
via essencialao funcionamento do comércio e ao
escoamento do trânsito. Se fechada para maior conforto,
regalo, mordomia, comodidade a agasalho dos vereadores,
teremos, então, a “Casa do Fecha Beco”
em lugar da “Casa da Cidadania”. Será
mais apropriado.
SALVEMOS
O LEGISLATIVO
Além do
fato de que o Brasil não está destinado,
de forma perpétua, a ser o paraíso do Sarney,
recentes acontecimentos estão a mostrar a urgente
necessidade de campanha educativa, de âmbito nacional,
envolvendo todas as classes sociais, destinada a salvar
o Legislativo do descrédito em que está
embarcando, pondo em risco nossos sonhos de democracia
e de liberdade.
A escolha de nomes conhecidos do país inteiro por
seus deméritos, para figurar em importantes comissões
da Câmara dos Deputados, a exemplo da Comissão
de Educação, e o destaque que a Câmara
deu a envolvidos em processos criminais, estão
a impor a necessidade de providências para a salvaguarda
de um dos poderes da República que aos poucos,
mas inexoravelmente, vai ingressando por caminhos sem
volta, beirando o ridículo, a mostrar ao povo o
seu desconchavo.
Alguma coisa há que ser feita para restituir, ao
Legislativo, a respeitabilidade que vem perdendo, sob
pena de retrocesso indesejado. E não nos venham
falar de simpósio, seminário ou encontro
à beira mar, em locais propícios aos prazeres
mais ou menos proibidos, em que costumam se reunir pessoas
responsáveis para resolver graves problemas da
vida nacional.
Instalada a República em terras brasileiras, quase
imediatamente surgiram, por inspiração do
movimento positivista, tentativas de legislação
social para os servidores públicos, como o projeto
que determinava a fixação de salários,
divididos em duas partes, uma imutável e outra
variável, limitação da jornada a
sete horas, férias de 15 dias, direito a salário
na enfermidade e nos dias de luto, gala de casamento ou
feriado religioso, assegurada a estabilidade após
sete anos de serviço, aposentadoria por invalidez
ou idade, além de pensão ao cônjuge
sobrevivente, filhas solteiras, filhos de menos de 21
anos e regulamentação da admissão
de aprendizes. Essas medidas começaram a vigorar,
em todo o território nacional, em 1890, quando
alguns dos benefícios foram estendidos aos empregados
da Central do Brasil e aos “operários e empregados”
dos Correios e Telégrafos. Em 1891 decreto regulamentou
o trabalho de menores nas fábricas de tecidos do
Distrito Federal, mas, outro, revogou legislação
imperial que tentava disciplinar o trabalho no campo,
tarefa que a República conferiu aos Estados devido
às peculiaridades de cada um deles. A regulamentação
legal do trabalho, em busca da paz social, gerou legislação
variada e vasta discussão nas casas do Congresso,
sindicatos, partidos políticos e na imprensa, passando
pelo Código Civil de 1916 com a locação
de serviços e contratos de empreitada, Revolução
de 1930 e Estado Novo, durante muito tempo, até
ganhar lugar de honra entre os preceitos constitucionais,
legislação complexa e até ramo especializado
do Judiciário, excrescência existente apenas
no Brasil e no México.
Desde o começo, entretanto, a legislação
trabalhista situa-se na órbita do poder federal.
Segundo a Constituição de 1988 é
da competência exclusiva da União.
Projetos de lei, que aparecem em câmaras municipais
tratando de assuntos pertinentes ao trabalho de jovens,
velhos ou quem quer que seja, não passam de meras
e inúteis manifestações lamentavelmente
demagógicas de desconhecimento da legislação
vigente, no seio da qual está o Estatuto de Idoso.
Essas manifestações só contribuem
para aumentar o descrédito, aos olhos do povo,
de ramo do poder cujo prestígio e respeito é
imprescindível ao correto funcionamento da democracia.
Chega de toque de acolher maluquices frutos damá
fé ou da ignorância. Legislativo sério,
independente, forte e respeitado, em todos os níveis,
significa garantia dos direitos do povo.
Resguardar o Legislativo do ridículo a que está
sendo levado é tarefa de todos, mas, principalmente,
dos próprios legisladores.
COM
O POVO NÃO SE BRINCA
O
triste espetáculo de dezenas de pessoas que esperam,
na fila, desde que raia a madrugada,a graça de
senha com que tentarão, no dia seguinte, chegar
perto dos cartórios extrajudiciais, no Forum Des.
Filinto Bastos, alimentando a esperanças de conseguir
simples reconhecimento de firma ou autenticação
de cópia de documento, nos faz lembrar fotos da
propaganda anticomunista que costumavam mostrar, na mídia,
pessoas desalentadas e desiludidas, nas grandes cidades
da Russia, a penar em longas filas do pão, onde
só não havia fila para vodka. O regime soviético
caiu. Deixou viúvas, é certo, ainda hoje
a lhe carpir a queda. Jamais, entretanto, para lhe tecer
os antigos e exagerados louvores.
Seria difícil para alguém, que viu a Justiça
dos cartórios privatizados, imaginar a lamentável
situação de hoje, em que o povo, além
de humilhado, é prejudicado em seus interesses.
Há pessoas, em desespero,que se deslocam em busca
de serviços judiciários inadiáveis
em comarcas próximas, como a de São Gonçalo
dos Campos, com despesas desnecessárias e riscos,
mas levadas a tecer louvores ao transporte clandestino,
sempre prestativo, sem o qual os problemas seriam maiores.
Foi grande equívoco a estatização
dos cartórios, movidaou pelo interesse do Judiciário
nas custas, oupela tendênciae moda da época.
E não apenas dos cartórios extra. O equivoco
atingiu, também, os cartórios judiciais,
com raríssimas e excepcionais exceções,
geralmente em comarcas de pequeno ou nenhum movimento.
Nas comarcas de grande porte, como é o caso de
Feira de Santana, de intensa atividade, há falta
de serventuários. Os queexistem, percebendo vencimentos
insuficientes, quase ridículos, sentem-se incomodados
com a possibilidade de trabalho e reagem ou tratando mal
quem procura a repartição, ou virando-lhe
as costas na tentativa de banir presenças indesejáveis
e inconvenientes, que lhes tentam perturbar a santa paz
do magro contracheque.
Tal situação não impede, entretanto,
que de vez em quando cartórios fiquem cheios de
pessoas jovens, elegantes, de nariz empinado, bem vestidas,
que se movimentam graciosamente, passando, entretanto,
acerteza de que daquele amontoado de processos, carimbos
e papeis não entendem bulhufas. Nada mais são
do que emendas piores do que o soneto, tratando a todos
os que procuram os cartórios como a“multitudocaballorum”
de que falava velho professor de Economia. Em grande parte
não é desídia, nem desprezo pelos
deveres. Trata-se, simplesmente, de pura, simplese absoluta
incompetência.
O povo das filas e os que são mal recebidos nos
cartóriosestão, diariamente, a armazenar
mágoas e a amontoar ressentimentos, aparentando
paciência de que nenhum ser humano é capaz.
Mas, poderíamos repetir a célebre indagação
de Cícero: até quando?
Atualmente quem está em foco é a figura
do prefeito. Não há fato do cotidiano deste
Município que não precipite catadupa de
insinuações, desconfianças e denúncias
contra a administração municipal, não
faltandoadministradores, adivinhos, economistas, palpiteiros
e juristas para aventar soluções, reforçar
intrigas e pedir, em inquéritos, rigorosa apuração
de fatos, muitas vezes sem o exato e correto conhecimento
do que está ocorrendo.
Em Feira de Santana o povo ultimamente encontra distraçãoe
motivos de ira em perigosopantanalde intrigas políticas,
como se o Município pudesse viver exclusivamente
de fofocas e garimpo de empregos em cujo centro está
a administração municipal.
Por ora o Judiciário tem sido poupado. Goza, ainda,
de um resto dereceio reverencial, reminiscência
dos tempos do “morrerá por isso”. O
receio, entretanto, poderá ser rompido a qualquer
instante. O povo, quando ameaçado e prejudicado,
torna-se perigoso.
“TRABALHAR?
EU NÃO, EU NÃO”
Após
a criação do homem, estando o mundo aindalivre
do pecado, Deus, que teria planos não explicitamente
revelados, deu à inocente criatura a obrigação
do trabalho. Entregou-lhe o paraíso de que Eva
era parte,sob pena de não merecer o nome, impondo-lheo
compromisso de cultivar o Jardim e dele cuidar,deixando
desde cedoesclarecido que nada é de graça.
Ele próprio deu o exemplo de trabalho. Exausto,depois
de fazer tudo o que existe de bem e de mal, teve de repousar
no sétimo dia.
Após o pecado, o grandeimpulsionador da obra da
criação, é que o trabalho surge como
pena, castigo pelos deslizes de Adão, que se julgado,
hoje, por tribunais humanos, seria absolvido e provavelmente
eleito presidente da República como herói,
porque o solo, em consequência do crime, foi amaldiçoado,
injustamente, e o anátema de ganhar o sustento
com o suor do rosto tornou-se desgraça de que todos
procuram fugir ainda que tenham que recorrer à
política.
Daquele passo em diante o trabalho assumiu aspecto de
requisito de sobrevivência, está nas escrituras,
como ordem divina e inquestionável obrigação
social, conforme escreveu Paulo: “se alguém
não quer trabalhar, também não coma”,
recomendação de certo modo vazia, como outra
que determinava: “aquele quefurta, não furte
mais”, transformada em verdadeira heresia nos tempos
atuais.
Pierre Jaccard, após ressaltar a antipatia que
os povos selvagens têm pelo trabalho, afirma, citando
Adriano Thilgher, que “para a alma hebraica, como
para a grega, o trabalho se apresentava, essencialmente,
como castigo e sofrimento”. Emenciona sindicalista
que escreveu: “Seja em que regime for, o homem sente-se,
no trabalho,que lhe é imposto, como um animal na
jaula. Só pensa em libertar-se”.
O sentimento queprovoca o trabalho como situação
humilhante e desprezível cresceu, em regiões
em que se desenvolveu a escravidão, como o sul
dos Estados Unidos e o Brasil.
Apesar dos louvores ao trabalho nas Escrituras e na cultura
em geral,criando ditados como “mais quero estar
trabalhando, que chorando!” e “nasceu o homem
para trabalhar, como a ave para voar”, o povão
e os apaniguados nunca aceitaram o trabalho como obrigação
e dever. Prova disso estána música popular,
de que foi um dos representantes o malandro carioca, embora
com alguns exemplos de reação em favor do
“batente”, combate à vadiagem e claros
recuos como no samba “Golpe Errado” que Chico
Alves gravou por volta de 1929: “Mas que golpe errado
eu dei/ Dizendo que ia deixar a vadiagem!/ Com o tal de
trabalho não me acostumei/ Nem mesmo por camaradagem.”
Chico Alves gravaria, em 1931, com Mário Reis,
samba de Ismael Silva, que confessa: “Se eu precisar
algum dia/ De ir para o batente,/ Não sei o que
será,/ Pois vivo na malandragem/ E vida melhor
não há”.
Na época, ressaltam historiadores, havia compositores
de música popular que saiam do botequim para bater
carteiras após o que voltavam, tranquilamente,
à mesa do bar.
O Estado Novo tentou mudar a situação com
a censura do DIPe “compra” de compositores
encarregados de enaltecer o trabalho, a exemplo do “Bonde
de São Januário”, mas não conseguiu
impedir o aparecimento de músicas de linguagem
nitidamente revolucionária como “Terra Seca”,
de Ary Barroso”, de 1943, proibida em Portugal.
Liberta de peias a música popular ganhou força
para voltar ao velho tema, como no caso do samba “Trabalhar,
eu não” e “Falta um zero no meu ordenado”.
Fato é que o trabalho, hoje, assumiu o seu sentido
bíblico esua verdadeira função social.
Daí não causar espanto vereadores apresentarprojeto
que reduz férias da edilidade e amplia tempo de
labor. É louvável. O drama está em
que tirante a oposição, que ganha espaço
para chatear o prefeito, não há muito o
que fazer.
NO
TEMPO DO ONÇA
Todas as coisas
têm seu tempo. É a velha lição
do Eclesiastes repetida, de certa forma, no sonho de José,
o das vacas gordas e das vacas magras. Mas, sempre houve
um tempo melhor, como o dos Afonsinhos, certamente lembrado
em virtude da Lei das Sete Partidas de Afonso, o sábio,
da época do Rei D. Dinis, ou do primeiro código
geral português, as Ordenações Afonsinas,
de Afonso V. A locução perdurou, entre os
brasileiros, por séculos, como aquela que falava
do“tempo do Onça”, dizem quenascida
de governador do Rio de Janeiro, Luiz Vahia Monteiro,
que tinha, por apelido, o nome do felino.
Hoje, quando os velhos ditados eantigas locuções
populares caem no esquecimento, permanece o mesmo sentimento,
o de que tempos bons foram os passados. Assim, é
possível que ingresse, na linguagem popular, em
breve, a expressão “nos tempos do Lula”,
contraposta às dificuldades e durezas da situação
que o povo estará vivendo, mas que nunca deixaram
e jamais deixarão de ser amargas.
A crise, que se estabeleceu a partir de 2.008, embora
tenha causado estragos, quase passou despercebida neste
país de euforia alimentada por presidentede calculada
simplicidade de linguagem, tantas vezes criticada, e seus
gastos imoderados a ponto de criar a certeza, nos dias
correntes, de que o governo ganhou a batalha das eleições
mas perdeu a guerra.
Conforme dito antigo, com dinheiro não se brinca.
E agora, depois das vacas gordas, em que verbas passaram
a ser exclusiva bandeira de luta e ideologia de partidos
e políticos, refinada imitação da
“corrida do ouro da Califórnia” com
a multiplicação de ministérios, obras
faraônicas e inviáveis, que atormentam o
novo governo, empregos a granel, bolsas eleitoreiras,
poucas realizações de real importância,
muita conversa demagógica e natural deterioração
da classe política,alcançamos beco sem saída
muitas vezes anunciado por economistas independentes que
há muito clamam contra ações governamentais
consideradas temerárias e perigosas para o equilíbrio
financeiro do país e determinaram, como resultado,o
reaparecimento do fantasma da inflação a
engolir lucros e salários, que já alcança
a perigosa cifra dos seis por cento, a exigir remédios
que matam mais do que curam, como a restrição
ao crédito, aumento de juros e cortes orçamentários.
Não bastassem tais perigos, estouram, na imprensa,
escândalos de inominável e inaceitável
violência policial nesta cidade e em outros pontos
do país, e de enormee sedimentada organização
mafiosa dentro dos quadros da polícia civil do
Rio de Janeiro. A violência policial e a corrupção,
nos quadros da polícia, embora parte importante
das mais vetustas tradições nacionais, há
muito não apareciam com o destaque dos últimos
dias. Jamais abandonaram, entretanto, a nossa amada pátria.
Neste ponto o progresso é evidente, reflexo da
conduta da classe política, hoje, mais do que nunca,
a proceder como boi velhaco,na busca de buraco em cerca
que conduza aos verdejantes pastos do governo, sem atentar
para o fato de que o governo já tem donos, a defender,
ferozmente, seus bunkers, e nem de mísera cadeira
de quarto escalão dispõe para os fugitivos.
Todas essas maravilhas brasileiras refletem-se, é
inevitável, na população. Daí
que não causou espanto, nem correria, a notícia
de que kits, com fardamento completo, distribuídos,
gratuitamente, aos estudantes da rede municipal, estavam
a ser livremente vendidos, mas deve ter levadoa Prefeitura
a reavaliar o anunciado propósito de doar bicicletas
aos estudantes porque aí é que haveria comércio.
“QUEM
VEM NU VOLTA VESTIDO”
O
pai da história, Heródoto, lamentou que
dentre as penas humanas a mais dolorosa é a de
prever muitas coisas e nada poder fazer. Poderia o historiador
asseverar, vivesse hoje, que a realidade ultrapassa as
previsões com tal força, que a ficção
científica já se apresenta com ares saudosistas.Nada
mais causa o espanto e a curiosidade provocados por Buck
Rogers eFlash Gordon no planeta Mongo, os primeiros astronautasda
ficção popular, e as aventuras, no campo
científico, do dr. Frankenstein, a famosa criação
de Mary Shelley.
As novidades do progresso, as conquistas humanas, por
mais mirabolantessão recebidas e assimiladas com
tanta naturalidade, que dão a impressão
de que o mundo se considera não apenas merecedor,
mas credor de todas as conquistas que vem adicionando
à sua rotina.Cada vez mais complexas, irresistíveis
objetos de desejo destinados a entupir o planetade perigoso
lixo industrial, as novidades diariamente se vão
atropelando, fazendo surgir maravilhas e forte apelo comercial
que comprometem orçamentos esufocam a humanidade
que já sente dificuldades em encontrar espaços
para respirar e sobreviver.
A indústria do automóvel, por exemplo, está
quase a inviabilizar a existência humana nas grandes
cidades. A invenção do motor de combustão
interna, atribuída a Karl Benz, facilitou o surgimento
de veículos cada vez mais atraentes e rápidos,
que se espalharamno mundo com a ajuda de Henry Ford, criador
da fabricação em série, e provocou
intenso desenvolvimento da indústria petrolífera
e de outras áreas,como a da pavimentação
de ruas e estradas, fazendo surgir as megacidades, sonhos
dos construtores, grandes empresas e enormes fortunas,
frutos da exploração do petróleo,
dos veículos motorizados e de toda a fabulosa gama
de produtos e serviços ligados ao transporte automotivo,
que reúnem, nos dias atuais, considerável
parte da população do mundo. O petróleo,
a partir de sua descoberta, no Lobato, tem servido à
luta partidária. Ultimamente, deu forte ajuda à
campanha da eleição da atual presidente
da República.
De todas as grandes conquistas da humanidade, poucas,
como ado motor a explosão e a invenção
da imprensa têm mais de cem anos. O uso da energia
atômica, antibióticos, computadores, transplantes
de órgãos, facilidades de comunicação
e viagens espaciais são mais novas. O progresso
mirabolante, que nos envolve, em diversos setores, é
fenômeno principalmente do pós-guerra. Conta
pouco mais de meio século de existência.Neste
contexto vertiginosonão podemos deixar de incluir
a nossa Feira de Santana, que em pouco mais de cinquenta
anos deixou de ser bisonha cidade sertaneja para alçar
voos jamais imaginados, a ponto de estar a se preparar
– segundo o noticiário – para servir
de sub-sede da Copa do Mundo de 2.014, o que pressupõe
a conquista de aeroporto, hotéis cinco-estrelas
(um só não dá), centro de convenções
para abrigar central de jornalismo nacional e internacional,
CTs com gramados de treinamento construídos conforme
as regras da FIFA, modernização da BR-324
além de solução de nossos problemas
de trânsito urbano e de outros ligados à
saúde e à segurança pública.
Longe estamos da cidade descrita pelo repentista João
Afonso:“Esta Feira é terra santa, / vera
funda dos quebrado, / quem vem nu volta vestido, / de
pés no chão vai calçado, / foi esta
a mãe da pobreza, / no tempo dos flagelado./ Gabemos
desta maneira / e todos preste atenção /
home ou mulhé de Feira, /ambos têm bom coração,
/ este é um lugar de paz, / que só deseja
união”.
A participação de Feira de Santana nos eventos
da Copa de Mundo de 2.014 obriga-nos a confessar, parafraseando
Machado de Assis: o que julgamos ser simples ilha na verdade
é um continente.
UFANISMO
E VERDADE
Afonso
Celso de Assis Figueiredo Jr. foi singular figura da vida
nacional. Filho de visconde,o de Ouro Preto, conde pela
Santa Sé, militou na política, no jornalismo
e no magistério.Um dos fundadores da Academia Brasileira
de Letras e presidente perpétuo do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro,defendeu tese de formatura
sobre o “Direito de Revolução”.
Teve que se haver com uma. Na queda do Império
exilou-se na Europa.
Deixou vasta obra literária nunca vista por muito
importante, salvo a biografia dopai, de algum valor para
a pesquisa da história do império brasileiro.
Um livro do conde, “Por que me ufano de meu país”,
entretanto, teve notável sobrevida. Entre elogios,
remoques, gozações e críticas mordazesé
apontado como progenitor do ufanismo,que sobrevivendo
a todas as nuances da vida brasileira permanece imbatível
como aliado de governos.
Tudo indica que o conde, ao dar nome a seu livro,forçou
a existência do verbo ufanar-se. Bluteau registrao
adjetivo ufano, com o sentido de vanglorioso, jactancioso,
soberbo, citando versos que falam do “famoso Tejo
ufano”. O termo ufanismo talvez tenha nascido da
crítica de jornalistas e chargistas ao livro do
conde. Mas, o ufanismo, além de ganhar espaço
em dicionários,tem servido de base de sustentação
e engodo para governos das mais variadas matizes como
o da ditadura de Getúlio Vargas, em que a meninada
das escolas, além de reverenciar, diariamente,
a foto do ditador, exposta em cadasala, tinha que marchar
e cantar hinos patrióticos e suportar professores
que obrigatoriamente falavam da grandeza nacional, das
virtudesdo governo, do excelso futuro a que o país
estava destinado e das inesgotáveis riquezas brasileirasescondidas
em florestas e no subsolo, tudo representado no verde
e amarelo da bandeira, que na verdade herdamos da antiga
Casa de Bragança. As mensagens do ufanismo a propaganda
oficial, com a ajuda da famigerada “Hora do Brasil”,
difundiu com tal intensidade que chegou a convencer grande
parte do povo brasileiro.
O ufanismo repetiu-se, sem se consolidarinteiramente,
nos tempos de Juscelino Kubitschek, com o seu desenvolvimento
de cinquenta anos em cinco, e ganhou força durante
o regime de 64 com o “milagre brasileiro”.
Voltou, no governo Lula, com populismo levado a extremos,passando
a certeza de que vivemos no melhor dos mundos possíveis,
que o Brasil nada de braçadas em prosperidade,
descobriu petróleo do pré-sal e a riqueza
vai jorrar na casa de todo mundo, novo milagre em virtude
do qual o presidente elegeu sucessora, que agora tem que
enfrentar a dura realidade do país.
Na campanha presidencial, pelo menos na Bahia, um dos
grandes argumentos foi o do programa “Minha Casa,
Minha Vida”, em que o paternalista presidente buscavadar
morada barata aos necessitados. As casas, na verdade,
são vendidas. O conjunto, (quatrocentas e quarenta
moradas)inaugurado nesta cidade com grandes festas, discursos
e brigas para ingressar no palanque,tão importante
mostrou-se que mereceu, de Hélio Gaspari, a denominação
de “joia de coroa”. O ufanismo vigente é
tão virulento,queas notícias de que mutuários
estão a revender os imóveis a preço
de banana são recebidas com falso espanto e fingida
surpresa. O governo Luiz Viana Filho construiu a “Cidade
Nova”. Outros governantes deixaram aqui inúmeros
conjuntos populares enormes. Só o Feira X tem cinco
mil moradas. Cerca de 50% dos imóveis desses conjuntosou
foram revendidos, em pouco tempo, mediante “contratos
de gaveta”, imitação dos “flagrantes
de gaveta”, que andaram em uso na polícia,
ou os mutuários ingressaram na inadimplênciacertos
de que algum deputado do governo haveria de eliminar o
débito. Nem a inadimplência, nem o “contrato
de gaveta” merecem o espanto que estão a
despertar.São fatos verdadeiros e sem remédio
do Brasil sem fantasias.
AEROPORTO,
BREVEMENTE
Enquanto
a tragédia do Rio de Janeiro comove todo o país
e a Prefeitura da cidade do Salvador vai por água
abaixo, o noticiário local, sempre tão empolgante
e volumoso, a não ser o dos costumeiros homicídios,
agressões e roubos, míngua a olhos vistos.
Desvaneceu-se a esperança da vaga de secretaria
estadual para Feira de Santana, como a da radical reforma
do governo deste Município. A tantas vezes anunciada
e demolidora cisão na política local não
aconteceu e ameaça transformar-se em folheto de
cordel que poderia ter o título de “A Peleja
entre Zé Ronaldo e Tarcízio Pimenta”,
e levar a assinatura de qualquer discípulo de Cuíca
de Santo Amaro.
Os amantes de novidades terão que se conformar
com o novo governo Wagner, que não mais pode falar
em “herança maldita” porque, doravante,
sua única herança será a dos seus
primeiros quatro anos de muita conversa e poucas obras,
e outros fatos de somenos importância como a do
secretário municipal, com sua imitação
de Mussoline, a querer fechar peixaria que fizer descamação
e evisceração de peixes no Centro de Abastecimento.
O que existe, além disso, é a pífia
campanha do desarmamento, que deveria ter assento no Centro
das Indústrias, e a notícia de que moradores
das proximidades do denominado aeroporto, cerca de cinquenta
almas (não as de Gogol), vão ter, brevemente,
água encanada.
Tudo, no governo do Estado, será brevemente.
A notícia, entretanto, lembra algo que sempre andou
no desejo do povo feirense, o orgulho de contar com um
aeroporto, característica dos grandes centros urbanos,
equipamento cuja utilidade e necessidade não se
discute, mas que nunca tivemos, o que provoca certo complexo
de inferioridade, no seio de nossa gente, nem sempre disfarçado
porque o que existe não passa de abandonado campo
de aviação.
O primeiro campo de aviação da cidade, criado
nos tempos do governo de Heráclito Carvalho (Seu
Lolô), ocupava espaço, no Campo Limpo, onde
hoje está o bairro que recebeu o nome de Jorge
Américo, líder de invasões de terras
e, por isso mesmo, herói popular. O alheio, para
muita gente, tem sabor especial. O Município, dono
do terreno, reagiu, mas seus esforços tonaram-se
inócuos porque o governador, Waldy Pires, benfeitor
da humanidade porque fez discursos, declarou a área
como de utilidade pública.
No antigo campo de aviação floresceu o Aero
Clube, que formou inúmeros pilotos sob o comando
de oficial da Aeronáutica, contando com aviões
doados por Assis Chateaubriand. Um daqueles aviões,
pilotado por José Torres Ferreira (Zé Petitinga),
caiu em mangueira de chácara, no Ponto Central,
provocando comoção pública. A notícia
chegou ao dono do imóvel, quando dava aula de Francês,
no Colégio Santanópolis, o Dr. Pedro Américo
de Brito, que saiu, precipitadamente, em direção
ao local do desastre, seguido por quase todos os estudantes
do Colégio e populares, em desabalada e esbaforida
correria. O acontecimento era sensacional e inédito,
mas resultou em frustração porque soldados
do II, 18º. R.I., armados, já haviam isolado
toda a área, não permitindo a aproximação
de curiosos. O avião teve danos de pequena monta,
o piloto livrou-se incólume para novas aventuras
aéreas, que não foram poucas, e o Dr. Pedro
Américo, salvo alguns galhos quebrados e umas poucas
mangas sacrificadas, não sofreu prejuízos.
Diante da invasão e ocupação desordenada
do campo, outro governador, que tinha propriedade rural
em Jaíba, resolveu dar, ao Município, novo
campo de pouso, com o nome de aeroporto, unindo o útil
ao agradável, mas o campo, construído perto
de sua fazenda, caiu no abandono. Nem os “Irmãos
Metralha” ali permaneceram. Brevemente, entretanto,
segundo promessa do governo, será recuperado.
MEA
CULPA
Está em São Mateus, que ainda serve para
alguma coisa além doferoz e rendoso comércio
que criaram em torno da Bíblia e de suas principais
figuras: “Não julgueis para que não
sejais julgados”, que nos conduz à noção
e importância de ser justo, característica,
em outros tempos, dos chamados homens bons e parte importante
da formação de todos os governos, a começar
pelos que têm praticado, no decorrer dos tempos,
a justiça preventiva de que foi exemplo, segundo
a narrativa de Heródoto e Montaigne, o rei da Pérsia,
Cambises II, que um dia, tendo sonhado que seria morto
por irmão, que lhe desejava o trono, mandou mata-lo,
pouco valendo, ao condenado, os protestos de lealdade
e estima. Esse é tipo de justiça largamente
usado pelas ditaduras e pelo povo em geral. Poucos serão
aqueles que neste mundo não julgaram e condenaram,
antes de qualquer prova, parentes, aderentes ou semelhantes
de qualquer categoria, com destaque para os que pregam
cadeias generalizadas para todos os suspeitos de práticas
anti-sociais, o que na prática transformaria o
mundo em vasto presídio, espécie de “Casa
Verde” do Dr. Bacamarte da novela de Machado de
Assis, sem a possibilidade de aplicação
da justiça, ainda que falível e imperfeita,
às vezes amalucada, que está na lei.
Inquestionável é que a vida impõe,a
todos nós, o papel nem sempre cômodo de julgadores.
Não é necessário vestir toga nem
estar na curul de juiz. O homem comum julga, diariamente,
em casa, no trânsito, no trabalho e no lazer condutas
e atos de seus semelhantes, próximos ou distantes,
às vezes elaborando, perigosamente, sentenças
definitivas, irrecorríveis.
Poucos serão os que não se têm que
penitenciar desse pecado. Assim, transformou-se em costume
generalizado ver, nas câmaras municipais, trapiches
de incompetências, vaidades e ganâncias.
As câmaras municipais, quando se tratou de sua real
utilidade, foram apontadas por necessárias comoincentivadoras
de lideranças, escolas de ética no trato
dos negócios públicos, das regras do debate
político, da valorização do conhecimento
e do respeito às regras de convivência. Na
ocasião o parlamento brasileiro, em todos os níveis,
despertava curiosidade e reverência, porque debatia,
intensamente, temas de interesse do povo. O debate sumiu
dos legislativos. Não há mais discussões
a não sersobre mesquinharias. O legislador, de
todos os níveis, transformou-se, inteiramente,
em “arranjador” de verbas e empregos, simples
lobista, tarefa que exibe como grandes realizações,
quando não se mete nos meandros do Executivo a
falar e agir como chefe de governo, com o que confunde,
ainda mais, a nem sempre atenta opinião pública.
Uma das causasou consequências desse abastardamento
do legislativo é a ausência de oposição,
que descaracteriza o regime democrático, dando
lugar a campanhas, como a última, para a presidência
da República,absolutamente anódinas, insignificantes
e irrelevantes, conduzindo à liberdade de que gozou
o ex-presidente da República ao afirmar que inaugurou
quinze universidades, quando, de fato, deu a grupos escolares
o nome de universidade, mas continuam a funcionar como
grupos escolares sem nenhum dos requisitos que possam
caracterizar verdadeiro centro de ensino superior.
A imprensa noticiou, no início do mês, que
a Câmara Federal, em raro momento de lucidez, arquivou
projeto de lei destinado a obrigar todos os candidatos
a casamento a plantar dez árvores e, como requisito
paradivórcio, o dever de plantar vinte e cinco
árvores, naturalmente no quintal de sogra complacente.Lá,
pelo menos, arquiva-se alguma coisa...
Diante dessa maravilha, o que nos resta é admitir
a mea culpa das críticas que andamos a fazer de
certos projetos aprovados pela Câmara local, erogar
a Deus pela Venezuela em que este país se vai transformando.
CELULARES
E GABINETES
Corre, por aí,
que já estaria em vigor lei votada pela Câmara
Municipal, que proíbe o porte de celulares no interior
de agências de bancos, providência julgada
necessária pelos legisladores para evitar a modalidade
de assalto conhecida pela alcunha de “saidinha bancária”.
Com a nova lei a Câmara estaria prestando mais um
relevante serviço à sofrida e amedrontada
comunidade, acossada, nesta terra, por todo tipo de atividade
criminosa sem vislumbre de salvação nos
insondáveis horizontes da pátria. O inovador
diploma legal, que inibe inviolável e constitucional
direito do cidadão, vem provocando queixas. Pessoas
constatam que o uso de celulares continua livre e solto
dentro e fora dos bancos, o que, convenhamos, facilita
negócios, poupa precioso tempo e resolve problemas
de muita gente. É utilíssimo, necessário,
irreversível.
A correta e exata aplicação da lei anti-celulares,
destinada ao esquecimento como tantas outras inexequíveis
porque regras estabelecem fora da realidade, resultaria
em enormes despesas para o erário municipal, que
teria que criar guarda destinada a apreender telefones
à porta e dentro dos bancos, tomando-os de homens,
mulheres e crianças, e diretoria ou secretaria
encarregada de receber e guardar, com os devidos cuidados,
os aparelhos apreendidos, e devolve-los, entre outras
exigências, mediante petição fundamentada,
apresentação de nota-fiscal, folha corrida
e parecer da procuradoria. Outra lei poderia ressuscitar
o selo de educação e saúde, para
a petição, obrigatório, durante longo
tempo, em todos os documentos, a ser vendido em postos
da secretaria de finanças. Seria notável
retrocesso.
A celeuma da semana, entretanto, ficou por conta de ato
do presidente da Câmara, que mandou fechar, até
o dia primeiro de fevereiro, o prédio onde se alojam
os gabinetes dos vereadores. Houve até quem afirmasse
que a portaria era absurda porque gabinete de vereador
é repartição pública e, com
tal status e respeitabilidade, não pode ser fechado.
A verdade, entretanto, é que vereador é
funcionário público apenas no sentido geral
da expressão. Qualquer pessoa, aliás, pode
ser funcionário público se exerce função
de governo, como, por exemplo, quando dá socorro
a acidentados, participa dos trabalhos de extinção
de incêndio e socorre vítimas de enxurradas.
Funcionário público, no sentido estrito,
é o servidor nomeado conforme as regras do estatuto
do funcionalismo. Em certos casos, alguns admitidos conforme
legislação especial, inclusive a CLT.
O deputado, o senador são membros de um dos três
poderes da República, que trabalham com independência,
harmonia e a valiosa ajuda do mensalão, elevado
a instituição nacional pela maioria do povo
brasileiro nas últimas eleições.
O vereador é membro de um ramo do poder público
municipal, que se divide em legislativo e executivo. Embora
servidor público no sentido amplo, às vezes
demagógico, não pode ser apontado como funcionário
público, porque não é.
O gabinete, o vereador abre ou fecha, recebe o povo ou
não conforme a sua soberana vontade. Não
é repartição pública, embora
mantido com dinheiros do erário. Lá entra
quem o titular deseja receber.
O presidente da Câmara, verdade deve ser dita, não
fechou gabinetes. Os gabinetes já estavam fechados,
à exceção de um apenas. Fechou o
prédio, onde se escondem os gabinetes, que estava
às moscas, provocando despesas inúteis e
correndo o risco de arrombamento e roubo.
Procedeu corretamente.
UM
CANTADOR ESQUECIDO
João
Afonso, notável repentista, cego, pobre e sem instrução
está esquecido. Ninguém, entretanto retratou
melhor o nosso cotidiano. A seguir, repente de sua autoria
sobre fatos ocorridos nesta cidade em 22 de setembro de
1918 envolvendo a “Terpsícore”, de
Maragogipe, e uma banda local:
“A musga maragogipana
veio à Feira passear.
encontrou a 25
e foram juntas tocar.
É quando surge um sujeito
tratando de anarquizar,
dizendo musga de fora
não faz fé aqui na Feira.
Por melhor que se apresente,
só tem que andar na carreira.
Estava dado o princípio,
Começou a baboseira.
Não sendo filho da Feira,
Mas de lugares distantes,
não quer ver o povo unido,
as musgas alegres, constantes,
transformou a festa em rolo,
no meio dos puchavantes.
Dentro em pouco trocam tiro,
Surge cidadão baleado:
João André e Antonio Gomes
foro os dois prejudicado,
Sinhói de Surunga caiu:
-‘Meu Deus estou liquidado.
Como vou morrer agora,
sem ninguém me defendê?
Vim acompanhar tocata,
sempensar em falecê,
fico nestas condições,
Nem a mulher posso vê’.
O povo, que viram isso,
ficou todo alvoroçado.
Morrer um patrício nosso,
morrer assim naufragado?
Venha depressa um doutor!
Grita o povo com cuidado.
- Onde lhe pegou a bala?
- Doi muito não sei onde é...
- Na barriga é impossível:
Se fosse pocavao fé.
Vamos tirar o calçado,
para vê se foi no pé.
Sinhô todo emporcalhado,
tanto o sangue que corria,
e o povo todo vexado,
pensando que ele morria,
mas alguém examinou:
o dito sangue fedia!
Chega um senhor mais sabido:
- A minha instrução é pouca,
Mas, do jeito que estou vendo,
A
bala entrou pela boca.
Ele engoliu foicachaça,
Deixou duas pipa oca.
Mas, ainda mesmo assim,
vamos sempre regressá.
Está perto um automóvel,
Toque esse tipo prá lá!
Vá pra casa, vá dormi.
Não convém ir pro hospitá.”
NOVOS
FADOS
Alcançamos
o fim de mais um ano, que deixa, no limbo do passado,
dores, dificuldades, vitórias, esperanças,
desastres e conquistas. Sofremos revés com o recenseamento
do IBGE. Quando todos esperavam contagem de mais de seiscentos
mil habitantes, saiu-se o órgão federal
com anovidade em que ninguém acredita: não
alcançamos a cifra havida até por modesta
por todos os que aqui labutam, o que lembra o prestigio
do IBGE de outros tempose samba defendido por Carmem Miranda,
quando a música popular costumava fazer a crônica
do cotidiano: “Em mil, novecentos e quarenta /Lá
no morro começou o recenseamento / E o agente recenseador
/ Esmiunçou a minha vida, que foi um horror!”
Mas, pelo menos, e louvado seja Deus, tivemos conhecimento
do número aproximado de casas desabitadas ou inaccessíveis
existentes nesta cidade, o que é um refrigério,
trabalho meritório, que deve ser acrescentado às
grandes e louvadas proezas e ao extraordinário
prestígio do governo federal, com possíveis
e negativos reflexos sobre o orçamento do Município
e suas condições de futuro e promissor crescimento,
o quepor absurdo levou o povo a acreditar no que diz outro
samba, o de Geraldo Pereira, dirigido a Getúlio
Vargas, que ameaçava criar o Ministério
da Economia: “Seu presidente, / Graças a
deus não vou comer mais gato, / Carne de vaca no
açougue é mato, / Com meu amor já
posso viver. / Eu vou buscar a minha nega pra morar comigo
/ Porque já vi que não há perigo
/ Ela de fome já não vai morrer”.
Mas, o ano que chega ao fim foi, sobretudo, o ano da política
e de intenso noticiário em torno dos movimentos
partidários. Não apenas por causa das eleições,
cujos resultados não surpreenderam, sabidos que
eram desde o início da campanha e a incrível
tendência popular para o paternalismo na figura
de semideus, que tudo resolve, encarnadono presidente
Lula, que tem sabido explorar o populismo de forma a ultrapassar
qualquer expectativa. Sobrepujou, apenas em quatro anos,
com a ajuda das “bolsas”, a popularidade de
Getúlio, que teve o “curto período
de quinze” para sedimentar a sua posição
de salvador e pai dos pobres.
O noticiário político, levado por fatos,
vaticínios, ventos e boatos, dominou o ano. Os
pleitos eleitorais, dizia velho amigo, é como o
circo antigamente. Chegava a trupe, com suas estrelas
e palhaços, e dominava tudo: notícias, atenções,
homenagens, aplausos. Logo depois aparecia outro circo,
e o fenômeno se repetia, em moto-contínuo
que só acabou com a decadência circense.
Dominou, sobretudo, o noticiário e o comentário
político, o rompimento entre o ex-prefeito José
Ronaldo de Carvalho e o prefeito Tarcízio Pimenta.
Começou como agouro, que para o vulgo é
predição de coisas ruins, mas, na origem,
significa progressão, andamento de qualquer empresa,
e deu nascimento à figura do áugure,o que
faz augúrios. Augustus, por exemplo, é o
sujeitoconsagrado pelos áugures. Mas, em forma
de augúrios, vaticínios, predições,
presságios ou simples boatos, a notícia
dominante foi a do iminente rompimento, em que ficou evidenciado
interessante fenômeno da mídia. O comentarista
lança a hipótese: Ronaldo vai romper com
Tarcízio. É questão, apenas, de tempo.
Rola, entretanto, o tempo e nada acontece. Mas, oautor
da notícia, frustrado, aferra-se ao que disse e
tenta, de todos os modos,provar a sua hipótese
e não larga mais o assunto que só desaparece
quando surge outra previsão de quilate semelhante.
Resultado: o anunciado rompimento só esmaeceu com
os sucessos decorrentes da eleição da nova
mesa da Câmara, motivando outros vaticinados rompimentos,
que somente os ventos e tempestades do ano novo poderão
confirmar.
ASSESSORES
E MUDANÇAS
As
transformações por que vem passando o mundo,
rápidas, complicadas e radicais, encerrando enormes
complexidades,vão colocando em dificuldade a sobrevivência
de instituições, leis, tradições
e costumes que há pouco tempo eram considerados
imutáveis e necessários à paz e à
harmonia social. As mudanças impostas, principalmente,
pela tecnologia, formam tal conjunto de novas maneiras
de conduta, de ver e de conduzir as coisas deste mundo,
que nada está isento do radicalismo e da velocidade
das nuanças queos novos tempos oferecem.
A finalidade da política partidária, do
sistema democrático, que alguém já
disse ser o melhor, porque não há outro
aceitável, sofre, como todas as manifestações
da vida social, o choque da modernidade que nada poupa
e tudo parece querer devorar em permanente autofagia,
na pressa do proveito a qualquer custo.Decorrem, daí,
distorções que não contribuem para
moralizar e consolidar sistema confiável de governo.
Ora, que o assessor é necessário, lá
isto é. Diante da evolução da ciência,
dos meios de produção e da tecnologia, os
vereadores de município do porte do nosso, por
exemplo, como os legisladores de qualquer nível,
para um correto desempenho de suas tarefas necessitariam
de um exército de assessores formado de técnicos
em redação, informática, construções,
pontes, estradas, urbanismo, legislação
em geral, educação, contabilidade pública,
direito constitucional, saúde e defesa do meio
ambiente, no mínimo, porque as necessidades sociais
são cada vez maiores e mais urgentes. A lei, para
a admissão de simples escriturário, por
concurso, faz exigências que vão desde a
comprovada higidez de saúde física e mental
à incrível capacidade de ler e escrever
mais ou menos corretamente. Para as tarefas de legislador
não se exige tanto. Daí vem a necessidade
do assessor, o funcionário que em grande parte
dos casos seria o verdadeiro condutor das labutas legislativas,
projetos, pareceres e pronunciamentos.
É impossível, entretanto, por diversos e
relevantes motivos,manter, à disposição
de cada representante do povo, conjunto de assessores
competentes e tecnicamente capazes de trabalho responsável,
o que não impede as câmaras municipais de
manter numerosa assessoria, não só a do
ramo do poder, mas a de cada representante popular, individualmente,
seguindo, aliás, respeitável exemplo que
vem do Congresso Nacional.
A nossa Câmara, recentemente, julgando que é
pequeno o número de assessores com que contam os
seus vereadores, aumentou esse número de sete para
nove, premiando os da planície, mas elevando, justamente,
para onze, o montante de assessores dos que pervagam as
alturas da mesa. Não houve voto contrario, nem
protesto de nenhuma natureza.
“Farinha pouca, meu pirão primeiro”,
diz a secular sabedoria do povo. É que na impossibilidade
de contar com assessoria tecnicamente competente, a vereança
vale-se da figura do assessor para abrigar passados, presentes
e futuros cabos eleitorais e, em certos casos, para faturar
algum,metendo no bolso parte dos salários pagos
a esses auxiliares, fenômeno de que não há
notícia nesta terra dadivosa mas em outras paragens,
até em sítios do alto, de que ninguém
desconfia tal a fabricada fama de provecta seriedade e
imbatível honestidade.
Um fato surge e anda sozinho à vista de todos.
O povopaga boa parte das campanhas eleitorais, durante
anos seguidos, com os salários dos assessores e
de outros. Quando políticos aparecempara defender
o financiamento público de campanhas eleitorais,
deveriam, por isso, receber pena de apedrejamento igual
à que foi condenada a adúltera iraniana.
O
TOQUE DE ACOLHER LIVROS
Muita
gente ajuizada alertou: isso é maluquice, é
inconstitucional, obra de autopromoção inconsequente
e inviável, coisa de câmara de roça.
Até alguns vereadores, demonstrandobom senso, repudiaram
o projeto de lei que começou como “toque
a recolher” e terminou como “toque de acolher”,
destinado a afastar menores de sítios julgados
perigosos, combater a criminalidade, salvar os menores
em erro e restabelecer a tranquilidade social,fadado,
segundo seus defensores, a figurar na ara da pátria.
O projeto, verdadeiro osso sem tutano, encontrou dificuldades
em sua tramitação. Sofreu marchas e contramarchas,
pedidos de vista, emendas e o castigo de inúmeros
discursos e pareceres de defensores e críticos.
No entanto o projeto, destinado ao monturo legislativo
municipal, resultou aprovado. Remetido aoexecutivo, conforme
manda a lei, para a devida sanção e publicação,
o prefeito, seguindo velho, mas sempre presente ditado
segundo o qual “quem pariu Mateus que balance”,
recusou-lhe aprovação deixando que o prazo
legal se escoasse, com o que a obtusa peça foi
devolvida à Câmara, que fica, agora, na obrigação
de promulga-la, transformando-a em regra obrigatória
para todos os moradores deste Município nem sempre
feliz e tocado de sensatez.
Acontece que o presidente do ramo legislativo do governo
municipal, Antônio Carlos Ataíde, segundo
frequentado “blog” editado nesta cidade, estaria
resistindo. Ele, que está a pique de deixar o mandato
de presidente ao fim de administração elogiada
até por quem não perdoa santidade, nãoquer
envolvimentocom o assunto, que vê como barriga de
casa de adobes, e quer deixar a tarefa para o seu primeiro
vice, por sinal autor do projeto, vereador que não
deverá encontrar dificuldades para tão grande,
meritória e patriótica tarefa a merecer
banda,hino, noticiário internacional e nota no
wikileaks ao lado dos documentos secretos do ministro
Celso Amorim.
O “toque de acolher”, já não
restam dúvidas, inexoravelmente entrará
em vigor. É uma fatalidade legal. Teremos que abandonar
o Estatuto de Criança e do Adolescente, que tem
merecido elogiosdo mundo inteiro, aplicado com alguns
bons resultados, e adotar a lei local. A dificuldade está
em saber quem vai fazer o toque,onde recolher os menores
apreendidos e que destino dar a eles e elas. Os órgãos
de segurança, que atuam no Município, andam
sobrecarregados, semdar conta de suas tarefas normais.
Todas as esperanças recaem sobre a Guarda Municipal,
que passa a impressão de estar mais interessada
em sua organização e na defesa de seus direitos
do que em qualquer outra coisa. A Guarda, a certa altura
de sua reestruturação, no atual governo,
pelas entrevistas de alguns líderes passou a impressão
de que a qualquer momento poderia botar tropa na rua,
desencadear golpe militar, marchar contra a Prefeitura,
depor o prefeito, assumir o governo e passar mais de vinte
anos no poder, oque obrigaria muita gente a se esconder
em São José das Itapororocas para reaparecer,
tempos depois, dizendo que buscou refúgio na França
e foi professor da Sorbonne.Não é solução
para o grave problema.
Mas, enquanto as questões levantadas pelo toque
são debatidas, surpreendeu notícia divulgada
pelo programa radiofônico de Joilton Freitas,“Rotativo
News”, de que vereador apresentou ou pretende apresentar
(não temos certeza), projeto de lei criando a obrigação,
para as poucas livrarias existentes nesta cidade, de ter,
no mínimo, em suas prateleiras, cinco por cento
de autores nordestinos, submetendo os infratores a duras
penas. Ressalvada a notória seriedade da fonte,
não podemos enxergar a notaa não ser como
brincadeira de mau gosto. Os limites da república
independente de Feira de Santana, como os de Princesa,
na Paraiba, são muito restritos. O hospício
épequeno. Não há lugar para outro
toque, o de acolher livros.
A
GUERRA QUE NÃO HOUVE
Não
deixou de causar estranheza a quem foge da superfluidade,
o insólito hasteamento da Bandeira Nacional, no
último domingo, no Complexo do Alemão, no
alto da Estação do Periférico, depois
que forças do governo invadiram terrenos dominados
por traficantes de drogas. A cena, propositadamente patética,
fez lembrar tropas da União Soviética, em
1945, a desfraldar a bandeira da foice e martelo no topo
do Reichstag, simbolizando a tomada da capital alemã
e determinando o fim da guerra na Europa.
Agora, passadas as emoções do momento e
amenizada a intensa publicidade que se fez em torno dos
acontecimentos, a imprensa começa a analisar os
fatos e a buscar as suas implicações a partir
do ato simbólico de conquista que marcou a tomada
do Morro do Alemão.
Ressalta-se que em nenhum lugar do mundo, mesmo naqueles
em que o tráfico de drogas é mais forte
e mais intenso do que no Rio de Janeiro, traficantes estabeleceram
território com a exclusão quase total do
poder público, o que não ocorreu na Colômbia
durante o período de terror do traficante Pablo
Escobar, e não ocorre, atualmente, no México,
onde o tráfico se vale de violência extrema
mas sem posse de área delimitada e impenetrável
como quartel-general e refúgio de delinquentes.
A propaganda deu às operações de
invasão do Complexo do Alemão proporções
semelhantes às do assalto que o Cel. Moreira César
pretendeu fazer contra o Arraial de Canudos, de fatídicos
e lamentáveis resultados. Nada foi escondido. Tudo
foi fartamente divulgado: o efetivo das tropas, o apoio
dos Fuzileiros Navais, de forças do Exército
e ajuda da Força Aérea com os seus helicópteros,
máquinas indispensáveis à guerra
moderna, completados com recursos de eficientes meios
de comunicação, equipamentos de visão
noturna, blindados de combate, “caveirões”
da polícia, hospitais de campanha, minucioso planejamento
e logística impecável.
O grande combate que se esperou contra forte e desesperada
resistência de traficantes e de todos os demais
criminosos acoitados no morro, com intensa fuzilaria,
fogo de metralhadores, granadas, perda de vidas humanas
e prejuízos materiais não ocorreu. Foi outra
batalha de Itararé, “a maior batalha que
não houve”, no dizer de Aparício Torelly,
autor de “Máximas e Mínimas”,
que escreveu: “de onde menos se espera, é
daí que não sai nada”. O Brasil, aliás,
é palco de sangrentas lutas que não houve,
como a famosa “Revolução dos Alfaiates”.
Pipocar de tiros, é verdade, não deixou
de existir no morro. Esparsos e ralos, provavelmente destinados
a distrair as forças legais enquanto os chefões
arrumavam trouxas e fugiam, deixando parte do armamento
e do estoque de drogas que não puderam carregar.
A incursão armada e a ocupação do
Alemão, com algumas prisões, entretanto,
foram extremamente necessárias. Os bandidos estavam
a aterrorizar o Rio de Janeiro e tentavam intimidar a
polícia, ameaçando espalhar-se por outros
Estados. A ocupação deve continuar e se
estender a todos os domínios do tráfico.
O povo precisa de paz e segurança para trabalhar
e cuidar de seus interesses.
Não podemos admitir, entretanto, que o episódio
seja politicamente explorado e que as autoridades insistam
na beligerância dos traficantes, que na verdade
não são combatentes mas, acima de tudo,
comerciantes do crime, que retiram lucros da compra e
venda, às vezes modificando e agregando valores
às suas mercadorias, movimentando grandes somas
em dinheiro. O golpe mortal ao tráfico de drogas
só ocorrerá quando forem atacadas suas fontes
financeiras. Território, para abrigar criminoso
endinheirado, qualquer um serve.
A
MALA-PRETA DA CÂMARA
Mala
já foi “espécie de saco de couro cerrado
com cadeado, em que se leva o fato a cavalo”. Fato,
no caso, indumentária ou trastes domésticos.
Podia significar, também, rebanho de bodes ou vara
de porcos, sentido que lhe deu Camões certa vez.
A mala tem sido objeto de suma utilidade na história
humana e seu uso aplica-se a diversas atividades. Estendeu-se
ao comércio, aos correios e à diplomacia.
Malas, hoje, existem de toda sorte, formato e preço.
São imprescindíveis em mundo que se movimenta
freneticamente. Ainda existem malas de fabricantes de
caixões de defunto, de madeira leve recoberta de
material amarelo com fechadura ou tranca de ferro para
cadeado. As mais baratas levam corpo de papelão.
Algumas podem ter cantoneiras para reforçar quinas
e exibir tiras de couro com fivelas para maior segurança
do conteúdo. Não confundir com baú,
malas grandes em que se depositavam os guardados e as
inutilidades da casa como panos velhos, objetos caídos
em desuso, cartas, papeis, fotografias e escorpiões.
Dos baús restam poucos exemplares, alguns de alto
preço, verdadeiras obras de arte.
De onde vem mala-preta? Mala compreende-se. Mas, por que
a pretidão? Preto, na antiguidade, era o escrevo
negro (servus niger). Em Alcobaça dava nome ao
carneiro guia. No Portugal antigo pretos tinham em seus
brasões de armas um braço negro com bastão
de ouro na mão. De pretos eram chamados temperos
como a pimenta e o cravo. O mesmo nome era dado a alguns
adubos. Na lenda, Preto, filho de Abante, rei dos Argivos,
brigou com seu irmão, Acrísio, desde que
estavam juntos no ventre materno. Adultos, continuaram
brigando até que se reconciliaram quando Jobetes,
rei da Lícia, sogro de Acrísio, deu-lhes
iguais domínios. Preto foi nome de moeda portuguesa
no tempo de El-Rei D. Duarte. Já havia os Reais
Brancos quando o rei mandou cunhar os Reais Pretos. Dez
Pretos, porque sua liga metálica era mais fraca
em estanho, valiam um Real Branco. Será que a expressão
mala-preta deriva da antiga moeda portuguesa? Dizem que
é criação do futebol brasileiro,
responsável, também, pela mala-branca. A
preta seria para fazer corpo mole e, a branca, para tentar
vencer.
Quando vereador disse, de público, que nos entendimentos
para eleger a nova mesa da Câmara Municipal estava
funcionando a mala-preta, ninguém se abalou. O
povo, na sua sabedoria, acredita que tudo na política
resolve-se por meio do instituto da corrupção,
que passou a fazer parte irremovível da vida nacional,
mas não acreditou na mala legislativa que só
causou barulho na Câmara porque lançou suspeitas
sobre toda a edilidade. Ninguém acreditou porque
mala-preta significa custos, mas, no episódio,
não existe a possibilidade de benefícios.
É a tal história da vela e do defunto. O
assunto deve estar morto e sepultado em poucos dias.
Para contrabalançar a chatice do noticiário
político, espicaçou a curiosidade, no seio
da população, o anúncio de engenhoca
cuja adoção teria sido sugerida à
Prefeitura. A máquina, em lugarejo do Rio Grande
do Sul, teria feito sucesso miraculoso. A aparelhagem
anunciada, sem detalhamento, agiria de forma semelhante
ao escudo anti-missil pretendido pela OTAN e funcionaria
do seguinte modo: tiro no Tomba, Viveiros ou qualquer
outra parte da cidade seria detectado, em quinze segundo,
com identificação do tipo, calibre, país
e data de fabricação da arma. Não
identificaria, entretanto, o autor do disparo. Teríamos,
assim, a imediata e inócua, mas sumamente interessante
estatística dos disparos de arma de fogo feitos
em Feira de Santana, diariamente, com a determinação
do local e outras especificações técnicas.
Os criminosos, aqueles que andam a matar, diariamente,
permaneceriam incógnitos, impunes, fagueiros, em
lugar incerto e não sabido.
A maravilhosa geringonça custaria, aos cofres públicos,
dois milhões de Reais. Os custos da manutenção
não foram revelados. Seriam, provavelmente, maiores
do que os da Colônia Lopes Rodrigues.
Não seria melhor comprar um helicóptero?
Vamos pegar leve!
ELEIÇÕES,
MALDADES E LENDAS
O
mal, no decorrer dos tempos, tem sido representado de
muitas formas. Houve época em que Gog e Magogeram
“príncipes ferozes e bárbaras nações
que em várias partes do mundo ajudam o anti-Cristo
a perseguir os cristãos”. Eram culpados de
todas as desgraças do mundo. A lenda ganhou força
na Inglaterra onde os dois, sobreviventes da prole do
imperador Diocleciano, teriam desembarcado em companhia
de grande número de demônios. Os demônios
foram mortos pelo povo. Gog e Magogsobreviveram. Tinham
porte gigantesco. Acorrentados, levados a Londres, mereceram
estátuas em museus e galerias. Uma delas,de mais
de quatro metros de altura, foi esculpida por Robert Saunders.
O famoso escritor italiano Giovani Papini deu, aum de
seus livros, o título de “Gog”.
Os dois realizadores da maldade, entretanto,são
figuras bíblicas. Magog estáem Ezequiel,
apontado como filho de Jafet. Ele e Gog surgem, ainda,
em Daniel e no Apocalipse, ambos ameaçando, com
exército numeroso como as areias do mar, as nações
da Terra, liderados pelo próprio Satanás.
O mal, não há remédio, é próprio
do homem, como o riso,conforme disse Rabelais no poema
com que abre o “Gargantua”. Defeito de fábrica.
A criação não adotou o recall, invenção
da moderna indústria automobilística, de
modo que a existência do malpode ser apontada, conforme
as conveniências, em todas as atividadeshumanas,
entre as quais uma das mais importantes, a da política
partidária, berço e continente de fortes
paixões, variegados interesses e quejandos.
Volta-se, agora, provavelmente por falta de outros motivos,
a apontar duas desgraças, dois terríveis
males, o Gog e o Magogque estão a ameaçar
e a corroer todo o equilíbrio e o progressode Feira
de Santana: o chamado voto dado a candidatos de fora e
o vidro que separa, na Câmara Municipal, o plenário
das galerias.
Os fatos da vida às vezes demonstram extrema superfluidade.
Não se cuida do funcionamento da Câmara,
da sua utilidade, da repercussão social dos pronunciamentos,
do posicionamento dos representantes do povo diante dos
problemas populares, do conceito de que a casa legislativa
do governo municipal goza perante a população
e do futuro do órgão por não poucos
considerado oneroso demais para o mambembe serviço
que presta aos munícipes.
Alega-se que o vidro separa e distancia o povo dos vereadores.
É afirmação demagógica, sem
sentido e sem razão. O povo desta terra desde o
raiar do sol está se esbofando, diariamente, pelo
pão de cada dia, cuidando da vida em coletivos
de segunda classe, nas fábricas, nos negócios,
nos ofícios, atrás do balcão. Não
lhe resta tempo para frequentar as galerias da Câmara.
Presença constante, ali, é a de interessante
tipo humanoque exibe espécie de farda e procede
como dono e guardião da casa. Oferece semelhanças
com personagem de conhecida série da Tv por assinatura,
que aparece com farda surrada e se apresenta como único
general negro da Guerra de Secessão.
O que interessa ao povo é se o vereador cumpre
seus deveres, sabe o que está fazendo e não
gasta o dinheiropúblico a fazer denuncias falsas
e a aprovar, em forma de lei, toda maluquice que possa
aparecer nas redondezas e abas do Município.
Outro motivo de choradeira, não se sabe até
que ponto sincera ou de carpideira profissional, é
o dos votos dados a candidatos de fora,que teriam arruinado
candidaturas da terra. Feira de Santana deveria, então,
funcionar como enorme e suculento curral eleitoral. É
bom lembrar que já houve tentativa. Cogitou-se,
certa época,até da instalação
de cercas e cancela para perpétuo uso doméstico
e repetida eleição do chefe, filhos, noras,
genros e sogras. Felizmente não deu certo.
A
MARCA DA MICARETA
O
noticiário político costuma dominar os meios
de comunicação antes e depois de eleições.
É natural. O jogo político e o resultado
das urnas sempre despertam curiosidade generalizada, particularmente
entre os apostadores, que costumam transformar os pleitos
eleitorais em verdadeiras loterias, com o que não
poucos dão curso à incoercível tendência
para a jogatina, de cuja exploração bandidos,
governos e as mais santas atividades deste mundo não
se podem eximir, todos culpados de loterias, roletas,
caça-níqueis, bingos, leilões ou
inocentes quermesses.
O interesse é de curta duração. Leva,
normalmente, o tempo da efervescência partidária.
Desta vez, entretanto, o noticiário em torno de
movimentos políticos passa dos limites, prolongando-se
com enorme intensidade de modo a quase dar sumiço
a outros fatos relevantes, do interesse público,
como os homicídios, que ameaçam alcançar,
diariamente, diante de fatos recentemente ocorridos nesta
cidade, a casa da dezena, fazendo surgir a necessidade
de mais rabecões, legistas e necrotérios,
providências que evidentemente, por descuido, não
constam dos planos de realizações do governo
do Estado. O “caveirão” é outra
medida urgente que a comunidade e a imprensa têm
que reivindicar dos representantes.
O prolongamento do noticiário político não
trata mais de eleições e dos seus resultados.
Cuida, quase exclusivamente, de fugas, deserções,
adesões e rendições, em notas que
reunidas poderiam superar tudo o que se escreveu sobre
Benedict Arnold, o trânsfuga da Revolução
Americana, Joaquim Silvério dos Reis, o inconfidente
mineiro, e o sempre espancado Judas Iscariotes, segundo
alguns mais vítima do que culpado. Teria agido
a serviço.
É assustador o número das pessoas mencionadas
como prontas a buscar de abrigo seguro em governos. Mais
assustador ainda é a qualidade, o nome, o passado
de políticos apontados como puladores, fato que
poderia sugerir emenda constitucional, acabando com partidos
e estabelecendo, para as organizações partidárias,
a denominação de galho, substantivo que
assumiria novo, nobre e respeitável sentido dentro
da democracia brasileira.
As notícias de deserções felizmente
não se confirmaram, salvo as que ocorreram antes
das eleições. Essa pletora de preocupantes
notícias, se devidamente confirmada, faria desaparecer
o que é fundamental ao correto funcionamento da
democracia, a existência de oposição,
mas quase apagou, da mídia, anuncio que não
deixa de ser importante, do interesse geral, o de concurso
para a escolha de marca eterna, indelével, inexorável,
intransferível e inapagável para a nossa
Micareta (não confundir com impagável, muito
menos com Indelével, indivíduo que viveu
nesta cidade e provocava assuadas toda vez que aparecia
nas ruas).
Fato indiscutível é que a Micareta está
fadada e ter marca famosa como Coca-Cola, Gillette, Formicida
Tatu, Smith&Wesson e Balas Dum-Dum, com o que ficará
selado, definitivamente, o seu destino de produto industrializado,
empacotado e pronto para o consumo das multidões
ululantes.
Destaque-se, entretanto, o pioneirismo de Feira de Santana.
Inventou a Micareta em 1937. Agora cria marca, brasão
de armas e bandeira para a grande festa, de modo que pessoas
do mundo inteiro, diante do notável invento, haverão
de procurar, imediatamente, transporte para esta cidade.
Tudo fica mais interessante se levarmos em conta que nunca
tiveram marca as mais famosas festas carnavalescas do
mundo como as de Nova Orleans, Rio de Janeiro, Recife,
Veneza, Salvador e Colônia.
A Micareta não precisa de marca. Só precisa
de Micareta.
Pensar
no futuro
O
momento não é de experiências nem
de aventuras. O Brasil, sob certos aspectos, registrou
grandes avanços nas conquistas sociais. Imprensa
e órgãos ligados ao governo federal chegam
a falar de ascensão de classes que só agora
dispõem de algum crédito e acesso a determinados
bens de consumo. É fato indiscutível que
apesar das dificuldades a situação financeira
do brasileiro melhorou, abrindo-lhe novas perspectivas,
o que é atribuído, na atual campanha sucessória,
ao novo milagreiro do nordeste, o Santo Lula. Ninguém
lembra que o país, no decorrer de sua história,
tem sido abalado por crises de toda ordem mas sobreviveu
e venceu dificuldades pelo trabalho de seu povo, incluídos,
nesse esforço, que em algumas ocasiões pode
ser considerado heróico, todos os trabalhadores,
do borracheiro de beira de estrada ao empresário
de alto coturno.
Ninguém fala do papel que o povo tem no progresso
e nas conquistas brasileiras, superando dificuldades,
enfrentando estradas abandonadas pelo poder público,
portos envelhecidos, impostos escorchantes, altas taxas
de juros e política cambial que muitos apontam
como ruinosa. Apesar de tudo o governo bate recordes de
arrecadação, mas não cuida de conter
despesas governamentais como forma de prever o futuro
do Real e garantir que a inflação não
volte a consumir os salários. Todo o avanço
é atribuído ao presidente da República,
que ultimamente vai até tomando o aspecto de taumaturgo,
daqueles que em certa época viviam a abalar os
sertões nordestinos, esparramado sobre os seus
oitenta por cento de aceitação popular.
A campanha política, no rádio e na televisão,
desvia-se, por um motivo ou outro, do que o povo precisa
ouvir, para se fixarem assuntos supostamente de ordem
religiosa, para agradar esse ou aquele grupo, em discussões
que a nada conduzem porque é impossível
deter a evolução do mundo. É preciso
lembrar que a Terra já foi plana, que Galileu teve
que se humilhar e suportar condenação porque
disse que os astros se moviam e se existiu instituição
intocável, neste país, foi a do casamento,
que não resistiu e tombou, apesar da ferrenha e
às vezes amedrontadora campanha movida contra o
divórcio, hoje banalizado e facilitado por legislação
cuja validade ninguém discute, que apeou o casamento
do pedestal de instituição sagrada para
lhe dar a verdadeira, banal e muitas vezes incômoda
condição de simples contrato civil, facilmente
rescindível, até sem motivo, a qualquer
tempo.
O que deve preocupar, agora, o povo brasileiro, é
a quem vamos entregar os destinos da pátria nos
próximos anos, o que significa entregar o destino
de cada um de nós. Há muita coisa em jogo.
É certo que Lula foi eleito. Mas já era
sobejamente conhecido. Começou nas lutas sindicalistas
de São Paulo, participou da fundação
de partido político, elegeu-se deputado federal
e foi candidato à presidência duas vezes
antes de ser eleito. Sua ascensão à chefia
do país não deixou de ser risco que deu
certo, em boa parte, mas não justifica, agora,
que o presidente nos imponha perigoso salto no escuro.
Apesar de todo o carisma que o presidente tem demonstrado
no decorrer de sua vida pública, sustentado pelas
bolsas que vem distribuindo, não podemos aceitar
que tire candidata do bolso do colete, quando nem colete
usa, e a imponha ao povo brasileiro com base, exclusivamente,
na popularidade que angariou nos seus quase oito anos
de poder.
Nem durante a Velha República há notícia
de candidatura imposta de forma tão deslavada,
como a que o presidente apresenta, cujas virtudes seriam
as do governo quase defunto. Não é argumento
a que se possa dar validade e crédito.
Devemos pensar em nosso futuro.
PLÍNIO,
O VELHO, E OUTROS SUJEITOS
“A
vida há de te ensinar!”. O vaticínio
(há outros semelhantes), comum entre nossa gente,
dirigido a pessoas incorrigíveis ou merecedoras
de punição, revela que sempre resta a esperança
de que a experiência endireite tortos ou imponha
sofrimentos ao culpado, o que nem sempre ocorre. A crença
de que a humanidade aprende com os percalços da
vida cresceu quando Plínio, o Velho, descobriu,
na sua famosa “História Natural”, que
o homem é o único bicho incapaz de aprender
qualquer coisa, sem ensinamento, a não ser chorar.
Certamente que fatos, circunstâncias, conjunturas,
sucessos e situações sempre trazem no bojo
avisos, lições e alertas na grande universidade
da existência, nem sempre observadas e aprendidas
porque na vida existem, além dos fatores imponderáveis,
aqueles que dependem do destino, outros, frutos da própria
natureza do homem como a avareza, a cupidez, a vaidade,
o orgulho, a auto-suficiência, que levam à
falsa avaliação do próprio poder,
talento e importância perante a comunidade.
Se todos os fatos da vida encerram lições,
a política partidária, que não sai
do cotidiano, mas ingressou, desde cedo, na vida do povo
brasileiro, inextir-pavelmente, é extenso manancial,
precioso repositório de ensinamentos e lições
que deveriam ser aprendidas, seguidas e observadas por
todos os que militam no difícil e pantanoso ramo,
em que a arte de pular se oferece como das mais complicadas
e de duvidosos resultados.
Mestre do pulo, que alcançou culminâncias,
foi Joseph Fouché. Quase padre, mandou a batina
às favas vendo, na Revolução Francesa,
sua grande oportunidade. Largou afazeres - era professor
de seminário – deixou crescer os cabelos
e ingressou no movimento revolucionário. Não
perdeu o barco. Tornou-se amigo de Robespierre. Começou
a perseguir a nobreza e conseguiu lugar na Convenção
Nacional. Aderiu aos moderados, mas votou pela execução
de Luis XVI. Tornou-se radical. Temendo pela própria
cabeça tentou afastar-se dos acontecimentos exercendo
cargo de segundo escalão, no qual mandou matar
dezenas de pessoas. Apontado como herói que livrou
o povo do Terror, foi chamado a Paris para dar contas
de suas atividades. Temendo a guilhotina, passou a tramar
contra Robespierre que foi guilhotinado. Transformou-se
em servidor do Diretório. Foi nomeado Ministro
da Polícia. Napoleão o manteve no cargo.
Recebeu o título de duque. Conspirou contra Napoleão.
Restaurada a monarquia, Luis XVIII condenou Fouché
à morte. Conseguiu fugir. Reapareceu no governo
dos cem dias de Napoleão e aderiu, novamente, à
monar-quiano seio da qual desfrutou de grande prestígio.
Nem todos os puladores, entretanto, têm a sorte
e a habilidade de Fouché. Fatos recentes mostram
o que está à vista de todos: “quem
pulou se campou” como está a dizer o povo
nas ruas.
Os tempos e os muros são outros. Os fatos, diante
de exame mais amplo, mostram quanto a política
atual se distancia daquela dos tempos de Fouché.
Depois da queda da União Soviética, corroída
nas suas próprias bases, surgiu novo modelo de
partido, que tem paradigma no Partido Comunista Chinês,
em que se permite certa abertura mas se exerce controle
absoluto sobre o que é essencial na economia e
sobre a opinião pública através da
mídia. No cerne do poder político não
há lugar para oportunistas e puladores, desejados
para ajudar, mas impedidos de chegar ao comando por falta
de pedigree.
Não houve recuo mas adoção de nova
estratégia, a da abertura para qualquer adesão
que signifique apoio e avanço econômico.
O poder, entretanto, não pode ser dividido a não
ser entre os genuínos membros do partido. O projeto
está em curso, no Brasil, sob o manto da defesa
dos pobres, e em outras repúblicas sul-americanas,
pacientemente executado em etapas sucessivas. Encontra,
entretanto, umsério entrave: neste país
temos a mania da liberdade.
Eleições
O
processo democrático brasileiro viu-se frustrado
com a Revolução de 1930, que impediu a posse
do presidente eleito, Júlio Prestes de Albuquerque,
e como perecimento da candidatura de Armando Sales de
Oliveira, à presidência, com o golpe de 37,
que estabeleceu, no país, a Nova Ordem fascista,
funesta ameaça que pairava sobre o mundo civilizado
a pretexto de combater o comunismo.
Na campanha de Júlio Prestes surgiu, neste país,
o jingle de propaganda política em disco e no rádio
com samba interpretado por Chico Alves, em que o candidato
era chamado de “caboclo” e de “seu Julinho”:
“Eu ouço falar/ Que para o nosso bem/ Jesus
vai nos ajudar/ E seu Julinho é que vem”.
Antes havia apenas música de chacota ou tentativa
de ridicularizar o candidato, como a marcha entoada, nesta
cidade, em passeata, com a banda da “25 de Março”,
contra Artur Bernardes: “Ai, Seu Mé/ Ai,
MéMé/ Lá no palácio das águias,
olé/ Não hás de por o pé”.
O Brasil, a partir de 1945, com grande euforia da imprensa
e das mulheres, que votaram pela primeira vez, foi invadido
por eleições. Durante o Estado Novo falar
de eleição podia resultar em cadeia. Em
2 de dezembro de 45 elegemos presidente da República,
Eurico Gaspar Dutra, deputados federais e senadores. Em
19 de janeiro de 1947 voltamos às urnas para eleger
governadores, novos deputados federais e senadores, para
atender à Constituição de 1946, deputados
estaduais, além de prefeitos e vereadores.
Neste Município lançaram candidatos à
Prefeitura a UDN, união de quase todas as correntes
que lutaram contra a ditadura, inclusive esquerdistas
moderados, que formariam ala denominada de Esquerda Democrática,
transformada, depois, em Partido Socialista Brasileiro,
e o PTB, que aglutinava antigos partidários da
ditadura getulista.
O candidato da UDN foi Carlos Arthur Rubinos Bahia, vastamente
conhecido e festejado, herdeiro político de uma
das mais importantes figuras da história local,
Bernardino da Silva Bahia. O PTB lançou a candidatura
de Aguinaldo Soares Boaventura. Santa-marense, homem de
grande força física, trabalhador e inteligente.
Gozava da fama de intelectual. Começou a vida vendendo
café que torrava e moía em pilão.
Estabeleceu-se, por fim, com o “Café Aromático”,
na Rua Mal Deodoro, usando vasto e moderno equipamento
industrial em que moía grandes quantidades de café,
arroz e milho. Seus produtos ficaram famosos.
Aguinaldo fez, do “Café Aromático”,
o seu comitê. Combinou, com os amigos, que eram
muitos, que ficariam, durante a campanha, a entrar e sair
do “Café”, passando a impressão
de enorme e diário movimento eleitoral. O PSD,
que já tinha a presidência da República,
maioria no Congresso, havia vencido as eleições
anteriores, dominava a zona rural e mandava nas autoridades,
acovardou-se. Não lançou candidato. Agui-naldo,
quase às vésperas do encerramento do prazo
para o pedido de homologação de candidaturas,
fez largo e demorado passeio de automóvel pelas
principais praças e ruas da cidade, acompanhado
de um dos mais importantes líderes da UDN. Correu
a notícia. No dia seguinte o PSD o apoiou. Venceu
a eleição.
Aguinaldo Soares Boaventura foi, assim, o primeiro prefeito
eleito sob a égide da Constituição
de 1946. Protagonizou vasta gama de episódios que
narrados, hoje, hão de parecer criação
folclórica. Impediu, com tabique, o acesso à
Câmara Municipal, que funcionava no andar superior
da Prefeitura. Repeliu a polícia, vereadores e
populares, liderados pelo delegado João Pereira
Aguiar (Janico), que em dia de pleito costumava usar destacamento
para pressionar eleitores nas seções eleitorais.
Os que se reuniram, raivosamente, à frente da Prefeitura,
querendo invadir o prédio para derrubar o tapume,
fugiram quando o prefeito mandou Missuissa metralhar todo
mundo e o guarda apareceu, na porta da Prefeitura, empunhando
cavaquinho enrolado em jornal velho. Os vereadores, desesperados,
recorreram a Otávio Mangabeira. O governador prometeu
providências, mas consta que lamentou não
poder fazer o mesmo com a Assembléia Legislativa.
A
VIOLÊNCIA NA POLÍTICA
O
golpe, que instituiu a república e baniu o império,
já periclitante, não deixou de ser ato de
violência, que tem sido não desprezível
parte da história republicana brasileira. A renúncia
de Deodoro, eleito indiretamente, e o governo de Floriano,
que sustentou, a ferro e fogo, em episódios de
extrema coragem e audácia, o novo regime e a própria
unidade nacional, como naquele em que o presidente ameaçou
de cadeia os membros do Supremo Tribunal Federal na ocasião
do julgamento de Habeas-Corpus impetrado por Ruy Barbosa
em favor de presos políticos, desdobraram-se, em
todo o território nacional, na luta pelo poder,
em episódios de prepotência e sangue, alguns
a provocar escândalo e protestos com enorme repercussão
na imprensa. Não poucos os que pela gravidade dos
acontecimentos e a grita do povo ingressaram, definitivamente
na história do país.
Acontecia que na época, como ainda hoje, em certos
aspectos, a fonte do poder estava no governo do Estado.
Na República Velha a luta pelo domínio significava
empregos e força, facilidades para ganhos financeiros,
que se resolviam, a nível municipal, no controle
do destacamento policial, na nomeação de
delegados de polícia e até de promotores
e juízes de direito. O chefe político reinava,
soberano, em seus domínios, perseguindo e humilhando,
banindo e matando, quando necessário, os que se
atrevessem a lhe fazer sombra e oposição,
o que não foi, necessariamente, herança
do regime monárquico, sistema unitário,
de rarefeito número de eleitores e demoradas decisões
porque tudo de resolvia na Corte, e nem ocorreu em todos
os municípios, manifestando-se mais forte naqueles,
produtores de riqueza, em que os interesses econômicos
comandavam os políticos e estavam acima das mais
corriqueiras regras de conduta. O exercício da
violência, às vezes exagerado, demonstração
de poder, servia, sobretudo, para manter o eleitorado
sob controle. Na Bahia, espalhados nos sertões,
ainda há lembranças de autoridades expulsas,
sob foguetório e tiroteio, no lombo de burros.
Não era incomum a remoção de juízes
e promotores a pedido de chefes políticos, festejada,
ruidosamente, pelo povo e jagunços agitados e felizes
com o acontecimento.
Em Feira de Santana, que nasceu pobre e pobre viveu a
maior parte de sua história (só ultimamente
muitos ficaram ricos, a maioria de olho no oficial de
justiça portador de mandado de busca a apreensão),
há esparsos casos de prepotência e violência
política, como o da invasão da Intendência,
pela polícia, e o da professora, concursada e empossada
teve negado, pelo diretor da Escola Normal, o direito
ao exercício do cargo por ordem de chefia política.
Há outros. Certa professora, veemente participante
de lutas políticas, durante anos lutou contra certo
chefe local com todas as armas possíveis. Certa
noite, vésperas de eleição, aos berros,
esbaforida – como era de seu hábito –
invadiu a casa do adversário, gritando, quase em
lágrimas, a pedir perdão. Quem a havia perseguido
e prejudicado fora seu próprio chefe, dizia ela,
“aquele miserável” por quem vinha lutando
e criando casos durante tanto tempo.
Se Feira não tem a lamentar, na sua história
política, fatos como o do linchamento de dois sergipanos,
que estavam presos, em 1897, em Araraquara, sob os olhares
coniventes da força policial, fato que comoveu
o país inteiro e provocou protestos, terminando
com a absolvição dos envolvidos em julgamento
arranjado e vergonhoso, não há como ser
complacente com a violência política que
de vez em quando volta a ameaçar a paz social.
É claro, os tempos são outros, mas não
deixam de causar inquietação os excessos
verbais a que se estão entregando vereadores em
seus pronunciamentos na Câmara, havendo até
boatos de que alguns estão portando armas de fogo
nas sessões.
O exercício da vida pública não pode
ser como na fábula de Fedro: pego tudo para mim
porque sou mais forte e valho mais. Não há
lugar para tal espécie de conduta.
O
Cadafalso
Quando
o nazismo ameaçava assoberbar o mundo com intensa
propaganda em torno de grandes progressos e avanços,exibindo,
com extraordinário ufanismo, a “Juventude
Hitlerista”, entativa de reviver antigos gregos
no seu culto à juventude e à higidez física,
no Brasil o “Estado Novo” se esforçava
para imitar o totalitarismo alemão na sua busca
de apoio e empolgação dos jovens, inventando
“A Semana da Pátria”.
Durante a “Semana” estudantes de escolas públicas,
antes da aula, tinham que cantar hinos e marchas patrióticas,
como”O Cisne Branco”, marchando, quando chovia,
dentro da própria sala de classe, à vista
do retrato do ditador brasileiro, obrigatório em
todas as dependências onde houvesse serviço
público. Tudo muito trágico e ridículo,
porque a maioria dos meninos entoava hinos e marchas do
jeito que sabia, quase sempre equivocado.
O dia mais importante, que encerrava a “Semana”,
era o “Sete de Setembro”. Durante vários
dias preparava-se a parada da Independência. As
professoras, temerosas de punições e processos,
ameaçavam os alunos de penas graves, com a anotação
de dezenas de faltas, reprovações e expulsões,
todas capazes de liquidar a vida estudantil de qualquer
um. Da presença, obrigatória, só
escapava quem apresentasse atestado médico de doença
terminal.
No dia da parada, às sete horas, à porta
da escola estavam todos reunidos, em formação
militar, fardamento lavado e passado e galopins, espécie
de tênis primitivo,exigido pelas escolas para o
que se chamava de aulas de educação física.
Dirigiam-se à Praça João Pedreira,
sempre vigiados pelas professoras, a exigir marcha e ordem,
preocupadas, botando os bofes pela boca, com possíveis
punições pelo crime de lesa pátria.
Lá pelas oito horas centenas de crianças
estavam a aguardar o início das solenidades e do
desfile. Carregando, no bucho, apenas o café da
manhã, ficavam, durante horas, a esperar, sob oimplacável
sol destes pagos, sem água e sem direito a sanitário,
em rígida formação, o início
das solenidades, que se desdobravam lentamente. Apareciam
asprincipais figuras da cidade e as lideranças
do ensino, o prefeito, o delegado de polícia, diretores
de escolas, bandas de música, o presidente do Tiro
de Guerra, durante muito tempo o Coronel Honorário,
Álvaro Simões Ferreira, fardado, exibindo
capa semelhante à do Marechal Foch, personagem
famoso da Primeira Grande Guerra, o gerente do Banco do
Brasil, o chefe da Agência dos Corrêios e
Telégrafos, maestros e diretores das filarmônicas,
professores de destaque e grande massa popular, reunidos
no limite entre a Praça João Pedreira e
a Avenida do Senhor dos Passos. Alí instalava-se
atribuna de madeira do salão principal do Ginásio
Santanópolis, havia discursos laudatórios,
entoava-se o Hino Nacional e só então tinha
início o desfile, já perto do meiodia. Àquela
altura dos terríveis acontecimentos a sede atormentava
a meninada, a grande vítima dos arroubos patrióticos.
Começava a interminávelparada. Marchavam,
algumas escolas, enfeitadas, ao som de cornetas, caixas
de guerra e tambores. À frente, o Tiro de Guerra,
orgulhoso, seguido dos principais colégios. A meninada
ignara, desorganizada e já trôpega fechava
o desfile. Houve, certa época, acirrada disputa
entre a Escola Normal e o Ginásio Santanópolis
para a conquista dos louros de quem se apresentava melhor.
Passarama usar “balizas” de pernas de fora
e bicicletas, poucas, mas já representavam enorme
progresso e motivo de ufanismo.O povo batia palmas entusiasmado.
A imprensa está a noticiar que se organiza, nesta
cidade, desfile que deverá ocorrer no dia 18, do
que se denominou de “Escola na Avenida”, com
a participação do Exército, Guarda
Municipal, SMT, Corpo de Bombeiros, escolas e diversas
entidades privadas, inclusive a Academia Feirense de Letras.
O desfile recebe, este ano, a designação
de “Escola em Movimento”, o que significa
perigo. Que marchem os militares. São adultos,
estão treinados. Marchem os intelectuais da Academia.
Têm letras para gastar. Sejam poupadas, entretanto,
desses tormentos, as crianças das escolas. Os Hitlers
e os Getúlios felizmente desapareceram. Quem desejar
cadafalso naquele sentido primitivo de palanque, para
aparecer, que nele suba sozinho.
O
BANDO ANUNCIADOR
Horário
radiofônico de grande prestígio está
levando ao ar quadro em que pretende, evocando fatos dos
nossos costumes e de nossa história, cuidar da
preservação da memória feirense.
Um desses dias tratou do “Bando Anunciador”,
evento destinado a chamar as atenções populares
para as festas em homenagem à Padroeira do Município.
O “Bando”, antigamente, era realizado em tarde
de domingo. Ninguém anunciaria o que quer que fosse
de madrugada, com as ruas vazias. À frente do “Bando”,
bandeiras, membros da comissão, que distribuíam
impressos com o programa da festa, que despertavam grande
interesse entre os partidários das bandas, porque
continham a escala de apresentação das filarmônicas,
no coreto da praça da Matriz, e a ordem de sua
colocação na grande procissão do
encerramento da festa, que sempre ocorria na terça-feira
que se seguia ao domingo da missa solene. Importante,
também, a relação dos pregadores
que iriam atuar na novena e na missa.
O atual “Bando-Anunciador”, criação
de pessoas ligadas à UEFS, ou da própria,
foi dito, vai para as ruas às sete horas porque
o horário primitivo, o das quatro da madrugada,
foi julgado perigoso.
Incrível como a nossa memória é curta,
não alcançando o que ocorreu há mais
de quarenta anos, dando lugar a invencionices como a da
fundação da cidade por Domingos Barbosa
de Araújo, com ares de versão oficial, e
a do chamado “casarão”, que teria sido
a morada do fundador.
Provocou o engano, talvez, o fato de que no mês
que antecedia a festa, até o início da novena,
antigamente, toda madrugada de domingo era marcada pela
presença, nas ruas centrais da cidade, de ruidoso
grupo de foliões fantasiados, dançando e
cantando ao som de terno de barbeiros (zabumbeiros) oriundos
dos distritos de Santa Bárbara, Tanquinho, Bonfim
de Feira e até de outros Municípios.
Os barulhentos grupos matutinos saiam da Praça
da Matriz depois de foguetório. Eram formados de
rapaziada, que permanecia na farra, desde a noite do sábado,
esperando a hora, e aparecia, sem máscaras, mas
envergando roupas femininas que tomava por empréstimo
nos diversos e acolhedores becos do centro da cidade,
e de todo tipo de gente. Havia participantes que se disfarçavam
de tal forma, com máscara, macacões folgados
e luvas, que ninguém neste mundo seria capaz de
lhes adivinhar sexo e idade. Mas, dançavam e cantavam
durante horas seguidas. Em certas ocasiões até
quando o sol já ia alto.
Dizia-se, na época, que senhoras da sociedade participavam
dos bandos matutinos somente para visitar, com a identidade
preservada, as instalações do badalado “Cassino
Irajá”, motivo de desejo e de intensa curiosidade
de muita gente sobre o que ali havia de interessante e
de atraente, o que teria levado grandes grupos de mocinhas
a se acotovelar na torre da Igreja de N.S.dos Remédios,
durante as Trezenas de Santo Antônio, na tentativa
de vislumbrar, pelo menos, alguns aspectos do interior
do piso superior do “Cassino”, ou, quem sabe,
surpreender alguém protagonizando cena proibida
para menores.
A vedação dos festejos populares dedicados
à padroeira, façanha da Igreja com a conivência
da Prefeitura, nem carpideiras gratuitas teve. Em outras
localidades poderia resultar em graves protestos, conflitos
e atos de violência. A proibição,
que tinha seus motivos, todos contornáveis, certamente
contribuiu, também, para a confusão entre
“Bando Anunciador” e os outros, matutinos,
que durante muitos anos deram força e entusiasmo
às festas de Sant’Ana, por muito tempo as
mais empolgantes e concorridas do interior do Estado.
A
COLCHA DA POLÍTICA
Colcha
de retalhos já foi coisa de gente pobre, obra de
costureiras, que aproveitavam restos de panos usados em
confecções e laboriosamente os iam reunindo
em peças para cobrir cama ou mesa. As costureiras
quase desapareceram do cenário urbano, vencidas
pelas “roupas feitas”, que passaram a encher
lojas cada vez mais sedutoras, contando com o fascínio
da moda, das marcas famosas e dos crediários a
perder de vista. Colchas de retalhos, quando chegavam
a ocupar lazeres de casas prósperas, eram vistas
e admiradas como verdadeiras obras de arte, formato como
são, hoje, desejadas e oferecidas, à venda,
com desenhos variados e atraentes, por comércio
badalado no mundo feminino.
Nos tempos em que apenas serviam para disfarçar
pobreza e enganar friagens invernais, a colcha de retalhos,
na analogia do povo, passou a dar nome a toda mistura,
sem rumo e sem método, de ideias, pessoas e coisas.
Na confecção das primitivas colchas não
se obedecia a modelo, nem tecidos eram selecionados. Os
retalhos iam sendo costurados, uns nos outros, à
medida em que apareciam, sem ordem e sem plano pré-estabelecido,
respeitando-se, apenas, no que concernia à forma,
as dimensões que se desejava dar à peça,
elaborada com todas as cores, matizes e estampas disponíveis,
com o que a obra tomava, não raro, aspectos de
aparato de festa de São João.
Neste Município, com a aproximação
do pleito, o panorama político assume feição
de desordenada colcha de retalhos sem nenhum respeito
à Geometria, com declarações inacreditáveis,
inesperadas defecções, adesões e
apoios em outros tempos intoleráveis e desgastantes,
provocando surpresas e embasbacando o homem comum, que
de repente se vê diante de um ser ou não
ser muito além de seu fraco entendimento.
Tudo, entretanto, é o que dizem os interessados,
se faz em favor do povo e do Município visando
à conquista de obras e benefícios públicos,
todos eles, por enquanto, consubstanciados em doces e
alentadoras promessas.
Não queremos afirmar que o fenômeno é
desconhecido e está a criar nova ética na
arte da política. Pelo contrário, sempre
houve mudanças de rumos, limitadas, é verdade,
mas, em regra, de forma total, completa, indiscutível
e iniludível, a não deixar dúvidas
sobre a posição que cada um assumia, diferente
de hoje, quando testemunhamos verdadeiros cismas, talvez
comparáveis ao que ocorreu com as tribos de Israel,
quando alguns não resistiram aos bezerros de ouro
de Joroboão. Resultado: terminaram escravizados
no Egito.
A verdade é que ninguém pode apoiar facções
conflitantes sob pena de passar a certeza de que está
tapeando ou tentando tapear pelo menos uma delas. Embora
Maquiavel tenha ensinado que o sujeito que engana sempre
encontrará alguém que se deixe enganar,
podemos parafrasear provérbio de Marcial e repetir
o que todo mundo sabe: partidário de todos, partidário
de ninguém.
De toda a balbúrdia e confusão que se está
armando na política local, com possíveis
reflexos nos rumos do Estado da Bahia, diante do desmantelamento
dos partidos e do dilúvio que os vem matando, a
atual arca de Noé não pode oferecer lotação
ilimitada. As restrições, ferozes, aparecerão
em tempo oportuno.
Constatada a bagunça, que caminho terão
que seguir os moradores desta terra mui amada em virtude
dos seus mais de trezentos mil eleitores? Certamente o
de cuidar dos interesses da terra e do seu povo, que sobreviverão
a toda confusão armada na política, tratando
de reforçar a presença, a força e
a voz de Feira na Câmara Federal, mas, sobretudo,
no Senado da República, elegendo, para a Câmara
Alta, representante que possa garantir, passadas as eleições,
que Feira não seja esquecida e abandonada pelos
que têm as chaves dos desejados cofres federais.
MEDIDA
SALVADORA
A
história humana pode ser resumida no estudo das
invenções e novidades que têm abalado
o mundo e provocado transformações.
Inventos e descobertas não apenas garantem o progresso
constante, mas o predomínio da raça humana
sobre os demais bichos da natureza, exceto, talvez, a
linhagem do mosquito aedes.
A invenção da lança, que nos deu
facilidades para matar os semelhantes e caçar animais
de grande porte e o uso do fogo, presente de Prometeu,
que depois de criar o homem, do limo da terra, deu-lhe
vida, inteligência e capacidade de lesar o próximo
com fagulha que roubou do Sol, tiveram larga repercussão
no desenvolvimento humano, que cresceu com a pólvora,
facilitando vastas matanças superadas, apenas,
pela bomba atômica e pelos micróbios causadores
de doenças, de cuja invenção ninguém
cogita, atribuindo-a, sem grandes argumentos, às
artes do demônio.
Descoberta que abala o mundo, aperfeiçoada pelos
antigos gregos, superando o cinema, a televisão,
o computador e as máquinas caça-níqueis
é a de que o ser humano é dois em um, dividido
em corpo mortal e alma imortal, o que deu lugar ao aparecimento
de centenas de pessoas e organizações destinadas
a orientar e dirigir a alma no caminho de alojamentos
confortáveis, ventilados e seguros, mediante o
pagamento, em vida, de módicas prestações
mensais, diferentes do velho e providencial Caronte, que
fazia o transporte, para o outro mundo, sem promessas,
cobrando, apenas, três moedas.
A mais sensacional invenção dos últimos
tempos, entretanto, é a do telefone celular. Tudo
teria começado com o italiano Graham Bell, mas
há quem diga que o verdadeiro inventor do telefone
foi um padre de Santa Catarina.
O celular transformou-se, rapidamente, em objeto de desejo
de todos os viventes. De tamanho reduzido, brilhantes,
atraentes na forma, accessíveis de preço,
os celulares fazem quase tudo, faltando-lhe, apenas, fritas
batatas para o tira-gosto.
Há pessoas que andam com dois ou três celulares,
que exibem em balcões e mesas de botequins, como
prova de seus grandes negócios e enormes responsabilidades.
Como toda novidade que abala as estruturas tradicionais,
o celular tem enfrentado restrições e combates.
No início disseram que seu uso causava tumores
cerebrais, impotência e doenças cardíacas.
Ultimamente surgiu feroz combate às torres transmissoras
dos sinais dos celulares, capazes, segundo alguns, de
matar sem grande burocracia, o que nos leva a mais um
paradoxo: todo mundo quer celular, mas ninguém
quer as torres.
Trilhando outro íngreme caminho, o do combate ao
crime, do qual não se deve afastar a presença
de quem manda e como conseqüência proíbe,
a Câmara Municipal acaba de aprovar pitoresco projeto
de lei, que veda o uso de telefones celulares não
perto, na frente, ao lado, no sanitário ou nos
fundos, mas no interior de agências de banco. A
medida encerra duvidoso intuito, o de extinguir o crime
denominado de “saidinha bancária”,
que no cômputo dos delitos contra o patrimônio,
nesta cidade, ainda que entrem na conta as simulações,
não chega a um por cento.
À nova providência salvadora ninguém
pode negar certo conteúdo poético e vida
breve mas é inconstitucional na medida em que restringe
o direito de livre comunicação, entre as
pessoas, garantido na Constituição da República.
TIPOS
POPULARES
Todas
as épocas e todas as comunidades têm seus
tipos populares. Alguns desfrutam de fama e notoriedade.
A maioria, entretanto, desparece no turbilhão da
vida muito mais rapidamente, hoje, do que em outros tempos.
O Rio de Janeiro, nos anos trinta, conheceu o dr. Jacarandá,
negro, imponente de porte, advogado no foro criminal,
portador de vozeirão e barba em ponta, que andava
de monóculo no olho esquerdo, sobraçando
velha pasta, envergando sobrecasaca fora de moda, ostentando,
no indicador da mão direita, enorme rubi de pechisbeque.
Sua linguagem era extraordinariamente pitoresca, mas citava
de cor artigos do Código Penal e frases em Latim,
despertando curiosidade e sorrisos irônicos dos
bacharéis formados. Um deles ameaçou o dr.
Jacarandá de processo pelo uso indevido do título
de doutor. Jacarandá, entretanto, defendeu-se dizendo
que o “doutor” não passava de apelido
da infância.
Narra Pedro Paula Filho que a banca do dr. Jacarandá,
que jamais passou dos bancos da escola primária,
era muito concorrida e suas petições sempre
encaradas de boa vontade pelos juízes, espacialmente
as de Habeas-Corpus. Sua figura singular nos leva a lembrar
outro conhecido advogado popular, que militou na Bahia,
durante muitos anos, ganhando o respeito e admiração
do povo, sem o espalhafato e sem o título que caracterizavam
o dr. Jacarandá, sempre vítima da molecagem
das ruas, que constantemente lhe pregavam peças,
obrigando-o a recorrer ao “colega”, delegado
de polícia mais próximo, solicitando proteção.
Apesar de tudo o dr. Jacarandá teria conseguido
muitas vitórias no Tribunal do Júri, ninguém
sabe como, e pretendeu ingressar na política quando
se lançou candidato ao governo do Distrito Federal
com plataforma eleitoral que tinha por base a defesa “dos
direitos das senhoras prostitutas”.
Em Feira tivemos, também, um “doutor”
notável, o dr. Praxedes. Negro, nasceu na escravidão.
Menino ainda manifestou, ostensivamente, suas preferências
pela banda da Sociedade Filarmônica 25 de Março,
para contrariedade e irritação de seus senhores,
apaixonados partidários da Sociedade Filarmônica
Vitória, que pretendiam vendê-lo desde que
fosse para longe da cidade, num tempo em que havia grande
rivalidade entre as bandas de música, o que levou
inflamados partidários da “25” a se
cotizarem para alforriar o dr. Praxedes, que passando
a gozar de liberdade, participava de todas as apresentações
da “25 de Março”, marchando à
frente da banda sempre vestindo surrado fraque e chapéu
alto, tornando-se presença obrigatória e
simpática onde a “25” de apresentasse.
No passar do tempo as bandas de musica de Feira tiveram
outros Praxedes, pessoas perrnanentemente prontas para
ajudar, carregado pastas com as partituras, engrossando
o número de adeptos nos “vivas” às
cores de sua preferência e nos desaforos às
bandas adversárias, conduzindo e soltando fogos
de artifício e participando das desavenças,
que às vezes resultavam em vias de fato. Desapareceram
da memória consumidas pelos novos tempos.
O
PASSADO GUERREIRO
A
história das comunidades é sempre cheia
de hiatos, omissões, suposições,
fantasias e lendas na maioria das vezes criadas pela imaginação,
interesse ou crença de alguns, ou são decorrentes
da incapacidade de muitos para o trabalho da pesquisa
e do raciocínio que os leva a aceitar o que está
estabelecido como verdadeiro sem indagação
e sem dúvidas, as únicas virtudes que em
verdade colocam o gênero humano pouco acima da debilidade
mental.
A trajetória do Brasil está cheia de dúvidas,
a começar de fatos importantes, como o do descobrimento,
se foi por acaso ou simples ato de posse; o Grito de Independência,
verdade ou lenda, que ganhou corpo com um quadro do pintor
Pedro Américo, e se o Mal. Deodoro, monarquista
e amigo do Imperador, no 15 de novembro agiu por convicção
ou se procedeu, de saúde gravemente abalada, por
imposição de irredutíveis companheiros
de armas.
Feira de Santana, como qualquer outra comunidade, também
possui seus mitos, uns antigos e outros quase recém-criados.
O primeiro, talvez o mais persistente, é o de Domingos
Barbosa de Araújo e Ana Brandão, que ganhou
força porque envolve algo de enternecedor e cheio
de religiosidade, a história da Vila que teria
nascido à sombra de uma igreja, quando nem igreja
havia, então, mas simples e pobre capela de fazenda
sertaneja do século XVIII.
A lenda do nascimento de Feira tentou ganhar força,
recentemente, com outra, a do casarão dos Olhos
d’Água, felizmente desmascarada a tempo.
Enquanto as lendas ganham corpo e força, por conta
de que acreditar é fácil e cômodo,
fatos e pessoas importantes na vida do Município
são esquecidos e sepultados como os graves acontecimentos
da revolta que tomou o nome de Sabinada, cujo aniversário,
até 1.900, pelo menos, foi aqui comemorado com
festa, discurso, bandeira e hino, conforme “O Progresso”
de 8 de novembro daquele ano.
Segundo o jornal, a regência do Pe. Feijó
teria suscitado forte oposição e a Sabinada
foi urdida entre altos escalões do Império.
Estourou em Salvador, sob a liderança do Dr. Francisco
Sabino Álvares da Rocha Vieira, em 1837 e chegou
a assumir o governo da Província. À falta
de objetivos definidos, característica, em geral,
dos movimentos revolucionários brasileiros, enquanto
tentava resolver se proclamava, ou não, a independência
da Bahia, e por qual sistema de governo optava, república
ou monarquia, o poder central reagiu e derrotou os insurgentes.
Na Vila de Feira, tropas de Higino Pires Gomes, que aderiram
à Sabinada, foram combatidas e vencidas em batalha
travada contra forças legais em Terra Dura, freguesia
de São José das Itapororocas.
Combates outros havidos em Feira foram registrados por
historiadores como Arnold Silva e José Álvares
do Amaral.
Narra, “O Progresso”, que as forças
imperiais, depois de praticar toda sorte de violências,
retiraram-se desta Vila em 24 de janeiro de 1838, conduzindo
os últimos prisioneiros, entre os quais o Alferes
Barauna, que teria comandado tropas insurretas em Terra
Dura, lamentando o povo a longa procissão dos presos,
que eram levados à corveta. Tratava-se da Corveta
Presiganga, ancorada na Bahia de Todos os Santos, a bordo
da qual revolucionários foram submetidos a tormentos.
Foi barbaramente espancado o conhecido compositor e letrista
Domingos da Rocha Mussurunga.
Todos os dias, afirmava-se, abriam-se os porões
da Presiganga e cadáveres de prisioneiros mortos
de fome, sede e espancamentos eram atirados ao mar.
Em toda a Província o número de prisioneiros
teria passado dos três mil. Morreram mais de mil
combatentes. As armas usadas eram as carabinas de pedra,
baionetas, outras armas brancas e peças obsoletas
de artilharia, às vezes tomadas à unha.
O comandante em chefe das forças legais na Bahia,
Mal. João Crisóstomo Calado, em relatório
ao Ministério da Guerra narra a selvageria dos
recontros em que “as armas se disparavam, mutuamente,
sobre os peitos de vencedores e vencidos”.
Feira tem o seu passado guerreiro, que não deve
ser esquecido.
AGUACEIROS
E REMENDOS
O
progresso, tantas vezes descompassado, sempre oferece
perigos e cobra seu preço quando açodado,
sem bases evolutivas suficientes, e se desenvolve sob
influências alheias à sua própria
dinâmica.
Feira de Santana é exemplo. Cidade pobre, sem oferecer
grandes perspectivas de desenvolvimento, situada à
beira de sertão ainda pouco promissor, de estradas
precárias, onde reinava o atraso no comércio
e nos serviços públicos, em poucos anos,
a partir da década de sessenta, teve que se adaptar
ao ritmo frenético que a assaltou, sem alicerces
sólidos, mas a transformou na grande força
motora da economia sertaneja, com o aumento incomum da
população e o invulgar crescimento das atividades
laborais. Em pouco tempo trocamos as tendas de artistas
(sapateiros, alfaiates, seleiros, ourives, marceneiros,
etc.) por grandes e por vezes luxuosas casas comerciais.
Surgiu a indústria e apareceram os empórios.
A população, crescente, fascinada pelas
novidades do progresso trazidas pelo desenvolvimento dos
meios de comunicação, tangida pelas necessidades
ditadas pelo bem estar do povo, passou a pressionar o
governo municipal, e com tal forma, que prefeitos, alguns
deles, tiveram que aderir à onda civilizatória
e à frenética transformação
que tomou conta de Feira de Santana, e adaptar metas de
governo às novas exigências da comunidade,
queimando etapas e vencendo dificuldades como a decorrente
de arrecadação incapaz de fazer face, inteiramente,
às providências e obras que o povo e os novos
tempos reclamavam.
O exemplo está na pavimentação. No
começo poucas ruas eram pavimentadas, algumas,
a pedras irregulares, como a Marechal Deodoro, a Gal.
Pedra (o Beco do Bom e Barato) e a Sales Barbosa. A paralelepípedos,
apenas a rua principal, a Conselheiro Franco.
O asfalto, até meados dos anos sessenta, não
passava de sonho. Sabia-se, entretanto, que asfalto não
se dá bem com água, além de ter curto
prazo de validade. Feira não é, exatamente,
o deserto do Sahara, mas sempre foi território
sujeito a estiagens e secas que costumam devastar os sertões.
Quando o prefeito João Marinho Falcão inaugurou
o SAMA, o primeiro serviço de água da cidade,
causou impacto além de quase extinguir a classe
dos aguadeiros (indivíduos que vendiam água,
a domicílio, transportada em barris, no lombo de
jumentos, ou em tanques de metal, em carroças).
A cidade sempre padeceu de falta de água, precariamente
fornecida à população por tanques,
aguadas e cisternas.
Em 1909 o prefeito, Cel. Ábdon Abreu, criou caso
com o dono de “O Propulsor”, Demétrio
Ignácio de Araújo Pires, conhecido por Demétrio
Fuão. O prefeito requisitou força policial
e mandou apreender cartazes de propaganda política
que Demétrio mandara afixar na cidade. Foi o bastante
para “O Propulsor“ desancar o prefeito, acusando-o
de roubalheira nas obras de limpeza do Tanque da Nação.
Demétrio impetrou ordem de Habeas-Corpus preventivo
ao Juiz de Direito da Comarca, Dr. Jacinto Ferreira, em
favor de Ciríaco de tal, encarregado de colar os
cartazes. A ordem foi negada. Estabeleceu-se, então,
intensa polêmica envolvendo “O Propulsor”
e “O Município”, jornal do prefeito,
em que nem o juiz foi poupado. A luta, grave, que chegou
a envolver fatos da vida pessoal e familiar do prefeito
e de Demétrio, alcançou exageros inimagináveis
na imprensa de hoje.
O Tanque da Nação, um dos mais importantes
fornecedores de água da cidade, que o prefeito
tentava limpar, durante muito tempo serviu para disseminar
esquistossomose, febre amarela e dengue entre a população
local. Desapareceu, em parte, aterrado. O buraco, que
restou, aproveitou-o a Prefeitura para a construção
do Centro de Abastecimento.
A verdade é que água, nesta cidade, nunca
foi fácil e, muito menos, higienicamente confiável.
Agora, que São Pedro resolveu nos dar prolongada
e intensa quadra friorenta e chuvosa, o asfalto, que cobre
nossas ruas, está gravemente esburacado ou dissolvido,
com prazo de validade vencido, em parte, ou porque não
foi posto para suportar muita água, como, aliás,
paredes, telhados, portas e janelas de muitas das nossas
edificações.
O remédio, agora, é remendar o que for remendável
e refazer o que não aceitar remendo.
A
LEI DA FICHA LIMPA
As
notícias, surgidas daqui e dali, sobre políticos
que o Judiciário livrou das restrições
da Lei Complementar de n.º 135/10, a chamada lei
da ficha limpa, que altera a Lei Complementar de n.º
64/90, que estabelece casos de inelegibilidade e outras
coisas, encerram, como são levadas ao público,
certa dose de velada censura ao Judiciário a um
povo que aparentemente, pelo menos, deseja afastar de
cargos públicos elegíveis indivíduos
acusados da prática de condutas legalmente puníveis.
A Lei nasceu de projeto de iniciativa popular, com milhares
de assinaturas de eleitores, e foi aprovada, a toque de
caixa, no Congresso Nacional, premido pela proximidade
das eleições, demonstração,
um tanto ou quanto preocupante, dos excessos a que pode
chegar o povo, mormente movido pela revolta, e da incrível
flexibilidade do Legislativo ao se curvar às medidas
demagógicas, flexibilidade que se estende ao presidente
da República, que poderia exercer a sua prerrogativa
de veto aos dispositivos inconstitucionais da nova Lei,
mas não o fez, dando a entender que diante da conquista
da simpatia e do voto, a Constituição pode
ir para o lixo.
O problema, levantado na lei da ficha limpa está,
principalmente, na inelegibilidade daqueles que têm
“representação julgada procedente
pela Justiça Eleitoral, em decisão (...)
proferida por órgão colegiado, em processo
de apuração de abuso de poder econômico
ou político”... que entra em conflito com
festejado e universalmente aceito dispositivo constitucional
que assegura que “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória”.
O Judiciário, aos poucos, antes de pronunciamento
final e definitivo do Supremo Tribunal Federal, antecipa-se
na defesa de preceito constitucional que deveria ser respeitado
principalmente pelo povo, a principal vítima dos
atos de arbitrariedade de país que se desenvolve
à margem da lei.
A primeira decisão do Judiciário sobre o
assunto, que abriu caminho para outras, foi a do caso
de senador, condenado por ter usado propaganda institucional
em proveito próprio, quando prefeito em seu estado,
mas recorreu da decisão de colegiado e está
a aguardar novo julgamento.
Se condenação sub-judice pudesse vingar
contra preceito constitucional, poucos seriam os chefes
de executivo, neste país, a se livrar da inelegibilidade,
embora a prova do dolo, a não deixar dúvida,
em casos do abuso do poder político, sempre se
mostre tormentosa e difícil e não devemos
esquecer que a política partidária é
dada a exageros, simulações e fraudes, que
podem levar julgamentos a erros e injustiças que
somente o próprio Judiciário pode consertar.
O entusiasmo popular em torno da lei da ficha limpa, entretanto,
deve ser perdoado. A revolta é tão grande
contra o pouco caso que se faz da lei, em geral, e do
patrimônio alheio, público ou privado, que
o povo só pensa em punição, ainda
que inconstitucional, ilegal ou arbitrária, esquecido
de que os direitos, as garantias individuais do cidadão
devem ser defendidas e preservadas, acima de tudo, sejam
quais forem os avanços da criminalidade, que atingindo
toda a sociedade brasileira, faz as suas incursões,
tantas vezes vitoriosas, nos meandros da política
partidária, mas deve ser combatida com providências
legítimas, que não ponham em risco os direitos
dos cidadãos e o primado da Constituição
Federal.
O Judiciário, mais uma vez, felizmente, cumpre
o seu papel saneador em defesa do pacto federativo.
HISTÓRIAS
DA PREFEITURA
Em
1905 vasta área das avenidas do Senhor dos Passos
e de Getúlio Vargas, nesta cidade, era ocupada
pela chácara do médico Gabriel Gomes Pereira,
local onde hoje estão localizados o prédio
da Prefeitura e a Igreja do Senhor dos Passos.
Na época, o Asilo de N. S. do Lourdes, uma das
grandes obras do padre Ovídio de São Boaventura,
funcionava em sobrado alugado, na rua Conselheiro Franco,
visinho ao qual, e para servir, principalmente, ao Asilo,
construiu-se a Capela de São Vicente, parada obrigatória
da tradicional Procissão dos Fogaréus. A
Capela desapareceu quando foi construído o prédio
do centro empresarial “Mandacarú”,
que também deu sumiço ao sobrado, onde funcionou
a famosa “Pensão Universal” da poetisa
e musicista Georgina de Mello Erismann.
O Asilo, que realizou obra social de vulto, ainda não
devidamente estudado e avaliado, obra de um homem que
viveu e trabalhou muito além de seu tempo, o padre
Ovídio, sustentava-se de esmolas e de parcas subvenções
do poder público. Natural, portanto, que a comunidade
se preocupasse com a sua sobrevivência. Cuidou-se,
então, de lhe dar casa própria.
Daí, que a Câmara Municipal votou a Lei de
n.º 112, de 22 de setembro de 1905, que autorizava
a Intendência a desapropriar a chácara do
Dr. Gabriel para ser aforada ao Asilo N.S. de Lourdes,
contra o que reagiu o proprietário, que ingressou
em juízo com Interdito Proibitório contra
o Município de Feira de Santana, em petitório
do advogado Agnelo Ribeiro de Macedo.
Nas suas alegações o dr. Gabriel e esposa
alegaram ser senhores e possuidores, por tempo superior
a vinte e cinco anos, de “terreno murado e cercado,
nos fundos da casa de sua residência na rua denominada
Senhor dos Passos, nesta cidade, e estão ameaçados
de grave ofensa por parte da ré (a Intendência)
a qual, em virtude da Lei n.º 212 de 22 de setembro
de 1905, pretende desapropriar o terreno da roça
dos autores pelo alinhamento do lado do norte do sobrado
do dr. Jacinto Ferreira da Silva até encontrar
o leito em construção da Estrada de Ferro
do prolongamento, para o fim se ser o terreno aforado
ao Asilo N. S. de Lourdes para a edificação
do novo prédio do mesmo Asilo”.
O dr. Jacinto Ferreira foi juiz de direito desta Comarca,
pai de Maneca Ferreira, que dá nome ao circuito
da Micareta, e avô do jornalista Oydema Ferreira.
O juiz, na época, o dr. Souza Dias vítima
de cáusticos epigramas do jornalista Cristovão
Barreto, deu por improcedente a pendência, o que
provocou largos comentários da imprensa local.
Defendeu os interesses do Município o advogado
Miguel Ribeiro de Oliveira.
A casa do dr. Gabriel situava-se exatamente onde hoje
estão as “Lojas Americanas”. Já
foi sede do “Cine Timbira”. Antes funcionou
como internato do Ginásio Santanópolis.
A construção do prédio do Asilo deslocou-se
para as proximidades do início da Avenida do Senhor
dos Passos. No terreno, que pertenceu ao dr. Gabriel,
construiu-se a Prefeitura e abriu-se a avenida que posteriormente
tomou a denominação de Getúlio Vargas,
com a demolição da primitiva capela do Senhor
dos Passos, à frente da qual havia cruzeiro erguido
sobre o pedestal azulejado que ficava situada no centro
do início da atual avenida.
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SÃO
JOÃO, HÁBITOS E COSTUMES
Os
costumes mudam, transformam-se, como hábitos e
usos, no decorrer do tempo e ao influxo dos acontecimentos
que atingem a sociedade. Embora se diga que hábito
prende-se à atividade individual de cada um, sem
juízo de valor, como o hábito, que abrange
uma comunidade, o costume, ao contrário de hábito
o uso, tem que ter um certo conteúdo moral, decorrente
da religião, da política ou da tradição.
Há, no costume, processo de imitação
coletiva, forma específica de ordem existencial
de grupo, sob a influência, principalmente, de dois
fatores essenciais: as formas estabelecidas e a opinião
pública, que ora se manifesta como forças
conservadoras, ora como inovações ou tentativas
inovadoras ditadas pelas transformações
sociais.
As festas de junho, nordestinas, que abarcam todo o interior
da Bahia, podem ser apontadas como costumes, que já
gozam de enorme prestígio entre o nosso povo, destacando-se
os tributados a São João, que assumiram
cunho nitidamente popular com suas fogueiras e foguetórios,
mas sem perder a influência religiosa.
As fogueiras, os fogos de artifício, as quadrilhas
caracterizaram a festa durante séculos, tiveram
tal importância que criariam, em certa época,
ciclos de músicas juninas, como acontecia no carnaval,
cantando as lendas que o povo desenvolveu em torno do
santo casamenteiro, Santo Antônio, de São
Pedro, que tem a guarda das chaves do céu e de
São João, que dorme, durante a noite de
sua festa, por determinação de Nossa Senhora,
porque, se acordado ficasse, diante da beleza das comemorações,
poderia fraquejar, perder o juízo e entrar na folia.
Hoje, provavelmente, cairia no forró.
O São João já foi festa doméstica.
Cada família tinha fogueira, mesa de canjica, milho
assado, amendoim e bolos de puba, de aipim e de milho.
Licores de todo gênero, mas, principalmente, de
genipapo, fogos conforme as posses e os entusiasmos de
cada um. Pessoas se reuniam para comer, beber, pular fogueira
e namorar. Não foram poucos os casamentos que surgiram
de festas de São João.
As fogueiras, nesta cidade, tomavam as ruas, cheias de
denso fumaceiro da queima de madeira e dos fogos. De tal
sorte se desenvolveram que a Prefeitura certa ocasião
determinou que se protegesse o calçamento usando
camada de areia no local das fogueiras, determinação
a que ninguém obedeceu.
O automóvel expulsou as fogueiras para sítios,
fazendas e chácaras. As chácaras já
foram moda e já deram status nesta cidade. Praticamente
desapareceram depois de provocar a quebra de muita gente.
Sumiram, também, as manifestações
domésticas. Ninguém vai abrir as portas
da casa, para festas, sem a certeza de sofrer dissabores,
assaltos e, provavelmente, morte violenta.
Os céus, cheios de balões, inspiradores
de inúmeros poetas e sonhadores, como os fogos
de artifício, foram incluídos no rol das
coisas perigosas e eliminados. Os foguetórios ainda
existem, mas somente no futebol e na política.
O São João conserva modelo antigo, em parte,
em fazendas e sítios afastados. Não apenas
mudou. Foi extinto no meio urbano, resistindo, apenas,
como festas oficiais, forrobolizadas, em raros locais,
sob o influxo dos novos tempos e das bandas, em que o
uso do licor, como das demais bebidas alcoólicas,
quase assume as virtudes da santidade.
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A
LIBERDADE DO ELEITOR
A
cidade, de que tanto nos orgulhamos, entre passeatas da
paz e marchas para Jesus, vai se transformando em vasto
matadouro a mostrar, para os que têm olhos de ver,
a guerra urbana que toma nossas ruas e atinge, indiscriminadamente,
inocentes e culpados.
A vasta “mortalha em Pirajá”, que “o
espectro da morte pálido coszia”, no exagerado
condoreirismo de um dos inventores do “2 de julho”,
nosso poeta maior, o insuperável Castro Alves,
mostra-se apequenada diante da cruenta, implacável
a desalmada batalha que assola as terras feirenses, com
todas as mostras de que está recrudescendo e vai,
a cada dia, dando mais trabalho aos coveiros, que não
encontram folga, e já pensam em greve por melhores
salários e condições de trabalho
mais amenas.
Como acabará tudo isso? Agora, pelo menos, quando
a polícia civil volta ao trabalho, as vítimas
de assaltos, arrombamentos, furtos e os parentes dos assassinados
pelo menos poderão encontrar a satisfação
de prestar queixa. É um refrigério.
Comandante é o que não falta. Quem acompanha
o noticiário do repórter policial Aldo de
Matos, fica assombrado com o incrível número
de comandantes que hoje atuam neste Município,
quase todo dia rigorosamente mencionados e enumerados.
Há comandante demais e policiamento de menos.
Enquanto o povo vive ao Deus dará, a política
ruge, roufenha e rouca em assomos inaceitáveis,
incongruentes e, às vezes, inconcebíveis,
em cenário magoado, aterrorizado, desiludido e
às vezes surpreendido e embasbacado diante do absurdo
de acontecimentos, como o que foi destaque no noticiário,
o episódio da cantora que deveria ter sido contratada
em manifestação de cunho quase religioso
e ficou a cantar sozinha. Não era caso para merecer
tantas atenções, nem deveria envolver pessoas
respeitáveis.
O fato mais notório, entretanto, é o do
nascimento da estranha divisão entre candidatos
da terra e candidatos sem terra.
Sempre houve surda campanha contra candidatos de fora,
que aparecem, com mala preta, às vésperas
de eleições em busca de votos para o legislativo
do Estado ou da União.
Natural que políticos locais se insurgissem no
combate aos que tentavam invadir o que não poucos
consideravam currais para uso próprio e de membros
da família.
Agora, entretanto, o combate tende a assumir proporções
de regras coercitivas, contando com a veemente defesa
de pessoas aparentemente alheias à luta eleitoral,
o que acrescenta perigos ao problema.
Perigos porque se tenta cercear a liberdade do eleitor,
que supostamente deve votar como bem quiser e entender,
em candidatos de dentro ou de fora.
O deputado estadual representa o povo do seu estado. Não
é representante de determinado município
como a demagogia usual determina. O deputado federal representa
toda a nação brasileira. O senador, quando
pode, é que legalmente representa apenas o seu
estado.
As suas atribuições vêm dos fundadores
do sistema federativo republicano e existem para dar tratamento
igualitário aos estados membros, que no Senado
têm representação numericamente igual.
A política brasileira, com suas eternas distorções
e disparates, deu, a cada estado, três senadores,
exagero desnecessário que deve ser corrigido. Bastariam
dois para todas as besteiras que aparecem, todo dia, na
Câmara Alta sem contar os escândalos.
A campanha, que agora se amplia, contra candidatos de
fora, aparece como coisa sem sentido e sem nexo e nem
podemos dizer que representa retrocesso, porque nunca
houve tamanho empenho e tal destempero em torno do assunto.
O eleitor é livre para votar. O resto é
boato e grana firme e confiável.
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TEMPOS
DO BANDEIRA
O
progresso, como a natureza, não dá saltos.
“É a acumulação de aquisições
materiais e conhecimentos objetivos no quadro de uma cultura”
geralmente de caráter lógico e irreversível.
Cada fase necessariamente baseia-se em experiências
anteriores em processo onde a unilateralidade é
exceção passageira. Não há
real progresso pela metade. O trator supõe a estaca
de cavoucar e a invenção do arado.
Progresso e melhoramento das condições de
vida andam juntos. São gêmeos siameses. No
campo social não há conhecimento assimétrico
verdadeiro mas esforços unilaterais, ditados por
vários fatores a que mania da imitação,
o consumismo e a capilaridade social não são
estranhas, mas podem ser origem de graves problemas ao
longo do tempo.
O apregoado progresso da medicina cubana, que segundo
a propaganda da esquerda, mestra em manipular informações,
naquele país a cura do câncer e do vitiligo
eram coisas banais, levou muitos às terras do Fidel,
esquecidos de que sem progresso no campo da ciência
e da técnica a propalada conquista seria impossível.
A sociedade brasileira em geral e, particularmente, a
de Feira de Santana, apresenta essa estranha característica,
a de crescimento unilateral, falho, por um lado, e falso
por outro, porque todo crescimento incompleto é
defeituoso, fazendo lembrar conhecido escritor americano
que dizia que todos os clientes de seu pai, alfaiate,
eram identificados, na rua, porque tinham, sempre, perna
de calça ou manga de paletó mais curta que
a outra.
Há quem julgue que comprar automóvel em
sessenta prestações mensais e sucessivas,
enchê-lo de aparelhagem de som e sair pelo mundo
a poluir tudo, perseguido por investigadores de banco
e Oficiais de Justiça, com mandado de busca e apreensão,
é progresso e melhoramento.
Não há dúvida de que em certos setores
o desenvolvimento e o progresso são enormes. O
crescimento da cidade, na construção civil,
com prédios de grande porte e o surgimento de ruas,
becos, vielas, condomínios habitacionais, favelas
e barracos, é fantástico. O volume do trânsito
de veículos, obrigando a Prefeitura a construir
viadutos e infindáveis obras de pavimentação,
reflete o crescimento da população que faz
enorme pressão sobre o governo municipal no campo
de dois serviços essenciais, o do transporte e
o da saúde, enormes pedras em qualquer sapato.
Se há setores cintilantes, avançados, outros,
também essenciais, permanecem no atraso, como o
da segurança pública, que teve aumento apenas
vegetativo.
Longe vão os tempos do investigador Bandeira, o
mesmo que dá nome ao Complexo Policial.
Sempre de paletó, alpargata paraibana, sem gravata,
carregando cipó caboclo, Bandeira percorria, diariamente,
a pé, toda a cidade, na época muito menor,
dia e noite, à cata de malandros, parando ali e
acolá, nos botequins, para um dedo de prosa e de
conhaque. Poucos roubos ou furtos passavam impunes, porque
Bandeira conhecia o modus operandi de quase todos os ladrões
e vigaristas de serviço na área.
Tudo mudou e cresceu, radicalmente, menos a polícia,
que não pode prescindir, nos vertiginosos e perigosos
dias de hoje, da inteligência e da ajuda dos modernos
instrumentos técnicos e científicos da investigação
criminal.
A polícia cresce em número. Permanece, entretanto,
nos tempos do investigador Bandeira nos salários
e nos métodos de trabalho.
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DENTRO
D’ÁGUA
O
Brasil é ilha de estabilidade. Não há
crise que o atropele, segundo parte da grande imprensa
nacional, o que mostra o poder do governo federal. Até
organismos internacionais como o famoso FMI, antes amaldiçoado
e acusado de tantos males brasileiros, saiu a público
para dizer que a crise do Euro, que está a sacudir
as estruturas do Velho Mundo e a ameaçar todo o
Planeta, passará ao largo da Pátria Amada,
que permanecerá inabalável em seus sólidos
alicerces econômicos, haja o que houver, enquanto
o presidente da República anda pelo mundo, como
judeu errante, na tola tentativa de conquistar muito mais
fama e prestígio pessoal do que na de dar solidez
à posição brasileira no conceito
internacional.
Vaidoso, achando que tendo engabelado brasileiros pode
enganar a comunidade mundial, o nosso presidente, figura
de comédia, sobrevive internacionalmente às
custas da extrema discrição e cuidados da
diplomacia de países mais desenvolvidos, mas não
deixou de receber qualificativo, o de ingênuo, dada
à sua atuação diplomática
no caso do Irã. Quando um país civilizado
chama de ingênua a interferência de outro
governo em qualquer assunto, a palavra encerra muito mais
significados do que parece exprimir à primeira
vista.
Inúmeros são os casos de supostas tentativas,
do governo brasileiro, de mostrar liderança e independência
com a aproximação a governos totalitários,
como o da Venezuela e o de Cuba, que culminaram com o
envolvimento em perigosos, antigos e até agora
insolúveis conflitos ideológicos e religiosos
entre árabes e judeus, em acordo a que ninguém
deu importância, mas serviu para mostrar, ao mundo,
o perigo que significa, para todos os povos, a disseminação
das armas nucleares.
O Brasil, para setores da imprensa, é a nova maravilha
mundial, com economia sólida e felicidade geral
do povo, que segundo os jornais já gastou, este
ano, no exterior, quase cinco bilhões de dólares.
Este é o país retratado para os incautos,
com gente comprando tudo e viajando, principalmente para
a Argentina, para ver espetáculos de tango que
os argentinos há muito tempo deixaram de prestigiar.
Internamente, entretanto, a história é diferente.
Aqui, na Bahia, por exemplo, onde vivemos, estamos entregues
à própria sorte. Antigamente, entre o povo,
quando a situação mostrava-se dramática,
o sujeito dizia que estava dentro d’água.
É como estamos na Bahia: dentro d’água.
Não queremos falar da criminalidade, que nunca
alcançou o grau de virulência e de impunidade
constatado nos dias atuais, contra o que o governo promete
carros para resolver todos os problemas.
O povo da Bahia está sem Polícia Judiciária
e sem Justiça. Até o Judiciário do
Trabalho e a Justiça Federal entraram em greve.
Voltamos, nos últimos dias, aos tempos primitivos.
Governo, se é verdade que composto de três
poderes, está reduzido, no Estado, ao governo do
“agora tem”.
Uma das graves conseqüências que podem advir
desse hiato do poder público é o da formação
de bolsões de descrença no sistema democrático
de governo e de volta à justiça privada,
que já se pratica, vastamente, em Feira e outros
antes pacatos rincões bahianos.
Como de vez em quando diz o Dilton Coutinho, estamos liquidados.
Só, que desta vez, completamente.
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PROPAGANDA,
A ALMA DO NEGÓCIO
Vésperas
de eleições costumam produzir milagres.
Defuntos levantam do túmulo, como em filmes de
terror, há insólitos aparecimentos e incursões
às formas mais baratas de tentativa de populismo
rasteiro.
Deputado Federal do PV quer a aprovação,
pela Câmara, de projeto de lei que obrigue emissoras
de rádio e televisão a levar ao povo, gratuitamente,
mensagens demonstrando os males do uso das drogas lícitas
e ilícitas, com o que, espera o parlamentar, o
povo brasileiro, apavorado, abandonará o uso e
abuso das drogas e a polícia entrará ou
em merecido regime de férias coletivas, ou em greve
por tempo indeterminado, arraigado hábito das classes
trabalhadoras, que todo dia está a abalar a tranqüilidade
da pátria, mas sempre com polpudos ganhos para
pelegos e operários em geral, para maior grandeza
da pátria.
O projeto, se aprovado, exigirá das emissoras,
que têm, quase todas, suas dificuldades não
pequenas, o sacrifício de veicular tais mensagens,
elaboradas não se sabe por quem, com duração
entre trinta segundos e um minuto, diante das quais desaparecerão,
para sempre, hábitos danosos como o do aperitivo
quente antes de qualquer coisa, como almoço, jantar
ou banho. A cachaça desaparecerá, os botequins
poderão se transformar até em igrejas ou
santuários, como o recém criado, em Anguera,
cujo chefe lembrou, outro dia, em programa de rádio,
que a Virgem Maria, quando recebeu a notícia de
sua gravidez, estava entre treze e catorze anos de idade.
Convencidos dos perigos do álcool, os que buscam
aliviar o estresse do trabalho diário com cervejinha
gelada ao cair da tarde migrarão, imediatamente,
para a água mineral e os paus d’água
inveterados abandonarão o vício, convencidos
do amplo leque de virtudes que recai sobre o abstêmio.
O jornalista de Salvador, que deu destaque à atuação
do deputado do PV, ironicamente diz que o fundo musical
das mensagens anti-drogas poderá ser de produção
de Gilberto Gil.
Se as mensagens esclarecedoras e educativas forem adotadas,
não constituirão novidades em nosso amado
torrão natal. Em outros tempos eram comuns, no
rádio, orientações, avisos e conselhos,
do governo, como os célebres “beba mais leite”
e o “Aviso aos navegantes. Não há
avisos aos navegantes”, que caíram no ridículo,
embora formalmente perfeitos, frutos, quem sabe, do trabalho
de burocratas sem conhecimento da arte e da ciência
da propaganda.
O tempo em que comerciantes e políticos elaboravam
suas peças publicitárias é passado.
Hoje ainda que elaboradas por técnicos e agências
renomadas, há publicidades contraproducentes, idiotas
e ridículas, sem influências sobre o comportamento
do povo em geral ou de determinadas classes sociais.
Produzir e divulgar mensagens para convencer crianças
e adolescentes dos vários estratos da sociedade
brasileira a evitar ou abandonar o uso de drogas proibidas
é trabalho extremamente delicado que não
pode ser entregue a amadores. Campanhas já houve
com tal desiderato. Sumiram. E não faltou quem
afirmasse que não inibiam. Antes despertavam a
curiosidade das novas gerações em torno
das drogas.
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O
COMBATE AO TRÁFICO
O
noticiário local deu relevância a diligência
policial concluída, no início da semana,
com a apreensão de crack e cocaína que a
crônica especializada afirma ter sido a maior dos
últimos tempos na Bahia, sem faltar, em alguns
setores, rasgados elogios a delegados de polícia,
que nesta terra encontram poucas oportunidades para encômios
e manifestações de semelhante teor, tal
o número de inquéritos de crimes insolúveis
que abarrotam as empoeiradas prateleiras e gavetas das
delegacias.
Na verdade, delegados e demais policiais, que trabalham
nesta cidade, devido às circunstâncias, não
têm condições de resolver, satisfatoriamente
o crescente número de crimes que são cometidos,
a cada minuto.
A situação tornou-se tão grave, que
a palavra crime tornou-se, no noticiário, sinônimo
de homicídio. Baniram todas as demais tipificações
das leis penais. Ninguém fala em roubos, furtos,
agressões, ameaças e tráfico de drogas
e nas mais diversas formas de tentativa, como crime, cujas
inúmeras modalidades ficam fora das estatísticas
da imprensa. Crime é apenas o homicídio
consumado e pronto.
Ora, os trinta e poucos quilos de crack e os quatro quilos
de cocaína apreendidos em poder de três supostos
traficantes, que foram recolhidos às enxovias do
Complexo Bandeira, levam qualquer um a imaginar que não
passam de gota d’água em oceano, fazendo
prever que brevemente, com alguma sorte, a polícia
local poderá estar a apreender toneladas daqueles
tão requisitados produtos.
As policias locais muito pouco podem fazer no combate
à disseminação dos tóxicos.
Ficam por ai a apreender gramas de cocaína e crack
e a meter na cadeia geralmente traficantes esfarrapados,
muitos deles mulheres em busca de trocados com que reforçar
a esquálida despensa.
Raramente fazem apreensão de vulto, como o que
aconteceu no início da semana, em cidade, que na
condição de entroncamento rodoviário,
presumivelmente é passagem, nos milhares de veículos
que por aqui transitam, mensalmente, de muita droga proibida
para abastecer, convenientemente, alguns importantes centros
urbanos, inclusive esta cidade, onde o consumo do crack
se faz publicamente, em qualquer lugar, e a respeito da
cocaína ninguém pergunta mais se é
da boa. Vai logo metendo na veia ou socando nas ventas.
Cocaína, conforme é sabido, não é
produzida no Brasil. No máximo temos, aqui, laboratórios
de refino da pasta do produto, como o que recentemente
foi descoberto e desmantelado em Feira.
Para chegar a esta cidade a cocaína percorre longas
distâncias, a partir da fronteira com alguns dos
respeitáveis vizinhos produtores.
O trabalho da polícia nas cidades e povoados é
inócuo. Morto ou preso um traficante, surge logo
substituto. Ninguém sabe quantas pessoas financiam
e transportam as drogas para esta cidade, sem falar dos
pequenos traficantes domésticos, que estão
morrendo como moscas, naturalmente porque transgrediram
as regras de sociedades criminosas, que podem ser rudimentares
mas existem, nesta cidade, porque o movimento financeiro
é enorme e não sobreviveria sem organização,
sem chefia e sem regras.
O efetivo combate às drogas, como ao contrabando
de armas, tem que ser feito no âmbito federal, com
o controle das fronteiras, portos, aeroportos e a busca
dos que financiam a entrada das drogas e armas no território
nacional.
O consumo cresce, liquidando principalmente jovens brasileiros,
enquanto a polícia vive a correr atrás de
traficantes, lutando contra todo tipo de carência.
O sistema, longe de combater, fortalece o tráfico.
Sáb,
15-Mai-2010 4:30
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O
ORADOR DA FAMÍLIA
Não
há dúvida de que Feira de Santana precisa
crescer. Não falamos do simples aumento da população,
que segundo alguns passa dos seiscentos mil, da incontável
multiplicação de ruas, vielas, condomínios
residenciais e bairros e do inegável crescimento
da produção intelectual em quantidade e
qualidade. Precisa crescer livrando-se do complexo de
roça, que insiste em permanecer grudado a alguns
setores da sociedade, justamente aqueles que normalmente
falam e são ouvidos.
Feira sempre se mostrou avessa às atividades do
espírito. Povo formado, essencialmente, de comerciantes,
gente ligada à pecuária e artistas, como
eram denominados os operários, a figura do intelectual
sempre era vista com certas desconfianças.
O poeta sofria mais, havido por maluco, irresponsável
e preguiçoso. O intelectual, quando conquistava
respeitabilidade em virtude de profissão ou qualquer
outro fator, passava a ser olhado como semi-deus, de longe,
com reverência. Seus méritos, por maiores
que fossem, eram ampliados, na boca do povo, que lhe ia
acrescentando saberes e infalibilidades quase infinitas.
Sempre houve grêmios literários e grupos
teatrais, que ninguém levava a sério, e
oradores. Um dos mais constantes foi o Cel. Álvaro
Simões Ferreira, presente a todas as solenidades.
Conta-se que em campanha eleitoral aqui estiveram, certa
vez, J. J. Seabra, eminente figura da política
baiana, e Simões Filho, fundador de “A Tarde”.
Participarem de comício em que falou o Cel. Álvaro
Simões, figura imponente, sempre de colete, colarinho
duro, correntão de relógio e gravata plastrom,
que proferiu, como sempre, espantosa coleção
de asneiras.
De volta a Salvador, sentados no deque do vapor da Cachoeira,
Seabra perguntou ao chefe de “A Tarde”: Então,
dr. Simões, o Simões lá de Feira
é seu parente? Simões Filho sem pestanejar
respondeu: É, dr. Seabra, é meu parente.
É o orador da família.
Manifestação cultural capaz de arrancar
de casa as famílias, à noite, o conferencista
constituía atração festejada. Apresentava-se,
geralmente, no salão nobre da Prefeitura. Um deles,
Argileu Silva, gordo, negro, suarento, dono de impressionante
vozeirão, certa feita, diante de seleto auditório,
falava da poesia, da forma como em outros tempos as mulheres
tratavam o poeta. Mas hoje – começou a se
lamentar – quando foi interrompido por Leôncio
Santos, coletor federal e pessoa das mais respeitáveis
desta terra, que gritou: Hoje é faca no poeta!
A conferência não teve por onde continuar.
O conferencista distribuía cartão de visitas
com os dizeres: “Argileu Silva – Bacharéis”.
O portador alegava que tinha várias formaturas.
O cartão dá idéia da intelectualidade
da época.
Nos últimos tempos, apesar da evolução,
aperfeiçoamento e sofisticação verificados
em todos os setores da vida local, restam fatos ainda
a mostrar que os avanços nem sempre são
consistentes, principalmente no meio político,
funcionando como gota de querosene em panela de feijoada.
Estragam tudo.
Idéias malucas, que surgem alhures, contrarias
ao bom senso a à legislação, sem
viabilidade, impossibilitadas de aplicação
prática aqui são adotadas e defendidas como
salvadoras, inclusive por quem as pretende transformar
em lei.
Em certos assuntos a sociedade e os políticos devem
lutar pela efetiva e correta aplicação das
leis existentes.
A criação de outras, para satisfazer vaidades
ou falsas avaliações de fatos, que afligem
a sociedade, é desejar ser não orador, mas
o legislador da família.
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OS
QUE MORDEM E OS QUE ASSOPRAM
Aquiles
foi um grande sujeito. Grego, entrou para a Mitologia,
imortalizado por Homero, e se estabeleceu, definitivamente,
na cultura mundial. Nasceu em Larissa, filho de Peleu
e da ninfa Tétis, uma das filhas de Júpiter,
que ou eram imortais, ou podiam viver, sempre jovens e
belas, por dez mil anos sem freqüentar academias,
usar produtos de beleza e sem fazer os tratamentos miraculosos
que alguns curandeiros andam a anunciar pelo rádio.
Ninguém me vá dizer, portanto, que o conheceu
na Rua Nova, no Sobradinho ou no Tomba.
Fato é que a mãe de Aquiles, zelosa da vida
do rebento, devido a sua aproximação com
a divindade soube dos perigos que o cercavam e tratou
de protegê-lo mergulhando-o no Estige, o rio do
Inferno com o que o blindou contra qualquer tipo de ferimento.
Vulnerável ficou, apenas, o calcanhar do menino,
por onde a mãe o segurou.
Tétis, desconfiada das artimanhas do destino, tratou
de afastar o filho de todo tipo de encrenca. Chega a disfarça-lo
de mulher, misturando-o a bando de donzelas, uma das quais
transformada em parturiente pelo inquieto Aquiles.
Contam que já era velha, de nove anos, a famosa
guerra de Tróia, com sucessivas derrotas dos gregos,
quando começou a correr o boato de que somente
seria possível a vitória grega se Aquiles
entrasse na luta, o que aconteceu por artimanha do famoso
Ulisses (não o Ulisses Graça, que ainda
joga basquete), o que levou Aquiles a largar as vestes
femininas e envergar armadura forjada, a pedido da cautelosa
Tétis, pelo próprio Vulcano, o deus do fogo.
Aquiles, então, entra na luta. Muda a sorte da
batalha. Mata Heitor, herói troiano cujo cadáver
arrasta, usando carro de combate, diante das muralhas
da cidade sitiada, mas o entrega, aos inimigos, para as
honras fúnebres. Um belo gesto. Morre, entretanto,
atingido, no calcanhar - seu ponto vulnerável por
flecha lançada por outro herói, Paris, quando
se dirigia a encontro amoroso.
O governo de Feira, como Aquiles, vem blindado, faz algum
tempo, diante do que ruge, raivosamente, oposição
irritada, sem encontrar brechas para ataques convincentes
e sem achar vícios e mensalões, nem tão
distantes da história desta terra.
Tem, entretanto, o seu calcanhar de Aquiles, o Sistema
de Transporte Coletivo, motivo de dor de cabeça
de quase todos os governos municipais.
Diante da blindagem a oposição, sem encontrar
caminhos para o ataque, mas sem abandonar velhos procedimentos,
inclusive o de levantar suspeitas infundadas, tenta agir
com suposta inteligência. Dividiu-se ardilosamente.
Alguns se dão de amigos, colaboradores. Elogiam.
São os que assopram, enquanto outros atacam, principalmente
o ponto fraco, o transporte. São os que mordem.
Não há, entretanto, como enganar. o DNA
está à mostra em toda parte. O grupo é
o mesmo, as intenções, idênticas.
Podem tapear ingênuos. A estratégia de combate,
entretanto, é velha, desconhecida, apenas, dos
incautos.
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MICARETA
- OU MUDA OU MORRE
Passada
a Micareta, que muitos tentam mudar de gênero, restam,
apenas, boatos, os eternos palpites, remoques e a velha
rafeira, a política partidária, que nas
suas manifestações mais baixas não
perde azo para ataques e críticas geralmente inconseqüentes.
Desta vez, entretanto, tem surgido discussões sobre
assuntos relevantes, que procuram resolver, diante da
grande festa, problemas ligados às dificuldades
que atingem a cidade.
Ninguém esta dando muita importância a assuntos
como o do retardamento da saída de blocos, ciente,
o povo, de que festa carnavalesca não é,
exatamente, peça de teatro em que diretores tudo
controlam e tudo orientam.
O pós-Micareta deste ano trouxe a baila assuntos
de verdadeiro relevo como, por exemplo, o do local da
festa.
Esta ficando claro que a Micareta não pode mais
obstruir o trânsito, provocar prejuízos e
transtornos a população como vem causando.
A Prefeitura tem que lhe destinar local onde esses transtornos
sejam reduzidos ao mínimo possível, mesmo
que para a festa seja forçada a construir avenida,
que durante o ano esteja entregue ao uso comum do povo
e fique obstruída apenas nos dias da Micareta ou
de outras celebrações.
A dificuldade esta em escolher local. Hoje esta sendo
dificultosa tarefa a de separar zona residencial, de zona
industrial, luxo a que estamos obrigados por via dos novos
e trepidantes tempos, mas que nos alerta para fato de
certo modo alarmante, o de não termos espaço
para mais nada, o que poderia levar a Câmara Municipal,
pródiga em títulos e medalhas, a criar nova
comenda, a de inimigo de Feira, para ser outorgada a quem
defender desmembramentos de terras do município.
Feira não pode mais perder pedaços de seu
território.
A construção de avenida para a Micareta,
entretanto, ainda que saindo dos limites da sede para
se estender a distrito e essencial para a sobrevivência
da festa.
Outro assunto sério, que surgiu de controvérsias
e discussões, foi o da manutenção
da Micareta oficial. Alguns exemplos foram apontados de
municípios que entregaram a festa a empresas privadas,
com o que se livraram de peso que não estão
obrigadas a carregar.
A nossa Micareta durante muito tempo era realizada por
comissões. Contava com a ajuda do comércio,
da Prefeitura e do Governo do Estado. A Prefeitura apenas
lhe destinava verba, cuidava da iluminação
e 1impeza do local da festa.
Relativamente pouco tempo faz que o governo municipal
resolveu assumir a organização da Micareta,
o que não tem mais razão de existir. A Prefeitura,
hoje, tem encargos e obrigações suficientes
para lhe tomar todo o tempo e todas as atenções,
especialmente com a saúde, educação
e o transporte. Não tem mais como se preocupar
e se desgastar com horários de blocos carnavalescos.
O tempo das comissões passou. Mas há empresas
capazes de fazer a festa com o profissionalismo que que
todos estão a exigir para nossa Micareta, que apesar
da zoeira, das luzes e do brilho, está agonizante.
Ter,
27-Abr-2010 22:59 | VOLTAR
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A
PULSEIRA DO AMOR
Lemos,
alhures, que legisladores e magistrados cogitam da adoção
de medidas para proibir, como perigosas, as chamadas "pulseiras
do amor", que ultimamente ingressaram, vitoriadas,
nos hábitos brasileiros. Nada sabemos da origem
das pulseiras da nova moda, se é mais uma notável
invenção de brasileiro, ou se nasceu em
terras distantes. As preocupações teriam
decorrido da notícia, amplamente divulgada, do
estupro e morte de jovem estudante, que estaria usando
"pulseiras do amor", expressos, claros e indiscutíveis
convites ao sexo, o que pode dar nascimento, nos legislativos
e até mesmo no Judiciário, a nova abundância
de medidas proibitivas, com que se pretenda obter notoriedade
e fama. E que neste país poucos serão os
que encaram a verdade, por variados motivos, preferindo
fingir que combatem efeitos, sem a devida coragem para
reconhecer e denunciar as causas.
Vivemos, assim, época de mentiras colossais, teatro
e representações de fazer inveja aos criadores
da tragédia grega, sem esquecer -Shakespeare, aquele
que disse: "é com o teatro que vou agarrar
a consciência do rei".
A frase, se aplicada ao mundo de hoje, levando-se em conta
que o poder do rei, pelo menos em sentido figurado, !transplantou-se
para o povo, não é simples afirmação
de velha, famosa e pouco conhecida tragédia, mas
algo que se vê, diariamente, na vida brasileira,
com as medidas de força, enganosas, embugadas em
mantos de salvação e espetaculosas, públicas
e ruidosas manifestações do engodo. Fechar
bares e proibir a venda de bebidas alcoólicas,
na sexta-feira santa, sob o pueril pretexto de combater
a criminalidade, já que não se poderia falar
em motivos religiosos, ou porque o estado é leigo,
a partir da República, ou porque tapeando facção
religiosa, corria-se o risco de desagradar outras, e algo
que suplanta qualquer manifestação de tola
irrealidade dentro de mundo de cruezas e realismos que
não podem ser combatidos com infantilidades demagógicas.
Bares foram fechados, a maioria, voluntariamente, em virtude
do sentimento religioso do povo. Houve multas contra restaurantes
- seis ou sete - onde cristãos bebiam o vinho da
Páscoa, mas os criminosos, indivíduos que
estão à margem da lei, não abandonaram
suas atividades cotidianas. Mataram, agrediram, roubaram,
furtaram e barbarizaram tranqüilamente. Não
se tapa sol com peneira. Recentemente aqui esteve o governador
do Estado para a entrega de quatrocentas casas do velho
PAC (já existe um novo). Armou-se palanque com
discursos e presenças ilustres, fez-se um dois
de julho cercado de intensa publicidade, transformado
em acontecimento retumbante, nunca visto nesta plagas,
como se o povo não soubesse que Feira tem crescido
com a construção, em diversos governos,
de conjuntos habitacionais de milhares de casas populares,
como a Cidade Nova, o Feira X e mais sete ou oito complexos
de grande porte.
Tudo, hoje, tem que se resumir a tapeação
e ao engodo?
A sociedade brasileira vem sofrendo, a partir do fim da
Segunda Guerra Mundial, intensas transformações
impulsionadas por inúmeros fatos, sem controle
e sem limites. O crescimento populacional é enorme
e desregrado. Popularizou-se a educação,
multiplicaram-se as escolas de todos os graus, mas desvalorizou-se
a figura do professor, que passou a sofrer com os baixos
salários, a falta de eficiente formação
profissional e a impossibilidade material de atualização.
A família brasileira, em boa parte pela pobreza
reinante, desagregou-se a país, eterno imitador,
encheu crianças e adolescentes de direitos, sem
cuidar de fortalecer escolas e famílias, criando
problemas que se refletem, como pragas, :sobre toda a
sociedade. Em meio ao caos surgiu, como desgraça
complementar,o traficante de drogas, não só
a fabricar viciados, como a aliciar agentes do crime.
E verdade que há famílias, trabalhadores
e jovens bem orientados e ainda imunes a desordem que
se está estabelecendo e que não será
contida por qualquer "bolsa família",
medidas de exceção ou engodo semelhante.
A quebra do poder dos pais levou ao sumiço da força
do professor, ao desrespeito a lei e ao desprezo pelos
direitos do próximo, provocando o que se poderia
chamar de crise de autoridade, que esta ameaçando
a estabilidade da nação brasileira
O aparecimento das "pulseiras do amor", resultado
do afrouxamento dos costumes, deve-se à quase irrefreável
permissividade que se estabeleceu no seio da juventude,
drama que ninguém vai consertar com borrabotismo
inconseqüente.
DUAS
GRANDES FESTAS
"Circo
Paraense", um dos muitos que percorriam os sertões
exibindo pobres, velhas e esburacadas barracas. Instalou-se
na Praça Dr. Remédios Monteiro. Duas artistas,
Marieta e Margarida, constituíam sua principal
atração. Segundo o noticiário mobilizaram
a rapaziada local, que se dividiu em dois partidos.
Nas noites de função, conta "O Progresso"
daquele ano, as torcidas compareciam animadas, com aplausos,
flores, confetes, discursos inflamados e versos ardentes,
imitação do que ocorreu, no Recife, com
Castro Alves e Tobias Barreto em torno de duas atrizes
de teatro.
Chefiava o "Grupo Margarida" João Vital,
"inteligente moço",como o definiu o noticiário.
O "Grupo Marieta" era liderado por Godofredo
Figueiredo, "nosso distinto conterrâneo".
Os dois demonstraram entusiasmos nunca vistos, dizia "O
Progresso", para frustração das mocinhas
casadoiras, preteridas por artistas de circo.
Em 4 de outubro os admiradores de Marieta Peri, na homenagem
que lhe prepararam, atulharam o circo de rica ornamentação.
O circo, transformado em bosque, encheu-se de bandeiras,
dísticos, pirâmides, arco triunfal, galhardetes,
escudos, faixas e representação do globo
terrestre com a inscrição,"honra ao
mérito". No trapézio, onde Marieta
exercia as suas habilidades, destacava-se, entre bandeiras,
grande estrela, que despejava chuva de confetes. O camarote,
ocupado pelos partidários da trapezista, simulava
gruta, iluminada por balões venezianos e exibia
faixas com a inscrição em letras douradas:
"Salve Marieta Peri". "Todo o trabalho
de decoração dizia "O Progresso"
foi desinteressadamente desempenhado pelo inteligente
pintor, Sr. Marcelino Borges, um dos mais influentes organizadores
do grupo Marieta".
Marieta, ao ingressar no picadeiro, foi entusiasticamente
recebida. Falou,em primeiro lugar, o orador oficial, Dr.
Miguel Ribeiro Filho, que seria, passado algum tempo,
diretor da Escola Normal Rural de Feira. Outros inflamados
oradores da noite foram Godofredo Figueiredo, o acadêmico
de Medicina, Pedro Américo de Brito, João
Magalhães Costa e José Erudilho. Lá
para as tantas caiu, sobre a homenageada, grande quantidade
de pétalas de rosas a que se seguiu a entrega de
buquês de flores artisticamente arranjados. O repórter
de "O Progresso" afirma que conseguiu contar
nada menos do que trinta e cinco, número que registrou
como exagerado. A homenageada sai de cena tomada de emoção.
Ao voltar, novamente ovacionada, recebe mais trinta e
um buquês. Discursa, então, o telegrafista
e beletrista Assis Tavares, Godofredo Figueiredo oferta,
a Marieta, um relógio de ouro. A trapezista é
coroada sob aplausos frenéticos e nova chuva de
pétalas de rosas. O Dr. Miguel Ribeiro recita soneto
da lavra de Assis Tavares: "Tu és o gênio
que se eleva, altivo, / Por entre aplausos desta multidão
/ Em cujos peitos, cada coração,/ é
teu vassalo, adorador cativo". O soneto e distribuído
em avulsos, Marieta o recebe, em letras douradas, sobre
cetim azul, em bela moldura. Há revoada de pombos.
A artista, com sua companheira, Margarida, depois da festa,
é conduzida, em passeata, até sua residência,
à luz de fogos de artifício, ao som da banda
da "Sociedade Filarmônica Vitória".
No dia 5 de outubro o "Grupo Margarida" fez
a sua festa. Colunas no estilo jônico dividiam camarotes,
todos adornados de bandeiras e cortinas. O da comissão
central exibia colchas de seda vermelha e escudos com
relevos dourados. Havia, por toda parte, grandes faixas
com os dizeres: "Salve Margarida. Viva Margarida."
Outras diziam: "Gênio, arte, labor, glória,
valor". O picadeiro representava esfera em cujo centro
havia enorme ferradura e escultura de cara de cavalo.
À frente do camarote da comissão, artístico
monograma, trabalhado em pó de serra por Miguel
Araújo. Margarida entra em cena em carro luxuosamente
ornamentado, puxado por cavalo ruço, sob aplausos
e pétalas de rosas e distribui panfletos com agradecimentos
ao povo da terra. É coroada por Marieta. Discursa,
então, José Olímpio, que oferece
à homenageada rica veste vermelha, bordada a ouro
e pedranas, que lhe é entregue por quatro meninas
de vestido branco e manto azul. João Vital recita
poema: "Salve! Mulher adorável / Tens a figura
atraente / Dos serafins e do oriente". A poesia é
profusamente distribuída em cetim branco com franjas
douradas. Margarida recebe medalha de ouro. João
Vital discursa, seguido dos oradores Hildegardo Erudilho,
Lino Carneiro e Lino Santos. A menina Palmira Andrade
recita poesia. Falam, ainda, Dr. Caetano Tourinho, José
Erudilho, Erudilho Junior e Alfredo Carvalho. No final
houve revoada de pombos e os adeptos de Margarida a levaram
em casa puxando o carro:, Dispensaram o cavalo ruço.
O povo, que não perdoa, falou do orador, que pomposamente
se dirigiu à homenageada dizendo: "Marie TABE-LA",
e que as artistas não sabendo o que fazer com tantas
flores deram-lhe uso racional e prático. Teriam
sido surpreendidas na manhã seguinte, lavando os
penicos com os buquês.
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FEIRA
E A SEMANA SANTA
A
Semana Santa, em Feira de Santana, sempre se revestiu
de grande solenidade nas celebrações da
Igreja. Evidente que sem a ostentação fúnebre,
que Melo Moraes Filho viu, no Rio de Janeiro, então
capital da República e cheio de recursos. Feira,
ultimamente, anda tentando enriquecer, muitas vezes comendo
bagre e arrotando bacalhau, iguaria de abastados, hoje,
mas que já foi alimento da pobreza, praticamente
perdoado, aos ricos, na Semana Santa, ou como tira-gosto
em bebedeiras.
Melo Moraes Filho fala, longamente, da quinta-feira santa
em que "a começar da véspera, o luto
obscurecia o esplendor das igrejas". A matraca substituía
os sinos. " o altar dos sacramentos, guardado por
sentinelas com as armas em funeral ficava iluminado como
uma montanha de fogo; e, dividindo os quartos da noite,
os irmãos velavam a hóstia consagrada"
tudo porque o Nosso Senhor estava doente. Deus estava
agonizante.
Evidente que esta cidade, com os recursos de que dispunha,
sempre celebrou, com solenidade, os atos da Semana Santa,
contando com a respeitosa contrição de multidões
de fiéis e mantendo as manifestações
que desde o início foram implantadas, inclusive
as procissões, conhecidas pelo enorme número
de pessoas que atraiam.
Feira manteve, até hoje, na quinta-feira santa,
a Procissão dos Fogaréus, que em outros
tempos se revestia de seriedade que ninguém, hoje,
pode imaginar. Havia poucos veículos nas ruas.
Em certa época, principalmente a do Mons. Mário
Pessoa, o cortejo, formado pela Irmandade da Santa Casa
de Misericórdia, de balandrau, tendo à frente
o Cel. Álvaro Simões Ferreira; que levava
o crucifixo, o tocador da matraca, Cláudio Macaca
Fêmea e Oscar Lombardino, que dava o tom do "ora
pro nobis", saia da Matriz, fazia paradas na Igreja
Senhor dos Passos, Igreja Nossa Senhora dos Remédios
e Capela de São Vicente, retornando à Matriz,
locais em todos, ajoelhados, ouviam o "Senhor Deus,
pequei Senhor" entoado pelo padre. A cidade ficava
em silêncio quebrado , somente, pela Voz do padre,
ou pelo bombardino de Oscar e matraca de Cláudio.
As mulheres, proibidas de participar, corriam de rua em
rua , de esquina em esquina para ver passar , nas ruas
mal iluminadas da época, aquela escura multidão
de homens compungidos diante drama da Paixão. Era
espetáculo tocante, perturbado, de vez em quando,
por um ou outro que se havia excedido na bebida, fatos
que aqui tiveram pouca repercussão mas foram causa,
em Salvador, da extinção da Procissão
dos Fogaréus, por que resultaram em graves e sangrentos
conflitos.
No seio das famílias a Semana Santa começava
no Domingo de Ramos. Dali em diante ninguém mais
discutia ou falava alto. As disputas domésticas
cessavam. As crianças ficavam proibidas de brincadeiras
ruidosas. Bolas de futebol eram recolhidas. Ninguém
reclamava. Tudo era
feito com moderação e respeitoso silêncio.
É claro que havia as compensações,
que estavam na mesa. O jejum há muito deixara de
ser obrigação do cató1ico, que evitava
apenas a carne, principalmente a bovina. Nesta terra de
comedores de carne de boi, em que o peixe e outros frutos
do mar eram luxo das segundas-feiras, na semana-santa
as mesas enchiam-se de terrinas de vatapás e carurus,
moquecas inolvidáveis, acaçás e outras
iguarias, acompanhadas de vinhos, todas capazes de levar
qualquer cristão, rapidamente, ao pecado da gula.
Compensavam-se as restrições, que só
terminavam no Sábado de Aleluia, em que diversos
Judas eram queimados, com grandes festas, em várias
partes da cidade, com estrondos de fogos de artifício
e consumo de álcool. Havia poetas que se especializaram
em redigir, em versos, testamentos de Judas, brincadeira
que invadiu algumas casas, onde Judas domésticos
também eram queimados com alegria. Comemorava-se
no final das contas, a volta da licença para o
pecado, que sob certos aspectos é imprescindível
fator da vida.
Seg,
12-Abr-2010 2:32
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O GOSTO DAS PROIBIÇÕES
Quando
se diz que é grande o número de brasileiros
que adoram proibições, na maioria das vezes
para desobedece-las, há quem torça o nariz
achando que há bruto exagero na afirmação.
A tendência, entretanto, existe, no seio da sociedade,
a despertar curiosidade a respeito da origem de tão
singular tendência, que entra em contradição
com o que pregam constituições, idéias
republicanas e movimentos populares.
O assunto é desafio para os estudiosos da antropologia
cultural nas suas diversas vertentes. Queremos acreditar
que a escravidão e diversos outros fatores, aqueles
que propagam o acredita e obedece, pena de danação
eterna, contribuíram para criar, no seio de certos
povos, tão profundas pelas e tão inextrincáveis
laços, durante tantos séculos, doutrinando
e aterrorizando, que o verdadeiro sentido da liberdade,
como existe em certos países, jamais é inteiramente
percebido por boa parte do povo brasileiro, sempre a procura
de garroteamento, leis restritivas, cadeias para os outros
e limitações de toda ordem.
Os seres humanos, mesmo nas democracias plenas, cheios
de direitos e prerrogativas, na verdade vivem simples
ilusão de liberdade, limitados, em seus movimentos,
por incrível emaranhado de regras de conduta que
vão da lei às simples normas de conduta,
julgadas necessárias a convivência social,
como decorrência do pacto que nos permitiu abandonar
a justiça privada e transferir poderes a funcionários,
que além de fazer justiça e regras, tratam
de arrecadar parte dos ganhos resultantes do trabalho,
geri-los e aplicá-los.
A engenhosidade humana, que não tem limites, encontrou
esse meio para tentar gerar certa dose de tranqüilidade
social, única via para o progresso e para a prosperidade,
com proibições que atingem desde o escarafunchar
o nariz com os dedos à ocisão do semelhante.
As leis e demais normas de conduta, que ditam os bons
costumes, entretanto, estão em constante mutação
impulsionadas, vertiginosamente pelas conquistas da civilização,
que vêm criando dias tumultuosos, nos quais tudo
fica velho, imprestável e superado com incrível
velocidade. As regras de conduta social, que sempre encontraram
limites no tempo e no espaço, vigentes, por exemplo,
há vinte anos, não mais se aplicam e não
mais são aceitas no presente, criando enormes perplexidades.
Vem daí, talvez, a mania proibitóri1ia que
se manifesta, ultimamente, 'no seio da sociedade, sob
a forma, de regras legais, Como talvez a maneira de resolver
problemas difíceis e tormentos. Mas pode ocorrer
também, da necessidade. de mostrar serviço.
Temos visto combate a legisladores do passado e do presente
sob a alegação de que não apresentam
projetos, pelo menos em número suficiente, para
justificar o mandato. É que meteram na cabeça
do povo que, o bom vereador, por exemplo, é aquele
que entope a câmara de projetos, seja lá
do que for, principalmente se proíbem alguma coisa,
criando, na mente de novatos, mais do que necessidade,
irresistível mania legiferante tão perigosa
quanta a inação, a negligência e a
inércia. Pode ser, também, nova maneira
de manifestação de "ortoridade",
o saiba quem esta mandando.
Mais do que a mania proibitória, entretanto, preocupa
a enorme aceitação popular de medidas restritivas
de direitos, geralmente discriminatórias, como
a da proibição da presença de menores,
nas ruas, após às 23 horas, que revela extrema
hipocrisia, ao sugerir que ao menor e ao adolescente,
nas ruas, tudo é permitido antes do toque de recolher,
e, depois dele, intramuros, podem exercer a prostituição,
furtar, vender e usar drogas e matar.
A exploração da estranha tendência
do povo para aplaudir medidas espetaculosas, demagógicas,
sem nenhum sentido ou utilidade prática, no complexo
e difícil mundo em que vivemos, não é
a melhor receita para o legislador sensato.
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O
IGNÓBIL NA POLÍTICA
O
episódio envolvendo o deputado federal Fernando
de Fabinho, que nesta terra deu panos para todas as mangas,
ainda rende dividendos, pequenos, é verdade, como
o manifesto do PT de Santa Bárbara, documento que
Hugo Chaves, Fidel Castro e o próprio Stalin subscreveriam,
dando sustento a atual e pobre messe do noticiário
político, quase restrito as atividades da Câmara
Municipal e suas invenções.
O manifesto, que ataca, duramente, a nova aquisição
da equipe do governo, surgiu depois do acirramento dos
ânimos, já exaltados, em Santa Bárbara,
provocado pela divulgação de notícia
segundo a qual Fernando de Fabinho voltaria a disputar
a Prefeitura, daquele município, com o total apoio
da grei do governador Wagner.
Sem provocar terremoto, entretanto, político da
nova safra desta cidade, acostumado a largar o verbo,
diariamente, sobre população nem sempre
cauta, sem dar importância ao fato de que "verba
volant", depois de defender a posição
do deputado, que deixou a oposição para
se aliar ao governo do Estado em conduta inesperada e
surpreendente, fez acérrimas acusações
a um deputado federal que teria ameaçado o trânsfuga
com pedido de perda de mandato. No seu entender, abandonar
partido de oposição para cair nas benesses
governamentais é fato natural, humano e compreensível
como o de quem se vale daquele que lhe dá apoio
e abrigo, na abastança, para abandoná-lo,
na dificuldade, em busca de novo protetor.
Se essa é a norma dos políticos da nova
geração, estamos fritos. Melhor é
abandonar os sonhos de democracia e liberdade, do poder
exercido pelo povo e deixar o país descambar em
direção a qualquer dos novos "ismos",
que ameaçam se espalhar na América do Sul,
em que se vão mascarando um antigo, que tanta desgraça
promoveu no mundo, e entregar tudo a um tiranete qualquer,
à semelhança dos que andam a criar simulacros
de democracia.
Roeu os ouvidos de muitos, contudo, a afirmação
do político, novato e candidato a líder,
de que a intenção manifestada pelo deputado,
a de ingressar em juízo para reaver, para seu partido,
o mandato atualmente exercido por Fernando de Fabinho,
era ignóbil. Queremos acreditar que o professor
- o político em questão também e
professor, e de letras, se não estamos enganados
- não conhece o significado da palavra que proferiu,
ou, o que é pior, não consegue controlar
a língua.
A palavra não e desconhecida, nem tão antiga
a provocar dislates e emprego despropositado. Está
em todos os dicionários desde o Bluteau. No Houaiss,
que todo mundo conhece, é o "que não
é nobre, que inspira horror do ponto de vista moral,
de caráter vil, baixo, que causa repugnância,
que ofende o sentido estético, hediondo".
A perda do mandato, por infidelidade partidária,
é tese amplamente conhecida e discutida na imprensa
e no Judiciário deste país. Já foi
declarada legítima, pelo STE, em resposta a consulta
formulada por um partido político. Outros partidos
tem contestado o direito de recuperação
de mandatos nos casos da troca-troca de partidos que aconteceram,
recentemente, no Congresso nacional, causando escândalo
a exigir reforma na legislação eleitoral.
Afirma-se que ao se manifestar pela perda do mandato,
nos casos de infidelidade, o STE optou pelo que é
politicamente correto, mas sem o necessário respaldo
da legislação. Ao decidir, o STE, que o
mandato é do partido e não do parlamentar,
invadiu, no entender de muitos, a competência reservada,
constitucionalmente, ao Congresso Nacional, o que e discutível,
porque a Constituição Federal, no art. 55,
não arrola, entre os motivos de perda de mandato,
a infidelidade partidária. A perda do mandato encontraria
respaldo apenas, na Lei dos Partidos Políticos,
que autoriza as organizações partidárias
a estabelecer punições para os parlamentares
que desertem as orientações do partido e
em certos casos entra em choque com a própria Constituição.
Há portanto, no país, grave e séria
discussão sobre a conseqüência da infidelidade
partidária dos parlamentares. Não é
uma questão ignóbil.
Ignobilidade é outra coisa.
AVES
MIGRATÓRIAS
Foi
o poeta Raimundo Correia quem falou das pombas, que deixam
os pombais, diariamente, mal "raia sanguínea
e fresca a madrugada", em soneto célebre,
segundo o qual as pombas sempre voltam, ao contrário
dos sonhos, que ao coração não voltam
nunca mais. Sair, mas nem sempre voltar, parece que sempre
foi destino de homens e animais desde os primórdios
do mundo. Até hoje, em lugares onde ainda existem
animais selvagens, como nas savanas de África,
manadas inteiras migram, periodicamente, em busca de alimento
e água, hábito que deve ter atingido os
primitivos humanos e se apresenta, algumas vezes, hoje,
em pessoas que não esquentam lugar e cuja maior
realização é a de correr mundo, ainda
que enfrentem terremotos, furacões, climas congelantes
e polícias políticas.
A migração, portanto, é fenômeno
que acompanha a história da humanidade motivada
por fomes, perseguição política e
religiosa, como a dos judeus, nos tempos da Santa Inquisição,
em Portugal, e de italianos, irlandeses e chineses, em
busca dos Estados Unidos, à procura de trabalho
e ganhos. Quem estuda o fenômeno, o da migração
compulsória, por necessidade de sobrevivência,
afirma que do contacto de correntes migratórias
com pessoas, ambiente e. hábitos que lhes são
estranhos, pode resultar, de ambas as partes, em absorção
de hábitos novos e novas formas culturais.
Não sabemos até que ponto a migração
pode influenciar, melhorar ou corromper a grei para aonde
os políticos se trasladam. Fato é que a
troca de partidos tornou-se tão comum e corriqueira,
no Brasil, que repercussões de monta e mudanças
de rumos dificilmente podem ocasionar, porque os partidos
brasileiros se igualaram em suas poucas virtudes e seus
muitos defeitos. E como diz o povo: "lá e
cá más fadas há".
A partida do deputado federal, Fernando de Fabinho, do
grupo do prefeito Tarcizio Pimenta, em veloz direção
ao agregado do governador Wagner, ungida e sacramentada,
é fato defunto. Ultrapassou a extrema unção;
o deputado já se aboletou nos domínios governamentais,
provocando apreensões e demonstrações
de invendável rancor em setores do PT local, enchendo
de ameaçadoras nuvens de tempestade o Município
de Santa Bárbara, onde o Partido dos Trabalhadores
comanda a Prefeitura.
Problema vai ser no dia em que assumir a secretaria que
lhe estão profetizando.
Nos prenúncios, pródomos e antecedentes
da despedida, entretanto, o acontecimento, que não
deixou de ter alguma relevância, provocou, nesta
terra, durante cerca de uma semana, mais fogos de artifício
do que os festejos de ano-novo, em Copacabana, com variadas
luzes, lágrimas, pipocos, estouros e densa fumaceira
felizmente sem vítimas a lamentar. O assunto ultrapassou,
na atenta mídia, em tempo e espaço, todos
os homicídios, roubos, chacinas e festas de pó
por acaso ocorridas, como se migração, na
política brasileira, fosse caso raro, capaz de
provocar terremotos e mudanças no eixo do planeta,
feito, há quem ainda afirme, para ficar parado,
mas que inquestionavelmente se mexe, samba, rebola como
poderia dizer Galileu Galilei se ainda vivesse.
Difícil afirmar como a notícia repercutiu
no real interesse do povo, mais interessado no pão
do cada dia, no transporte coletivo e no seu time de futebol
do que propriamente na política partidária
e seus poleiros.
Outros, recentemente, fizeram a viagem, que acaba de empreender
o deputado Fernando de Fabinho, sem despertar grande estardalhaço
da imprensa, talvez porque sabidas aves migratórias.
A princípio os migrantes despertaram raivosos comentários
contra o carlismo, que diziam morto e sepultado, tratando
simples, comum, mas eficiente fenômeno de carisma
pessoal, sólida liderança política
e respeito as amizades como se fosse algo do montante
de doutrina internacional, a exemplo do comunismo, que
era preciso combater a todo custo.
No caso do deputado Fabinho as raivas tomaram rumo do
ex-prefeito José Ronaldo, dando-o como liquidado,
desfalecido e morto nos campos da política do Estado,
porque as defecções lhe haviam drenado todos
os votos e eliminado sua capacidade de liderança.
Ninguém tratou de avaliar a quantidade de votos
que os dissidentes carregaram, em suas malas, para fortalecer
o grupo do governo.
E ninguém se pronunciou sobre o povo. Afinal, nesta
democracia, os votos a quem pertencem.?
Até que ponto as aves migratórias podem
fazer alguma diferença?
A
POLÍTICA DAS BOAS SOGRAS
Eterno
motivo de discussões, falácias e demandas,
o financiamento de campanhas políticas de vez em
quando reaparece no noticiário e na palavra de
políticos. Alguns quase chegam às lágrimas
ao lamentar a falta do famoso financiamento público,
providencial medida que ainda não desabou sobre
o erário. Há, apenas, esperanças
ameaçadoras.
Transparece, de tudo isso, verdade de estranha singularidade.
A lei demonstra desafeição, verdadeira iracundia
e extraordinário azedume a intromissão do
dinheiro em eleições, quando todo mundo
sabe que o velho dinheiro, invenção do diabo,
é a chave que abre todas as portas, como disse
Molière, em "Escola de Mulheres", e segundo
Horácio, nas suas "Epístolas",
esta a frente da virtude, sem deixar de lado a sabedoria
de Sancho Pança para quem o melhor cimento para
bom edifício é o dinheiro.
Não há como entender a idiossincrasia legal
ao dinheiro na política brasileira, sabido por
todos que custa fortunas, hoje, simples campanha a vereança,
sem incluir, na conta, a compra de votos, atualmente mais
reminiscência das velhas eleições
a bico de pena do que realidade eleitoral. O voto secreto,
eletrônico, teve papel saneador, reduzindo chefes
de distritos ou de bairros e cabos eleitorais a meros
propagandistas, na maioria das vezes simples marreteiros
com atuação aparentada do estelionato.
É tarefa quase impossível coibir, totalmente,
a influência do poder econômico em pleitos
eleitorais. Ninguém vai impedir que boas sogras,
com algum, soltem dinheirinho ou dinheirão na campanha
do genro candidato. Uma tranqüilidade. Intranqüilidade
poderia provocar, em certos casos, a sogra boa, mas aí
é outra coisa. Tudo se torna mais complicado quando
a sogra tem o nome de caixa dois, porque dinheiro não
exibe marca, a não ser a do Tesouro Nacional, e
não tem registro. Não fala e dificilmente
da testemunho.
Mas, por falar em dinheiro, que se tomou o deus supremo
da política partidária, surgiu notícia
curiosa, abafada por outras, que dão conta de defecções,
fugas e apostasias, muito mais interessantes. Vereador
à Câmara local reapresentou projeto de lei
com o qual pretende reduzir o período de recesso
do ramo legislativo do governo municipal de noventa para
quarenta e cinco dias. É caso raríssimo
de alguém que deseja aumentar as horas de trabalho
com a mesma remuneração, O que implica em
redução do salário. O projeto, tudo
indica, será devidamente rejeitado, até
porque, manda a verdade, convém dizer que vereador
não tem muito trabalho a não ser o de prestar
assistência ao eleitorado, tarefa que não
encontra limites no tempo e, muito menos, nos custos para
os incautos.
Daí que certos vereadores ficam, na Câmara,
a inventar tarefas e meios de aparecer na imprensa. Criaram,
com estardalhaço, uma CPI dos combustíveis,
na qual gastaram o dinheiro do legislativo e juntaram
enorme, indigesta e inútil papelada que segundo
foi noticiado enviaram para outro órgão
público, que deve ter mais o que fazer do que procurar
o que ninguém guardou.
Outro dia surgiu notícia de que vereador apresentou
ou estaria preparando proposição destinada
a obrigar o funcionalismo municipal, todo ele, a economizar
água, que deve ser usada, nas repartições,
com extrema parcimônia, no que atenderia a preocupação,
ate certo ponto exagerada, dos ecologistas, que dizem
que a água esta acabando no planeta, mas contraria
orientação dos serviços de saúde
que mandam lavar as mãos para combater o alastramento
de certas doenças e vai contra o senso comum que
aconselha a dar descarga nos aparelhos sanitários
depois de usados.
Diante, entretanto, das enchentes, que avassalam diversas
localidades, inclusive no Brasil, e da ameaça de
derretimento dos gelos polares, com o perigo de outro
dilúvio, não acreditamos que a Câmara
aprove a medida, que seria mais do agrado de vírus,
bactérias e bodum do que destinada a salvar o gênero
humano do perecimento.
Em meio ao noticiário surgiram acerbas críticas
ao Judiciário local, que teria soltado quase todos
os presos da "festa do pó". A imprensa,
no sentido geral, tem importante função,
a de educar. Ao fazer afirmações tendenciosas
atirando o povo contra o Judiciário sem nenhuma
base nos fatos, parte da imprensa erra, deseduca e trai
as razões de sua própria existência.
Se o Judiciário mandou para rua indivíduos
presos, ilegalmente, pela polícia, que comemorou
e livrou-se, por alguns dias, da fama de inoperância,
agiu corretamente. Não vamos pedir ou aplaudir
prisões ilegais. É perigo que devemos evitar
a todo custo.
COMÉDIA
E REALIDADE
O
padre Antônio Vieira, no Sermão da Sexagésima,
afirmou que encontramos, na comedia, pontos da doutrina
moral "muitos mais verdadeiros e mais sólidos
do que hoje se ouvem nos púlpitos."
Tinha razão. É que a comédia foi
criada, explorando a estranha ambivalência da humanidade,
que lhe permite aceitar e defender, em certos casos, o
que condena em outros, principalmente para burlar os diversos
tipos de censura, que sempre atingiram a comunicação
humana, a difusa, que se confunde com a moralidade pública,
até aquelas que se instalam "manu militari".
Da comédia, que concretiza o "castigat ridendo
mores", ninguém escapa. Ate os deuses, com
Aristófanes, já foram satirizados. Tem atravessado
os tempos incólume, ainda que considerada forma
inferior de expressão teatral, mas sempre conquistando
espaços. Na televisão brasileira encontrou
seu ponto mais alto com Chico Anisio e Jô Soares.
Degenerou, depois, porque provavelmente, não se
esta fazendo completa distinção entre o
que é risível e o que é ridículo.
Difícil falar em comédia sem lembrar Moliére,
criador de obras-primas e retratos de tipos sociais destinados
a se eternizar na literatura, como o do avarento.
O que aconteceu em Feira de Santana, faz poucos dias,
quando cerca de cento e cinqüenta pessoas, homens,
mulheres e crianças comemoravam data natalícia
de traficante de drogas conhecido das autoridades policiais,
ruidosa e festivamente, em casa de eventos das muitas
que estão em atividade, é sintomático.
Surpreendidos pela polícia, alertada por denúncia
telefônica anônima, conforme diz o noticiário,
os participantes do festejo apresentam tinturas de comédia,
principalmente a quem viu a vasta reportagem icnográfica,
exibida, na Internet, no site de Dilton Coutinho, onde
aparecem deitados, descalços, semi-nus, à
beira de piscina, já dominados pela polícia,
enfileirados como se gozassem de gostoso banho de sol.
Na festa, além de comidas e bebidas, conforme noticiado,
havia, cuidadosamente expostos, em razoável quantidade,
para consumo geral, cocaína, maconha, crack e o
sempre lembrado lança perfume. A investigação
policial, hoje, na Bahia, em alguns setores, resume-se
a dois instrumentos de valor duvidoso: a confissão
e a delação anônima (fuxico), que
se podem transformar em certeza e convencimento pessoal
do delegado, pelo menos para o público ou para
satisfazer cobranças, o que não deixa de
ser perigoso para a população e para a correta
administração da justiça.
A polícia, dos cento e cinqüenta que festejavam
o aniversário do traficante, conseguiu prender,
afirma a crônica policial, cerca de cento e vinte,
conduzidos, em ônibus, para a cadeia, mas aumentando
as agruras policiais pela falta de acomodações
para tanta gente ilustre, já que existe superlotação
no Complexo Policial e no Conjunto Penal.
Entrevistado por um repórter de rádio, o
aniversariante, preso, saiu-se com a conhecida argumentação
de defesa: havia, na festa, drogas proibidas. Mas, ele,
não e traficante. É usuário, pobre
viciado, padecente das circunstâncias, a merecer
toda a atenção e todos os cuidados das autoridades.
Resumiu a argumentação de todos os que foram
detidos na momentosa festa, vítimas da sociedade,
doentes a reclamar tratamento e reverências.
Consta que a polícia lavrou flagrante contra mais
de cinqüenta dos presos, não se sabe, ainda,
de que delitos, porque tráfico, tudo indica, não
estava havendo, salvo algum eventual porte ilegal de arma
de fogo. Violência não foi constatada. Havia,
na celebração, grande número de pessoas
descalças, alegremente folgando, à vontade,
vestindo apenas shorts e gozando das liberdades que lhes
são asseguradas pela legislação,
certas de que no Brasil a posse de drogas proibidas não
é punível. O nosso país se quer mostrar
avançado e seus legisladores, macaqueando países
pequenos e corretamente policiados, acham que viciados.
em drogas devem ser encaminhados a tratamento em estabelecimentos
especializados. Só que tais estabelecimentos não
existem.
Conclui-se, de todo o acontecido, longe da comédia,
que o fato, alarmante, gravíssimo, foi vastamente
previsto e anunciado. Demonstra que traficantes e usuários
de drogas estão fortalecidos, acima da lei, agindo
sem medo e sem respeito a quem quer que seja. Reúnem-se,
publicamente, festejam, expõe e usam drogas em
festa, na presença de menores, desafiam, provocam,
afrontam e fazem adeptos. No decorrer da semana surgiu
outra sintomática notícia, a de que já
houve festa similar, recentemente, gravada em vídeo
que chegou as mãos da polícia, demonstração
de que o tráfico de drogas, nesta cidade, tenta
escalada do poder, quer domínio, mando, controle,
liberdade para agir e comandar. Quem irá deter
essa gente?
Sáb,
06-Mar-2010 23:43
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